A vida não está fácil para quem gosta de romances policiais. O último livro que me fez perder noites em claro sem me arrepender foi lançado em 2009: “Sangue Errante”, de James Ellroy.
E olha que tentei ler coisas novas: desisti de Jo Nesbo depois de dois livros, não consigo me empolgar com Michael Connely, e larguei o último de Dennis Lehane, “Live By Night”, lá pela página 60, depois do 37º clichê bolorento.
O que tenho lido de novo é um tédio só. Os autores parecem mais interessados na adaptação pra Hollywood do que em escrever uma história boa, ou criam enredos tão fantásticos e improváveis que se tornam ridículos. “O Homem de Neve”, de Nesbo, traz um assassino que pendura vítimas pelo pescoço, sentadas em bonecos de gelo; os bonecos derretem e enforcam os coitados. Tá bom.
Tentei ler George Pelecanos, Peter James e Oliver Harris, mas não desceram. Pra diversão, volto aos de sempre: Patricia Highsmith, Ellroy, James Wambaugh, Lawrence Block, Jim Thompson, Ed McBain, George V. Higgins, Rubem Fonseca. Outro dia, achei na estante uma versão de bolso de “Moeda Negra” (1969), de Ross MacDonald. Foi só alegria: duas tardes de chuva passaram em dez minutos.
Mas estou sempre atento a novidades. Por isso, quando pintaram as primeiras críticas a “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”, do suíço Joel Dicker, 28, fiquei empolgado. O livro – um calhamaço de quase 700 páginas - foi chamado de “obra-prima” e “revolucionário”. Vendeu um milhão de cópias na França. Dicker virou sensação e vem pra FLIP. Encomendei meu “ebook” e fiquei esperando, ansioso, a versão em inglês, que saiu no início de maio.
Comecei a ler, e não consegui acreditar como era ruim. Página após página, foi ficando pior. Só não o arremessei na parede porque estava lendo no IPad. Chegou a um ponto em que eu continuava a ler só pela curiosidade em saber se poderia piorar. E piorou.
Para esconder a fraqueza do enredo, Dicker criou uma narrativa fragmentada: o personagem principal é Marcus Goldman, um jovem e famoso escritor que fez sucesso com o livro de estreia, mas que sofre de bloqueio criativo no segundo romance e vai procurar ajuda de seu velho mentor, Harry Quebert, autor de um livro clássico, “A Origem do Mal”. Quebert vive em uma pequena cidade praiana na costa leste dos Estados Unidos.
Na semana em que Goldman visita Quebert, jardineiros mexem no quintal deste e descobrem um segredo terrível: a ossada de uma menina de 15 anos, Nora, sumida há três décadas. Quebert é preso pelo crime, e Goldman começa a escrever um livro sobre o caso. Dicker cria um livro dentro do livro e ainda guarda espaço para citar “A Origem do Mal”. Parece complicado? Mas não é, é só confuso mesmo, e de propósito, para dar ao romance uma gravidade que ele não tem. Dicker é só truque.
Os clichês começam a se amontoar: testemunhas morrem minutos antes de dar depoimentos, provas são queimadas, Goldman é perseguido por um ser misterioso que se esconde em arbustos. Pinta um suspeito, um sujeito imenso e com o rosto deformado de Quasímodo; relações comprometedoras entre personagens são reveladas das formas mais estapafúrdias. Dicker espalha pistas pelo texto, carregando em descrições malévolas de personagens suspeitos. Quem está acostumado a ler livros do gênero sente, a léguas, o cheiro de armadilha.
Algumas sequências beiram o patético: Goldman vai à mansão de um milionário que pode estar implicado no crime. Ele conversa com o ricaço por poucos minutos e é expulso do lugar. Goldman pede para ir ao banheiro, entra escondido num quarto e, em poucos segundos, acha uma pista comprometedora de um crime ocorrido trinta anos antes. Socorro.
Gostaria de saber mais opiniões sobre o livro, até para tentar entender as críticas entusiasmadas que recebeu na Europa. Confesso que não compreendo a razão de tantos elogios. Até meu colega da “Folha”, Marco Rodrigo Almeida, cuja opinião respeito demais, disse ter gostado do livro.
Enquanto isso, aguardo o lançamento de “Perfidia”, novo de James Ellroy, que sai em setembro. Até lá, só trevas.
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