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CASA DE FESTEIRO, ESPETO DE PAU

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drunk guy passed out CASA DE FESTEIRO, ESPETO DE PAU

 

Durante quase dez anos, trabalhei com produção de eventos, organizando shows de rock e festas de música eletrônica. E um dos maiores problemas de qualquer produtor é a convivência com vizinhos dos eventos.

Em cidades grandes, achar um local onde o som não atrapalhe ninguém, mesmo em áreas mais afastadas dos centros urbanos, é quase impossível. A solução pode passar pelo pagamento de um hotel para os vizinhos ou a contratação deles para trabalhar nos eventos. Em casos mais “amigáveis”, um convite para o show e umas fichas de vodca com energético costumam resolver a parada.

Parei de trabalhar com eventos há cinco anos, mas continuo sofrendo com barulho de festas. Agora, no papel de vizinho.

Até um ano atrás, morávamos numa casa colada a uma chácara, e o dono da chácara começou a alugar o local para eventos. A maioria eram festinhas tranquilas – pequenos casamentos e aniversários – mas alguns foram duros de aguentar, incluindo um show do Calcinha Preta e uma rave que durou até 9 da manhã.

Nunca reclamamos ou ligamos para a polícia. Conheço os dois lados – o do produtor e o do vizinho – e acredito que possa haver uma solução tranquila. Só pedi ao sujeito que nos avisasse sobre as festas com antecedência, para que pudéssemos nos preparar, quem sabe dormindo na casa de algum amigo. Mas nem isso ele fez. Certa noite, estávamos tranquilos em casa, quando começou um bate-estacas altíssimo, um poperô infernal de “technejo”, mistura diabólica de sertanejo universitário com música eletrônica.

O som era pavoroso, mas o pior era o mestre de cerimônias, que ficava urrando coisas como “Uhuuuuuuu! Vamos botar pra f....!” e passando singelos recados de “correio elegante”, como “Alô, Renatinha da Patitiba, um recadinho do Pepeu: ele quer te comer todinha!”

Lá pelas três da manhã, decidimos ligar para a polícia e pedir que baixassem o som. Mas desistimos assim que o MC anunciou: “Queremos agradecer a presença de uma pessoa muito especial... O PREFEITOOOOOO!!!!! Palmas pra ele!”

Pouco tempo depois, mudamos para nossa atual casa, num lugar bem mais afastado. Nosso vizinho é a pequena pousada de uma amiga, cujo quintal é contíguo ao nosso. A paz reinava.

Digo “reinava” porque, há algumas semanas, o lugar foi alugado para o casamento de uma brasileira com um gringo. Desconfiamos que a festa ia ser de arromba quando um dos organizadores veio até nossa casa, nos presenteou com um espumante e disse que a noiva estava muito preocupada em não atrapalhar os vizinhos. Agradecemos, desejamos feliz casamento pra eles e só pedimos que o som fosse diminuído depois de uma da manhã.

Claro que isso não aconteceu. Foi o contrário: depois de duas da manhã, o lugar entrou em erupção, com um techno altíssimo e gritos de júbilo emanando da pista, que ficava a menos de 20 metros da nossa sala.

De manhã, pudemos comprovar que a festa tinha sido, de fato, muito boa: um sujeito estava desmaiado na areia da praia, com uma fileira de baba seca escorrendo pela boca. Meus filhos riram muito. O som não parara um minuto sequer.

Encontrei o zelador da pousada, um sexagenário matuto que mora no meio da roça e vive contando histórias envolvendo onças, cobras e outros animais selvagens que habitam seu quintal. O sujeito estava impressionado: “Menino, vi coisas que não sabia nem que existiam! Foi um tal de homem com homem, mulher com mulher, gente saindo de arbusto... Vi até a noiva entrando no mato com umas amigas!”

Por volta do meio-dia, como o som continuava ensurdecedor, fui até a pista pedir ao DJ que diminuísse o volume. O sujeito estava de sarongue e com um turbante na cabeça. Não havia ninguém na pista. Os festeiros se espalhavam pela praia. Reconheci várias pessoas de festas em São Paulo. O DJ, um mala que deve se achar o Tiesto, disse que não podia diminuir o som, mesmo que ninguém estivesse dançando, e chamou o noivo. O gringo chegou, com um olho no Oiapoque e outro no Chuí: “Desculpe, mate, nós perdemos o controle”, disse, antes de prometer que diminuiria o som assim que caísse a noite (detalhe: a festa já se arrastava há 14 horas e continuaria por mais dez). E cumpriu a promessa.

Que seja muito feliz com sua esposa.

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