Todo cinéfilo tem seu crítico predileto: André Bazin, Pauline Kael, Andrew Sarris... Mas ninguém pode discordar que o crítico mais influente e conhecido da história do cinema foi Roger Ebert.
Por quase 30 anos, Ebert, em parceria com Gene Siskel, apresentou um programa de TV nos Estados Unidos em que faziam críticas dos filmes da semana. Os filmes recebiam “thumbs up” (polegares para cima) ou “thumbs down” (para baixo), e a opinião dos dois influenciava o resultado de bilheteria.
Outros críticos malharam Siskel e Ebert por “banalizarem” a crítica cinematográfica. Ebert sabia que o curto tempo na TV não permitia análises profundas sobre filmes, mas via seu trabalho como uma peça de resistência do bom cinema no “mainstream” e sempre fez questão de elogiar o trabalho de jovens talentos. Martin Scorsese, Errol Morris e Michael Moore são apenas alguns dos muitos cineastas que receberam grande incentivo do crítico no início de suas carreiras.
Ebert não começou na TV. Em 1967, foi contratado como crítico do jornal “Chicago Sun-Times”, onde permaneceu por mais de 40 anos. Foi o primeiro crítico de cinema a ganhar um Pulitzer (em 1975) e ajudou a popularizar a geração de jovens cineastas que surgia: Coppola, Scorsese, Bogdanovich, Arhtur Penn e e outros.
Suas críticas positivas a filmes polêmicos como “Bonnie e Clyde” (Arthur Penn, 1967), “Meu Ódio Será Tua Herança” (Sam Peckinpah, 1969) e “Caminhos Violentos” (Scorsese, 1973) ajudaram a bilheteria dos filmes e a carreira de seus diretores. Ebert também ajudou a popularizar, na América, cineastas estrangeiros como Kurosawa, Bergman e Fellini, e escreveu o roteiro de “Beyond the Valley of the Dolls”, clássico trash/pornô de Russ Meyer.
Em 2002, Ebert foi diagnosticado com câncer na tireoide e, logo depois, na glândula salivar. Passou os anos seguintes entrando e saindo de hospitais, fez inúmeras cirurgias, retirou parte do maxilar e passou a se comunicar por meio de um sistema computadorizado de reprodução de som, usando, como base, gravações de sua própria voz. Morreu em 4 de abril de 2013, cercado por amigos e pela esposa, Chaz, com quem casou aos 50 anos e que, segundo Ebert, o salvou de “passar os últimos anos de vida em completa solidão”.
Acaba de sair nos Estados Unidos “Life Itself”, documentário de Steve James (“Hoop Dreams”) sobre a vida de Roger Ebert. Enquanto nenhum iluminado lança por aqui, dá para ver no Cine Torrent.
O filme começou a ser produzido seis meses antes da morte de Ebert e traz entrevistas com amigos, colegas de trabalho, cineastas (Scorsese, Herzog, Errol Morris) e críticos (Richard Corliss, A.O. Scott, Jonathan Rosenbaum). A entrevista de Scorsese, em especial, é muito emocionante. Ele lembra como Siskel e Ebert o homenagearam em um festival de cinema em 1980, quando ele passava por uma fase braba de cocaína e havia quase morrido de overdose. Foi a primeira vez que vi Scorsese quase chorar numa entrevista.
“Life Itself” também mostra, em detalhes agonizantes, todo o processo clínico a que Ebert se submeteu. É comovente a luta dele para continuar trabalhando em meio à dor. Em 2008, e até seus últimos dias, manteve um blog, onde falava sobre cinema e a vida, e onde escreveu sua despedida:
“Eu sei que ela está chegando, e não temo, porque acredito que não há nada do outro lado da morte para temer. Espero ser poupado de sofrimento nesse caminho. Sempre fui perfeitamente feliz antes de nascer, e penso na morte da mesma forma. Sou grato pelo dom da inteligência, do amor, do deslumbramento e do riso. Não dá para dizer que não foi interessante. As memórias de minha vida são o que eu trouxe dessa viagem. E não preciso deles, para a eternidade, mais do que preciso daquele pequeno souvenir da Torre Eiffel que eu trouxe de Paris.”
Dois dias antes de morrer, Roger Ebert escreveu:
“Nesse dia de reflexão, digo novamente: obrigado por terem me acompanhado nessa jornada. Vejo vocês no cinema.”
The post ROGER EBERT: UM ADEUS DE CINEMA appeared first on Andre Barcinski.