É o fim de uma era. Depois de 17 anos, Allan Jones, criador, fundador e editor da “Uncut”, uma das melhores revistas de música, cinema, livros e cultura pop que já existiu, foi substituído no comando da publicação pelo jornalista John Mulvey.
Jones, 65, fundou a “Uncut” em 1997, depois de trabalhar na revista “Melody Maker” desde 1974. Seus textos, que misturavam conhecimento enciclopédico de música, humor anárquico e a atitude “gonzo” de sempre fazer parte da matéria que estava cobrindo, fizeram dele um herói para muita gente.
Por 40 anos, Jones farreou, bebeu, cheirou e cometeu incontáveis pecados ao lado de entrevistados. Quase apanhou de Lou Reed e sua então namorada, um travesti chamado Rachel; desmaiou de tanto beber pinga com Keith Moon e irritou tanto o Pink Floyd com a crítica de um show que, no dia seguinte, a banda dedicou uma música a ele: “Essa é para Allan Jones, da ‘Melody Maker’”, disse Roger Waters. ‘Se chama ‘Run to Hell’ (‘Corra pro Inferno’), e eu sugiro que ele faça justamente isso.’”
Por muito tempo, Jones assinou a coluna “Stop Me If You Think You’ve Heard This One Before”, textos hilários sobre os bastidores de entrevistas com artistas famosos. Era minha seção favorita na “Uncut”. A coluna era mais reveladora que a maioria das entrevistas, porque Jones colocava o leitor onde ele nunca esteve e mostrava o que rolava por trás das reportagens: as maquinações dos assessores de imprensa, o ego inflado dos artistas e a arrogância dos executivos. Muitas histórias terminavam com o autor enchendo a cara com os músicos ou brigando com algum diretor de gravadora.
Jones conta que teve a ideia de criar a “Uncut” em 1997, quando estava de saco cheio do britpop, foi a Nashville entrevistar a banda de alt-country Lambchop e teve uma epifania: o que ele, quase cinquentão, estava fazendo na “Melody Maker” escrevendo sobre Blur e Oasis, bandas que desprezava e não entendia? “Eu estava envelhecendo e queria escrever sobre os artistas que gostava”. A ideia era fazer uma revista não só de música, mas que falasse também de cinema e literatura.
Em junho de 1997, saiu o primeiro número da “Uncut”, com Elvis Costello na capa. O número dois tinha Steve McQueen. Comprei a minha primeira em 98 – com Morrissey – e não parei mais. Jones começou a lançar, a cada edição, um CD que vinha de graça com a revista. A mais famosa dessas compilações foi “Sounds of the New West”, de 98, que apresentou a muita gente Josh Rouse, Calexico, Handsome Family, Willard Grant Conspiracy e outros. Não é exagero dizer que esse disco ajudou muito a popularizar o alt-country entre fãs de rock alternativo.
Allan Jones também ficou conhecido por ter sido autor da célebre entrevista com Todd Rundgren na “Melody Maker”, em que o músico esculhambava John Lennon, dizendo que ele era um revolucionário de araque e um “poseur”. Lennon depois respondeu aos ataques, numa carta bem humorada para a “Melody Maker”. Foi a leitura dessa entrevista de Rundgren, anos depois, que levou Mark Chapman a perseguir – e matar – John Lennon (a história toda, em inglês, você confere aqui).
Allan Jones deixa a "Uncut" no momento em que a revista vende metade dos 11o mil exemplares que vendia nos anos 90. Em sua última coluna, Jones diz que vai tirar férias, o que não faz desde 75. Espero que ele volte logo e publique um livro de memórias. Compro na hora.
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