Dois mil e quatorze começou muito mal. Nelson Ned, o produtor de cinema Saul Zaentz e o cantor Phil Everly, dos Everly Brothers, se foram. E dia 2 de janeiro morreu Mike Vraney, dono da Something Weird Video, uma das maiores e mais cultuadas distribuidoras de filmes B do mundo.
Por mais de 20 anos, Mike fez um trabalho gigantesco de pesquisa, restauração e lançamento de milhares de filmes de sexo, terror e ficção-científica dos anos 50, 60 e 70. Era um obcecado por tudo de estranho: se um filme tinha robôs assassinos, enfermeiras ninfomaníacas, hippies psicóticos ou caipiras degenerados, Mike lançava.
No início dos anos 90, Mike pôs no mercado norte-americano 11 filmes do nosso José Mojica Marins, batizado nos Estados Unidos de “Coffin Joe”. Os lançamentos ressuscitaram a carreira de Mojica, que estava esquecido no Brasil e era desconhecido no exterior.
Mike tinha 56 anos. Pegou a última grande fase do cinema alternativo americano. Adorava ver sessões duplas em drive-in e chegou a trabalhar como projecionista em alguns deles. Colecionava gibis e brinquedos. Toda a cultura pop o fascinava.
Nos anos 70, foi empresário de algumas das melhores bandas do hardcore americano, como Dead Kennedys e TSOL. Mas gostava mesmo era de cinema B.
Começou a correr os Estados Unidos atrás de distribuidoras falidas. Os filmes que interessavam a Mike pareciam não interessar a mais ninguém, e ele frequentemente comprava os direitos de lançamentos em vídeo por uma mixaria.
Mike sempre contava a história de quando entrou em um galpão abandonado – se não me engano, no Texas – e o dono disse que ele poderia ficar com tudo que estivesse dentro, se limpasse o lugar. Mike saiu de lá com milhares de latas de filmes. Depois de um ano de trabalho de limpeza e restauração, tinha 300 longas-metragens, muitos deles inéditos há mais de 20 anos.
Mike sabia que esses filmes esquecidos tinham grande valor estético e histórico. Toda a cultura B – desprezada pelo “mainstream”, estúdios de cinema, TV e historiadores – trazia ousadia e experimentação que a tornavam especial. Era só saber olhar.
Ele estava certo. Havia uma multidão louca para ver e rever esses filmes, e a Something Weird logo se tornou uma potência da esquisitice. O catálogo da empresa – um calhamaço de mais de 150 páginas – trazia algumas das imagens mais estranhas e inesquecíveis do cinema.
Mike não lançou só longas-metragens, mas também milhares de coletâneas com stripteases e shows de burlesco dos anos 50 e 60, documentários anticomunistas da Guerra Fria, desenhos animados eróticos, filmes de instrução sexual e comerciais dos primórdios da TV.
A Something Weird Video ajudou a ressuscitar obras de muitos diretores, produtores e atores do cinema B: Dave Friedman, Harry Novak, Herschell Gordon Lewis, Frank Henenlotter e Doris Wishman. E Mojica, claro.
Há pouco mais de um ano, Mike foi diagnosticado com câncer no pulmão. Morreu dia 2, deixando dois filhos e a mulher, Lisa. Era um grande sujeito e fará uma falta tremenda.
Uma vez, fui entrevistar Roger Corman, o lendário diretor e produtor de filmes B. Sabendo da adoração de Mike por Corman, convidei-os para um almoço. Eu deveria ter gravado o papo: foram horas de conversa sobre cinema underground, com dois dos maiores especialistas mundiais no assunto. Eles se deram tão bem que o velho produtor propôs uma parceria para lançamento de alguns filmes. “Holy shit”, respondeu Mike, “Roger Corman me fazendo uma proposta comercial? Já posso morrer feliz!”
IN MEMORY OF “SOMETHING WEIRD” FOUNDER MIKE VRANEY (1957-2014) por thevideos no Videolog.tv.
P.S.: Estarei fora por boa parte do dia e impossibilitado de responder comentários até o fim da tarde. Se o seu comentário demorar a ser publicado,peço um pouco de paciência. Obrigado.
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