Há alguns meses, começamos a ler para nossa filha histórias do galês Roald Dahl (1916-1990), autor de clássicos juvenis como “Matilda”, “O Fantástico Sr. Raposo” e “A Fantástica Fábrica de Chocolate”.
Fiquei impressionado com o humor negro e sarcasmo das histórias e resolvi conferir alguns dos contos que Dahl escreveu para adultos. Minha primeira reação ao terminar o mais conhecido deles – “Man from the South” (1948) – foi: por que diabos demorei tanto a ler essa obra-prima?
A história é tão boa que foi adaptada várias vezes para TV e cinema, incluindo um episódio clássico da série “Alfred Hitchcock Presents” e o segmento de Quentin Tarantino no filme “Four Rooms”: num hotel, um jovem encontra um milionário excêntrico. O ricaço propõe um desafio: se o rapaz conseguir acender um isqueiro dez vezes seguidas, ganha um Cadillac; se não conseguir, perde o dedo mindinho da mão esquerda. O conto tem dez páginas e é aterrorizante.
Li alguns outros contos e fiquei obcecado por Dahl. Comprei os dois volumes das “Complete Short Stories”, com as 59 histórias curtas que ele escreveu entre 1944 e 1988. Estou no final do segundo volume e posso dizer que algumas estão entre as melhores histórias de suspense, terror e humor negro que já li. Se a sua praia é Poe, Ambrose Bierce, Joseph Heller e os contos fantásticos de Maupassant e Monteiro Lobato, você vai se refestelar.
As histórias de Dahl são perversas, estranhas e carregadas de sarcasmo. Seus personagens são pessoas aparentemente comuns, mas que escondem segredos terríveis. Em “Galloping Foxley”, um cavaleiro distinto reconhece, num vagão de trem, o sádico companheiro de escola que o torturava meio século antes; em “Skin”, um mendigo é “disputado” por colecionadores de arte quando descobrem que ele tem tatuada nas costas uma obra de um famoso pintor.
Nem todas as histórias são violentas: em “Parson’s Pleasures”, um colecionador de móveis antigos descobre uma cadeira raríssima na casa de um caipira e tenta enganar o matuto, oferecendo uma ninharia pela peça. O final é dos mais surpreendentes e engraçados.
A vida de Dahl foi tão peculiar quanto seus contos. Ele foi piloto da força aérea britânica na Segunda Guerra e participou de combates na África e Grécia. Alguns anos depois do fim da guerra, o escritor C.S. Forester foi entrevistá-lo para uma reportagem sobre combate aéreo e pediu que Dahl escrevesse algumas linhas sobre suas experiências. Forester ficou tão impressionado pela qualidade do texto que pediu aos editores que o publicassem sem mudanças. Foi assim que Roald Dahl virou escritor.
Seus contos são narrados em linguagem econômica e sem floreios, mas absolutamente perfeitos em sua simplicidade. Não há uma vírgula a mais do que deveria e nenhum adjetivo em excesso ou fora de lugar. Escrever tão bem e de forma tão simples deve dar um trabalho medonho. Não é à toa que Dahl costumava levar seis meses para terminar um conto.
Fiz uma busca no site Estante Virtual e achei só um volume de contos de Roald Dahl disponível no Brasil: “Beijo”, lançado em 2007 pela editora Barracuda (infelizmente, a editora não concretizou os planos de lançar outros três volumes).
“Beijo” traz onze histórias, incluindo algumas das melhores do autor, como “O Caminho para o Céu”, sobre uma mulher atormentada pelo risco de chegar atrasada a qualquer compromisso; “William e Mary”, sobre um cientista que convence um amigo, condenado à morte por uma doença fulminante, a doar seu cérebro para um experimento, e “Porcos”, considerada por muitos a obra-prima de Dahl, uma trama macabra sobre um menino criado pela tia, uma vegetariana radical.
Mesmo que seu inglês não seja perfeito, recomendo tentar ler os outros 48 contos de Dahl não incluídos em “Beijo”. A linguagem, como disse, é simples, e as histórias, inesquecíveis.
P.S.: Estarei fora até o início da noite e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.
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