Qual o casal mais cool do rock? Debbie Harry e Chris Stein, do Blondie? Ela, uma loura fatal de cinema noir e ele, um intelectual existencialista e expert em magia negra? Lux Interior e Poison Ivy, do Cramps, estetas da cultura B?
Não tão rápido. A maior história de amor do rock periga não vir de nenhum desses casais famosos e cultuados, mas de um que, há quase meio século, vive completamente à margem do “mainstream” e cuja ética de trabalho e filosofia do “faça você mesmo” é inigualado. Falo de Fred e Toody Cole, do grupo Dead Moon.
Em junho, Fred e Toody completaram 47 anos de casamento. Quando trocaram alianças, em 1967, Fred tinha 19 anos e já era músico profissional. Sua primeira banda, The Lords, gravou o compacto de estreia em 1964. Dois anos depois, Fred tocava no The Weeds, banda que entraria em uma coletânea “Nuggets”, a série de compilações de rock de garagem americano dos anos 60 criada por Lenny Kaye, pesquisador musical e guitarrista da banda de Patti Smith.
Fred e Toody tiveram três filhos. Fred continuou tocando em várias bandas – Lollipop Shoppe, Zipper, King Bee – até que, no início dos anos 80, ensinou Toody a tocar baixo e formou com ela o grupo punk The Rats. Nunca mais se separaram – em casa e no palco. Em 1987, montaram o Dead Moon, uma das melhores bandas de rock de garagem e psicodelia de todos os tempos (se não conhece, sugiro procurar a coletânea dupla “Echoes from the Past”, lançada pela Sub Pop. Vai mudar sua vida).
Fred sempre fez tudo à sua maneira. Nos anos 70, percebeu que só poderia ser realmente um artista livre se fosse dono de suas canções. Montou uma editora e começou a lançar os próprios discos.
Fez mais: construiu, sozinho, a casa da família, numa área rural no estado de Oregon. Também construiu seu estúdio, uma loja de equipamentos musicais e a sede da gravadora Tombstone, por onde lançou quase todos seus discos. Cansado de pagar caro pela masterização de seus discos, Fred comprou uma antiga máquina de acetatos dos anos 50 – a mesma onde foi cortado o acetato original do clássico “Louie Louie”, do Kingsmen – e passou a masterizar os próprios discos em casa. Também emprestava a máquina para qualquer banda que a quisesse utilizar.
O Dead Moon nunca dependeu de ninguém. Fred e Toody agendavam os próprios shows, dirigiram a van em turnês e montavam o equipamento de palco. Fred construía guitarras e baixos, que vendia a preços acessíveis na loja do casal. Depois dos shows, o casal descia do palco e vendia camisetas e pôsteres para fãs.
Não existe nada igual a um show do Dead Moon. Quando entram no palco, Fred, Toody e o baterista Andrew Loomis dão as mãos e fazem uma espécie de ritual de invocação aos deuses da música, sobre um estranho altar formado por uma velha garrafa de Jack Daniels coberto por velas. Depois, detonam um rock primal e imundo que vem de um lugar distante e sombrio. Tive a sorte de vê-los três vezes, sempre em botecos minúsculos com palcos tão baixos que você quase encostava na guitarra de Fred. Uma coisa linda.
Em 2004, saiu um documentário sobre o Dead Moon, “Unknown Passage”. Dois anos depois, Loomis saiu da banda e Fred e Toody montaram outro grupo, o Pierced Arrows. Mas a lenda do Dead Moon só cresceu: o Pearl Jam passou a tocar uma canção do grupo, “It’s Okay”; o Shellac convidou o Dead Moon para tocar no famoso festival ATP.
Há quatro meses, Fred Cole foi hospitalizado com problemas cardíacos e fez uma operação de emergência. “Sou como um carro velho”, disse. “Eles vão cortar parte do meu coração e botar novas válvulas”. A cirurgia foi um sucesso. “A barata sobreviveu!”, postou nas redes sociais um dos filhos de Fred e Toody. Dia 27 de agosto, Cole fez 66 anos de vida e posou para uma foto mostrando a cicatriz no peito e empunhando uma garrafa de Jack. Que ele tenha muitos outros aniversários, e que visite o Brasil em breve.
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