A ventania começou às três da manhã de segunda-feira. Parecia um furacão. O barulho das árvores era assustador. De manhã, deu para ver o estrago: troncos caídos, telhas espalhadas pelo jardim, cadeiras de praia arremessadas a 50 metros. Um vizinho, 62 anos de bairro, disse nunca ter visto nada parecido. Estávamos sem luz, telefone e Internet.
Os celulares funcionaram por algum tempo, mas só por mensagens. Às 9, uma amiga escreveu: “Li as notícias. Tudo bem com vocês?”. Notícias? Que notícias? É uma sensação estranha estar no meio de um acontecimento e não saber de nada.
Um vizinho veio da cidade e disse que o município inteiro estava sem luz. Aparentemente, uma ventania absurda havia varrido todo o litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro. Em Santos, 12 pessoas estavam feridas.
Em casa, ninguém se machucou, mas a falta de luz acabou com nossos planos. Eu tinha um texto para entregar e tive de correr à casa de um amigo, que tinha um gerador. Na estrada, a cena era surreal: parecia que alguém tinha penteado as árvores todas para o mesmo lado. Consegui escrever metade do texto, até que o diesel acabou. Fomos a cinco postos de gasolina. Todos fechados, assim como bancos, lojas, correios e cartórios. Os únicos estabelecimentos comerciais abertos eram os que tinham geradores de emergência. Num supermercado, as filas eram imensas. Todo mundo queria abastecer.
Finalmente, achamos um posto de gasolina aberto. O sistema de cartões não funcionava. Quem só tinha cartão brigava com os atendentes. Uma família, que rumava na direção do Rio, estava há horas parada na beira da estrada, esperando a energia voltar para poder abastecer o carro. Um sujeito chegou ao posto com duas garrafas PET e quase bateu no frentista quando este avisou que só podia encher recipientes com selo do Inmetro. “O governo proibiu encher garrafa pro pessoal não fazer coquetel molotov”, foi a explicação. Me senti numa cena de “Mad Max”, onde todos brigavam por combustível.
A luz em nossa casa voltou depois de 19 horas. Demos sorte: teve gente que ficou 40 horas sem energia. A padaria onde compramos pão ficou fechada por dois dias; a peixaria perdeu quase todo o estoque. Ouvimos histórias de horror: uma mãe contou o desespero de não poder fazer inalação no filho pequeno com problemas respiratórios; um senhor, paraplégico, ficou preso em casa sem conseguir chamar ajuda pelo telefone.
A Ampla, nossa concessionária de energia, levou 19 horas para restabelecer o fornecimento em parte da região. E isso por causa de um vento forte, não de um tsunami. Dezenove horas para religar a luz é prazo de desastre natural, de hecatombe. Eu estava em Los Angeles em janeiro de 1994, quando um terremoto matou 57 pessoas e feriu 5 mil, e não passamos mais de uma hora sem luz. Mas, aqui, a Ampla vive em permanente estado de hecatombe. É a concessionária mais vagabunda, negligente e irresponsável que eu já tive a obrigação de pagar.
O que a Ampla faz com os clientes beira o criminoso. Outro dia, fui à sede da empresa em Paraty perguntar, pela terceira vez, sobre um pedido de ressarcimento que nós e um grupo de vizinhos fizemos há meses, depois que a Ampla levou 22 horas para atender a uma solicitação de emergência (um cabo de alta tensão, todo remendado, que arrebentou e causava choques em nosso portão, até que provocou uma explosão tão forte que destruiu aparelhos elétricos num raio de 200 metros). Na fila para o atendimento, peguei o livro de reclamações da empresa e comecei a ler. Dava vontade de chorar. Um dos pedidos era mais ou menos assim:
“Moro na zona rural e minha filha é deficiente mental. Ela precisa usar um aparelho elétrico, mas estamos há três dias sem energia. Pelo amor de Deus, consertem logo isso.”
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