Sou fã de Jack White. O cara teve bandas ótimas - White Stripes, Raconteurs, Dead Weather - lançou discos solos muito bons, e investe grana em projetos musicais bacanas. Ele já pagou pela recuperação de velhos estúdios de gravação, doou dinheiro para a Fundação de Preservação de Discos da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e montou um selo, Third Man, especializado em lançamentos em vinil.
O mais recente projeto do Third Man é um verdadeiro tesouro arqueológico: "The Rise and Fall of Paramount Records (1917-1932)" duas caixas - uma de madeira, outra de metal - com 800 músicas cada, escolhidas do repertório da Paramount, uma gravadora lendária para amantes do blues, jazz e folk norte-americanos.
A história da Paramount é fascinante: a gravadora nasceu de uma fábrica de móveis, a Winsconsin Chair Company. No fim dos anos 1910, a empresa começou a fabricar grandes móveis de madeira com vitrola. Só havia um problema: não havia discos para tocar nas vitrolas.
A solução foi mandar uma equipe de técnicos viajar por todo o interior dos Estados Unidos, gravando qualquer músico talentoso que encontrassem. Por 15 anos, a empresa gravou milhares de artistas, a maioria de blues, folk e jazz, e acabou por reunir um dos maiores acervos de música afro-americana de todos os tempos. Entre eles, nomes que se tornariam famosos, como Blind Lemon Jefferson e Ma Rainey.
Outra descoberta da Paramount Records foi uma cantora e guitarrista chamada Elvie Thomas. Em 1930 e 31, ela gravou, em parceria com outra cantora, Geeshie Wiley, três compactos para a Paramount, que se tornaram obsessões de colecionadores de blues por todo o mundo. Desses três discos, só restam um total de dez cópias das prensagens originais da Paramount. Ouça "Motherless Child Blues", de Elvie Thomas:
Ano passado, o jornal "The New York Times" publicou um artigo do escritor John Jeremiah Sullivan sobre sua busca por informações a respeito de Elvie Thomas. Se você lê inglês, clique aqui e leia agora. É um dos textos mais emocionantes sobre música que li em muito tempo. Se não lê inglês, tentarei resumir:
Assim como muitos outros colecionadores e pesquisadores de blues, Sullivan passou anos se perguntando quem eram Elvie Thomas e Geeshie Wiley. Não havia nenhuma informação sobre elas. Ninguém sabia ao certo onde haviam nascido, onde haviam gravado, e o que acontecera com elas. Não existia sequer uma foto de nenhuma das duas. Depois que o cineasta Terry Zwigoff usou uma música de Wiley - "Last Kind Words", com vocais de apoio e guitarra de Elvie - na trilha de "Crumb", o ótimo documentário sobre o cartunista Robert Crumb, o interesse pelas duas cresceu ainda mais.
Entra em cena um personagem único: Mack McCormick, um dos maiores pesquisadores e colecionadores do mundo sobre a história do blues.
Desde os anos 50, McCormick vem acumulando material - entrevistas, fotos, documentos, cartas - diretamente da fonte: os próprios bluesmen.
O sujeito era tão obcecado que conseguiu um emprego no Censo americano, para poder ter a chance de entrevistar muitas pessoas, e pediu para ser destacado para uma região específica do Texas, conhecida por sua imensa população de descendentes de escravos. McCormick acabou visitando quase 900 condados no Texas e arredores. Em todos, entrevistou velhinhos, cruzou informações, recolheu fotos e documentos e juntou um acervo tão gigantesco que ele próprio o batizou de "O Monstro".
Só havia um problema: McCormick aparentemente sofre de transtorno bipolar e tem uma incapacidade patológica de organizar sua coleção. Ele é um acumulador, não um organizador.
Em sua casa no Texas, McCormick, hoje um octogenário recluso, convive com dezenas de milhares de fotos e documentos, montanhas de papel e pilhas de fitas cassete com entrevistas, que ele nunca conseguiu investigar e ordenar a fundo. Por todo o planeta, fãs de blues o amaldiçoam por não dividir esse tesouro com ninguém.
Para se ter uma idéia da importância do material, basta dizer que McCormick tem fotos de Robert Johnson, o mitológico bluesman que vendeu a alma ao diabo numa encruzilhada do Mississipi, e só mostrou as imagens a uma pessoa, o escritor Peter Guralnick, biógrafo de Johnson e Elvis Presley. Até agora, só existem três fotos de Johnson no mundo (leia aqui uma matéria do "Guardian" sobre a terceira imagem, achada recentemente).
Voltando a John Jeremiah Sullivan: um dia, ele foi à casa de McCormick e mencionou Elvie Thomas. McCormick levantou-se, foi até uma sala lotada de velhas pastas e voltou com algumas folhas de papel datilografadas. Era uma entrevista com um velho bluesman do Texas em que ele citava uma grande guitarrista que havia conhecido: "L.V. Thomas". O nome verdadeiro da mulher era "L.V.", duas letras que, em inglês, soam "Elvie". Ninguém sabia nada sobre a artista porque ninguém nunca soubera seu nome verdadeiro.
De posse dessa informação, Sullivan começa uma investigação em cartórios, velhos documentos e registros públicos, e acaba descobrindo não só a história verdadeira de L.V. Thomas - nascida no Texas, lésbica e moradora de uma espécie de Cohab em Houston - mas também a identidade de Geeshie Wiley, que, na verdade, se chamava Lillie Mae. A trilha chega a parentes de L.V. e termina em uma única foto da cantora, a solitária imagem de uma figura mitológica do blues, finalmente revelada.
P.S.: Estarei sem acesso à Internet até o fim da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência
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