Dia 21 de agosto é aniversário de 25 anos da morte de Raul Seixas. Raulzito morreu sozinho, no trono de um apartamento, aos 44 anos e muita lenha pra queimar. O que estaria fazendo hoje, aos 69?
Para mim, Raul foi o nome mais radical e inventivo do pop-rock brasileiro. Seus quatro primeiros discos solo, gravados entre 1973 e 1976, em parceria com Paulo Coelho, são marcos de uma época em que grandes LPs apareciam aos montes.
Conheço gente que prefere os quatro primeiros discos dos Mutantes, ou a série que Jorge Ben gravou entre “Ben” (1972) e “África Brasil” (1976). Mas quando se compara níveis de excelência assim, a questão é pessoal. E nada me emociona mais que a parceria entre Raul e Paulo Coelho.
Aqui vão breves comentários sobre cada um dos discos:
Krig-ha Bandolo - 1973
Um disco que tem “Ouro de Tolo”, “Al Capone”, “Metamorfose Ambulante” e “Mosca na Sopa” parece uma coletânea. Mas foi o disco de estreia de Raul e Paulo Coelho. A dupla já começou com um clássico.
Gita – 1974
Inspirado pela filosofia de Aleister Crowley, Raulzito e Paulo fizeram essa ópera-rock-xaxado-country-bolero sobre os ensinamentos do bruxo. Com produção de Mazzola, orquestrações de Miguel Cidras e 62 músicos no estúdio, a faixa “Gita” é a apoteose do disco, um momento ribombante de pura genialidade pop-sinfônica.
Novo Aeon – 1975
Quem conhecia Raul de perto diz que era seu disco predileto. É o meu também. Outra apologia a Crowley, com algumas das letras mais ácidas e geniais da dupla Paulo/Raul. Ouça “A Verdade sobre a Nostalgia” e confira.
Há Dez mil Anos Atrás – 1976
Para mim, o menos inspirado do quarteto de discos, marcado por uma crise criativa entre Raul e Paulo Coelho. Mesmo assim é um LP sensacional, com a faixa-título, “Meu Amigo Pedro” e a autobiográfica “Eu Também Vou Reclamar”, que traz os versos “As verdades se misturam / a verdade do universo / e a prestação que vai vencer”, síntese da genialidade de Raul, um músico capaz de falar das questões mais intrigantes de forma simples e direta.
O TOP 10 DO MALUCO-BELEZA
Em 2012, publiquei no blog a lista de minhas dez músicas prediletas de Raul. Compare com a sua:
Ouro de Tolo (Krig-ha Bandolo, 1973)
Existem músicas tão sublimes que demandam atenção total. Não dá para ouvir três segundos de “God Only Knows” ou “My Funny Valentine”, por exemplo, sem parar tudo que se está fazendo. “Ouro de Tolo” é uma dessas. Sobre uma balada melancólica e grandiosa à Phil Spector, Raul faz uma confissão vitriólica de seu próprio deslocamento, achincalhando as aspirações da classe média propagandeadas pelo milagre brasileiro dos anos 70. Uma obra-prima absoluta, que ninguém na Censura pareceu perceber. E com um dos versos mais incríveis da música brasileira: “Eu que não me sento no trono de um apartamento / com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar”.
Metamorfose Ambulante (Krig-ha Bandolo!, 1973)
OK, você certamente já ouviu muitos cantores péssimos destruindo a coitada em barzinhos por aí. Mas pare e ouça “Metamorfose Ambulante” como se fosse a primeira vez. Repare no clima psicodélico, naquela guitarrinha preguiçosa que precede o coral e na letra sarcástica sobre as verdades absolutas. E então faça justiça a uma das maiores músicas de Raul.
As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor (Gita, 1974)
Um repente/baião com uma das letras mais raivosas e inspiradas de Raul: “Eu já passei por todas as religiões, filosofias, políticas e lutas / aos 11 anos de idade eu já desconfiava da verdade absoluta”.
S.O.S. (Gita, 1974)
“Hoje é domingo, missa e praia, céu de anil / Tem sangue no jornal, bandeiras na avenida zil…”. Ninguém começava uma letra como Raul. Essa aqui é uma crônica, tão fluida que parece prosa. Começa com a descrição de um lindo domingo no Rio de Janeiro, para depois virar um apelo melancólico de alguém que não se encaixa naquele sol e naquela felicidade toda. E quando Raul pede ao moço do disco voador para levá-lo, e canta “e das janelas desses quartos de pensão / Eu, como vetor, tranqüilo tento uma transmutação”, é difícil suportar tanta tristeza. Pra mim, a música mais bonita de Raul. E pensar que foi chupada de “Mr. Spaceman”, do Byrds...
A Maçã (Novo Aeon, 1975)
Acho inacreditável que essa música raramente seja lembrada quando se fala nas melhores músicas de Raul. É uma balada dilacerante, com um teclado viajandão e uma das interpretações mais corajosas de Raul. Sua voz quase se despedaça, de tão frágil. Bonito demais.
Tu És o MDC da Minha Vida (Novo Aeon, 1975)
A melhor música que Odair José nunca gravou. Um bolerão brega com uma letra bizarra e engraçada, misturando Pink Floyd, Flavio Cavalcanti, Pepsi Cola, Shakespeare e as Casas da Banha.
Meu Amigo Pedro (Há Dez Mil Anos Atrás, 1976)
Sempre adorei essa música, mas ela ganhou outra dimensão para mim depois que vi o documentário de Walter Carvalho e descobri que Raul a tinha escrito em homenagem ao irmão, Plinio. A letra fala de duas pessoas muito diferentes – um doidão, outro careta – e da dificuldade de relacionamento dos dois. No fim, conclui Raul, “tudo acaba onde começou”. Não me lembro de uma música tão bonita sobre dois irmãos.
Eu Também Vou Reclamar (Há Dez mil Anos Atrás, 1976)
Raul ironiza as percepções do público sobre sua obra e imagem, nesse country em que cita até sua conhecida obsessão por Bob Dylan. Essa faixa mostra uma das grandes virtudes de Raul como letrista – e que ele divide com Jorge Ben e Jackson do Pandeiro: uma capacidade quase sobrenatural de espremer palavras onde elas parecem não caber, sem prejuízo da fluidez ou da métrica. E o verso “Dois problemas se misturam / a verdade do universo e a prestação que vai vencer” é um momento de puro sarcasmo à Monty Python.
As Profecias (Mata Virgem, 1978)
Começa com um pianinho romântico à Richard Clayderman, para depois cair num xaxado malemolente sobre filósofos, sábios e visões do Apocalipse. Uma das melhores letras de Paulo Coelho.
Aluga-se (Abre-te Sésamo, 1980)
Faria uma dupla imbatível com “Inútil”, do Ultraje: duas letras irônicas e iradas sobre nosso complexo de inferioridade e síndrome de vira-latas.
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