Nesse fim de semana rolou a primeira edição brasileira do EDC - Electric Daisy Carnival - um dos maiores festivais de música eletrônica do mundo.
Não fui ao evento, mas tinha muito interesse em saber como tinha rolado o festival. Já escrevi aqui no blog sobre a briga entre o EDC e outro grande festival, o Tomorrowland (leia aqui), e acho fascinante o processo de popularização da música eletrônica e sua transformação em pop.
Na sexta à noite, assisti a cerca de uma hora do festival no Multishow. Não vi nenhum comentário e nenhuma entrevista. A "cobertura" se limitou - pelo menos durante o tempo que vi - a mostrar cenas dos palcos, gente dançando e a VJ Marimoon pulando e fazendo caretas fofas dentro dos stands dos patrocinadores - com os logotipos bem visíveis, claro.
Confesso que não conhecia nenhum dos artistas que o Multishow mostrou (desliguei antes das apresentações de Martin Garrix e Tiesto). Teria sido legal ouvir um especialista explicando quem eram os DJs, que tipo de som fazem, etc., mas isso, aparentemente, não tem mais importância.
No dia seguinte, comentei o evento com um amigo. Ele me enviou o link de um site que supostamente teria uma boa cobertura do festival: o Thump, o canal do site da VICE que fala exclusivamente de música eletrônica.
Antes de continuar, quero dizer que acho o trabalho da VICE muito bom e importante. Cansei de ver ótimos documentários e reportagens feitos por eles. O último furo mundial dos caras foi a entrevista com Jesse Hughes, líder do grupo Eagles of Death Metal, vítima dos ataques terroristas ao clube Bataclan, em Paris. Gigantesca bola dentro.
Animado, acessei o Thump. Dei de cara com isso.
Minha primeira impressão foi de que eu havia entrado na página errada. Aquilo era um informe publicitário sobre o EDC, não uma matéria jornalística sobre o evento.
Procurei a cobertura de verdade, o relato jornalístico que responderia a algumas perguntas básicas: como foi a organização do evento? A produção estava no mesmo nível das edições internacionais do EDC? Os DJs mandaram bem? O som estava bom? Que artista se destacou?
Não achei nada disso.
No topo da página, um aviso acabou com minha dúvida: "a COBERTURA do Electric Daisy Carnival Brasil 2015 no Thump é um oferecimento de Smirnoff Ice Storm.
Aquele jabá era a cobertura.
Podem me chamar de velho, de reacionário, de museu, de ludita, de amigo do Gutenberg, de qualquer porcaria, mas isso NÃO É jornalismo nem aqui e nem no raio que o parta. Isso é publicidade. E por favor não misturem as coisas, em respeito tanto ao jornalismo quanto à publicidade. Nenhum dos dois merece ser sacaneado dessa maneira.
Não moro debaixo de uma pedra e tenho acompanhado as "mudanças" na imprensa mundial. Entendo o conceito de "branded content", embora fique triste com a confusão que muitos fazem entre jornalismo e conteudismo. No caso do Thump, bastava tacar um "INFORME PUBLICITÁRIO" no alto da página e estava tudo certo. Inadmissível é vender jabá com fachada de "cobertura".
Trabalho em imprensa há muito tempo e sei que ela não sobrevive sem anunciantes. Também não tenho nada contra revistas customizadas para empresas. Já escrevi uma coluna sobre música e cinema na revista de uma companhia aérea. Mas a publicação, da capa à última página, deixava absolutamente claro que era uma empreendimento corporativo. O leitor recebia a revista gratuitamente dentro do avião e sabia o que estava lendo. E os colunistas podiam escrever sobre o que bem entendessem.
Isso é muito diferente de um informe publicitário disfarçado de cobertura jornalística. Garanto que muita gente acessou o Thump, leu a "cobertura", não se ligou que era jabá e achou que o EDC foi mais importante que o festival de Woodstock em 1969.
Mas "jabá" é uma palavra feia e ultrapassada. Nada mais nineties que aqueles velhos programadores de rádio recebendo uns trocados para tocar a música nova de certa gravadora. Os tempos mudaram. Hoje, neojornalista não faz jabá, faz conteúdo disfarçado de notícia.
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