Não lembro exatamente o mês, mas deve ter sido outubro ou novembro de 1989. Eu estava no Posto Seis, em Copacabana, onde fui encontrar minha avó, que batia papo com algumas amigas. O assunto, claro, era a eleição presidencial, a primeira depois do fim da ditadura, que confrontava Fernando Collor (PRN) e Lula (PT).
As senhorinhas haviam decidido, quase que por unanimidade, votar em Collor. “Eu não quero uma família de sem-terra morando na minha casa”, dizia uma. “Imagina, a gente trabalha a vida toda pra ter um lugarzinho, e agora vai ter de dividir nossa casa com uns cubanos?”, dizia outra.
Elas não estavam brincando. Havia boatos fortes de que, se Lula fosse eleito, o comunismo se instalaria imediatamente no país e todos os cidadãos seriam obrigados a compartilhar seus bens com os pobres.
Há meses, panfletos apócrifos eram distribuídos pela cidade, contando como a vitória do PT significaria o fim da propriedade privada. Lembro um que trazia um desenho mostrando uma família de classe média dormindo no chão, enquanto estranhos ocupavam suas camas.
O clima era de apreensão, especialmente entre idosos, que dependiam de suas minguadas aposentadorias e temiam ter de dividi-las com camponeses de foice na mão.
Outro boato espalhado na época pela campanha de Collor dizia que, se eleito, Lula confiscaria a poupança dos brasileiros. Eleito presidente, Collor fez exatamente isso: sequestrou as economias de todo o país.
Teve mais: Miriam Cordeiro, uma ex-namorada de Lula, apareceu no horário eleitoral de Collor, acusando Lula de tentar forçá-la a praticar um aborto. Como ela se negara, disse Miriam, Lula teria repudiado a filha dos dois, Lurian. Foi um escândalo.
Outro escândalo foi a edição do último debate entre os dois candidatos, veiculada na TV Globo, e que claramente favoreceu a Collor. O candidato do PRN havia se saído melhor que Lula no debate, mas a edição dos "melhores momentos" foi um acinte.
Muita coisa mudou desde aquela época. Para começar, três dos principais candidatos à Presidência, então rivais de morte e que se xingavam em debates e entrevistas, hoje são aliados: Lula, Collor e Maluf. Marina Silva era filiada ao PT e Dilma, ao PDT de Leonel Brizola. Aécio Neves era deputado federal pelo PMDB.
Naqueles tempos, havia uma distinção mais clara entre direita e esquerda, entre governo e oposição. Hoje, esses conceitos se fundiram numa massa amorfa e desbotada. Rivais históricos se juntam em alianças cuja única finalidade é se perpetuar no poder.
Mas uma coisa não mudou: a noção de que uma mentira, se repetida muitas vezes, pode virar “verdade”. E tome acusações falsas, suspeitas que viram crimes e boatos alçados à condição de fatos. Para piorar, hoje temos as redes sociais para ajudar a disseminar a desinformação.
Assisti ao debate da Record domingo à noite. Não foi muito diferente dos debates daquela eleição de 1989. Pareceu mais uma briga que uma discussão, em que os candidatos, em vez de falar de plataformas, preferiam desqualificar os rivais, apontando incongruências em suas declarações. Parecia um show de “pegadinhas”. Isso podia até fazer sentido em 1989, quando o país tinha sua primeira eleição presidencial em quase três décadas e vivia um momento político e ideológico de conflito intenso, onde alguns candidatos claramente representavam o “continuísmo” e outros, a “mudança”. Hoje, as propostas dos principais candidatos são tão parecidas, que é difícil distingui-las.
Era de se esperar que, sete eleições presidenciais depois, o país já tivesse superado essa fase e as propostas tivessem mais peso que o marketing. Mas algumas características discutíveis de nosso modelo eleitoral – voto obrigatório, diferença de tempo de TV – continuam tornando nossas eleições um parque de diversões para marqueteiros. Em 25 anos, não aprendemos nada.
The post 25 ANOS DE ELEIÇÕES E NÃO APRENDEMOS NADA appeared first on Andre Barcinski.