O Netflix gringo disponibilizou o documentário “Gore Vidal – The United States of Amnesia”, de Nicholas Wrathall.
Assistir ao filme nos dias finais da eleição brasileira foi uma experiência e tanto. Fiquei o tempo todo me perguntando o que diria Gore Vidal sobre os debates entre Dilma e Aécio.
Vidal (1925-2012) foi um escritor, dramaturgo, ensaísta, político e polemista dos mais importantes do século 20. Falou de política, religião e sexualidade com uma franqueza que chocou a muitos. Foi um caso raro de intelectual popstar.
O filme não faz muito além de mostrar cenas de arquivo e entrevistas com Vidal, mas a verdade é que não precisava de mais nada. O sujeito tinha um carisma impressionante, uma verve bombástica, e foi um dos grandes frasistas de todos os tempos.
Filho de um milionário atleta olímpico e pioneiro da aviação civil – e amante da aviadora Amelia Earhart – Vidal diz ter aprendido tudo que sabe com o avô, Thomas Pryor Gore (1870-1949), um intelectual que ficou cego aos 10 anos de idade em um acidente e acabou senador, conhecido por defender a neutralidade do país na Primeira Guerra (em uma cena de arquivo, Pryor Gore diz : “Eu nunca roubaria crianças de berços para saciar os cães de guerra”).
Aos 19 anos, Gore Vidal escreveu seu primeiro romance, “Williwaw”, drama inspirado em sua experiência na Segunda Guerra. Em 1948, chocou o mundo literário com “The City and the Pilar”, um romance sobre homossexualidade. “O New York Times passou anos sem escrever sobre meus livros”, diz Vidal, que tornou-se amigo de escritores e dramaturgos como F. Scott Fitzgerald, William Faulkner, Truman Capote (com quem brigaria depois) e Tennessee Williams.
Nos anos 50, trabalhou como roteirista em Hollywood e reescreveu parte do roteiro de “Ben Hur”, assinado por Karl Tunberg. Mas Vidal tinha um plano: “Decidi que iria trabalhar em Hollywood por dez anos e ganhar dinheiro suficiente para nunca mais escrever algo que não queria”. Foi o que fez.
A partir do início dos anos 60, começou a escrever ensaios sobre a política e sociedade norte-americanas, e não parou mais. Foi um opositor violento da política externa americana, criticando as inúmeras invasões a outros países e o aumento dos gastos militares.
Virou uma celebridade televisiva, especialmente depois de suas antológicas brigas com o conservador William F. Buckley na TV, em 1968. Na mais quente delas, Buckley o chamou de “viado” e o ameaçou com um soco na cara em cadeia nacional. Veja:
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Depois, Vidal travou duelos ácidos com outro escritor que não levava desaforo pra casa: Norman Mailer (que época, não, em que um “talk show” reunia pesos-pesados como Vidal e Mailer?).
Vidal ficou tão famoso que Fellini o chamou para aparecer em “Roma” (1972) interpretando seu melhor papel, o de Gore Vidal. Nos anos 60, mudou-se com o companheiro Howard Austen para uma casa à beira-mar em Ravello, na Costa Amalfitana. Viveram na Itália por mais de 40 anos, até a morte de Austen.
A casa virou ponto turístico do jet set americano: toda celebridade que passava pela Itália dava um jeito de visitar Gore Vidal. Passaram por lá Jack Nicholson, Peter Fonda e o casal Paul Newman e Joanne Woodward. No filme, o ator Tim Robbins conta que foi a Ravello com a então esposa, Susan Sarandon, e ficou surpreso ao descobrir que o autor estava recebendo outros convidados: Bruce Springsteen e Sting.
Mesmo no fim da vida, Gore Vidal continuou perdendo amigos por causa de divergências. O caso mais célebre é o de Christopher Hitchens, que Vidal chegou a anunciar como seu “sucessor intelectual”, mas voltou atrás depois de Hitchens apoiar a invasão americana ao Iraque e criticar Vidal por culpar a política externa americana por colocar o país contra o mundo islâmico.
Numa das cenas mais emocionantes do filme, o próprio Hitchens, fragilizado pelo tratamento contra o câncer que o mataria, em 2011, conta a história da ruptura com seu "mentor".
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