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O DISCO MAIS PESADO DO ROCK FAZ 50 ANOS

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capa O DISCO MAIS PESADO DO ROCK FAZ 50 ANOS

Em maio de 1958, os deuses do rock’n’roll sorriam para Jerry Lee Lewis: seu compacto “Breathless” escalava as paradas; “High School Confidential”, lançado poucos dias antes, tinha pinta de hit monstruoso. Seu maior rival, Elvis, estava no exército. Aos 22 anos, Jerry Lee estava prestes a embarcar na turnê mais importante de sua carreira: 30 shows em 37 dias na Inglaterra.

Mas a história foi outra. Cinco dias depois de chegar a Londres, Jerry Lee foi despachado de volta aos Estados Unidos, humilhado e sem um centavo no bolso. A turnê fora cancelada, e sua carreira começaria a despencar mais rapidamente que as “Grandes Bolas de Fogo” que ele descrevera em sua canção mais famosa.

Tudo culpa dos repórteres que insistiram em perguntar quem era aquela criança que acompanhava Jerry à Inglaterra. “É minha esposa, Myra Gale”, respondeu o “Killer”. “Quantos anos ela tem?” indagaram os jornalistas. “Quinze”, respondeu Jerry. “É meu terceiro casamento”.

Não demorou para a imprensa britânica descobrir que Myra não tinha 15, mas 13 anos. Foi um escândalo. Editoriais foram publicados pedindo a deportação do cantor. Jerry Lee foi chamado de “Rouba-Nenê” e “Ladrão de Berços”. No aeroporto, antes de embarcar de volta a Memphis, foi perguntado se a polêmica poderia prejudicar sua carreira. Em seu típico estilo blasé, Jerry Lee ajeitou o cabelo, olhou nos olhos do repórter e disse: “Nos Estados Unidos, eu tenho duas casas, três Cadillacs e uma fazenda. Você acha que estou preocupado?”

Corta. Seis anos depois. 1964. A carreira de Jerry Lee Lewis, o performer mais incendiário do rock, está acabada. Seus discos não vendem. Seu cachê caiu de 10 mil para 250 dólares por show. Ele aceita qualquer gig: em puteiros, espeluncas, cassinos de quinta categoria. E pior: viu novatos como Beatles e Stones dominarem o mundo. Como escreveu Nick Tosches na antológica biografia de Jerry Lee, “Hellfire”: “Ele havia imaginado que os Beatles, que conhecera em sua última turnê na Europa, teriam desaparecido rapidamente. Mas não só eles continuavam por lá, como estavam maiores do que nunca – eles e os tais dos Rolling Stones, arrumadinhos como umas bichinhas no último dia do Mardi Gras – e ficando ricos. E ali estava ele, Jerry Lee Lewis, melhor que todos eles, melhor que todos eles juntos, sem conseguir um hit sequer.”

Nesse período pós-Myra Gale, uma coisa aconteceu com Jerry Lee Lewis: ele soltou os bichos de vez. Seus shows, que já eram explosivos, viraram festivais de pura insanidade e violência. Confrontado com o abismo, Jerry Lee não recuou, mas se jogou de cabeça.

Achei um clipe de Jerry Lee na Inglaterra, em 1964, que dá uma ideia de como eram suas apresentações. É uma das coisas mais lindas de todos os tempos:

 

 

O que nos leva a “Jerry Lee Lewis – Live at the Star Club, Hamburg”. Gravado em 1964, no meio de seu período de trevas, é o disco mais raivoso e virulento que o rock já conheceu. Trinta e sete minutos de barulho e caos.

Ouça a versão proto-heavy metal de Jerry para “Money”, de Gordy & Bradford, e compare com a gravada pelos Beatles, que parece uma canção de ninar; ouça o “Killer” fazendo a versão definitiva de “Your Cheatin’ Heart”, que põe no chinelo até a original de Hank Williams; ouça dois mil alemães bêbados gritando “Zerry, Zerry!”, enquanto um alucinado assobia tão alto no início de “Great Balls of Fire” que dá para ouvir o fiu-fiu do chucrute sobre o piano de Jerry.

“Live at the Star Club” é um disco tão demente que consegue acalmar bebês e cães. Aqui em casa sempre dá certo: é só a voz de Jerry Lee ecoar na sala, que todos ficam assustados e quietos. É o triunfo do instinto e da irracionalidade. Isso é rock. O resto é perfumaria.

 

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