Ontem, mediei um debate com M. Night Shyamalan, diretor de “O Sexto Sentido”, e Cary Fukunaga, diretor da série de TV “True Detective”. O evento aconteceu no Rio Content Market, uma grande feira de negócios de TV e cinema.
Shyamalam aproveitou para mostrar o piloto de sua nova série de TV, “Wayward Pines”, que estreia mundialmente em maio. É uma história de suspense e mistério sobre um agente do Serviço Secreto americano, interpretado por Matt Dillon, que investiga o sumiço de dois colegas. Pelo piloto, deu para perceber um toque de “Twin Peaks” ali...
Separei alguns trechos da conversa com os dois.
Diferenças entre trabalhar na cinema e TV
M. Night Shyamalan – Fiz dez filmes, e “Wayward Pines” é meu primeiro trabalho para a TV. Fui oferecido muita coisa antes, mas sempre recusei, ou porque não tinha gostado do roteiro, ou porque era só uma adaptação de um de meus filmes para a TV. Mas essa série me pegou desde que li o roteiro do piloto. Acho que a ficção na TV vive um grande momento. Antigamente, o cinema parecia um território mais livre e aberto a experimentações, mas hoje acho que esse papel é da TV. Você pega um filme como “Five Easy Pieces” (“Cada Um Vive Como Quer”, 1970), com Jack Nicholson, por exemplo: quando ele foi feito, os estúdios escolhiam os projetos baseados, primeiramente, na ideia dos filmes, e davam uma importância menor à “marketabilidade” deles. Na TV era o oposto: para aprovar um projeto, você precisava de grandes astros e um tema popular, e a ideia ficava meio que em segundo plano. Hoje a situação se inverteu: o cinema vive de pesquisas de mercado e marketing, e a TV está arriscando mais em projetos ousados.
Cary Fukunaga – Pra começar, a velocidade do trabalho em TV é muito maior. O ritmo de filmagem é insano. Em “True Detective”, tivemos 12 dias para filmar cada episódio, o que é muito pouco, se você pensar na quantidade de locações e externas. Mas adorei ter a possibilidade de trabalhar os personagens ao longo de oito episódios. Meu trabalho anterior tinha sido uma adaptação de “Jane Eyre”, um livro de 800 páginas que tive de condensar em duas horas. Em “True Detective”, tentei filmar como se fosse um filme de oito horas de duração, exibido em oito partes. Tive mais tempo e liberdade para explorar o mais importante para mim, que era a relação entre os dois detetives (Cohle, vivido por Matthew McConaughey, e Hart, por Woody Harrelson).
Preparação de atores
MNS – Fiz o mesmo que faço sempre: levei o elenco todo para minha casa e passamos muitos dias lá, ensaiando e construindo os personagens. Acho que esse processo é muito importante e não pode ser apressado. É preciso imaginar um passado para cada personagem e tentar chegar a uma forma ideal de interpretação para cada ator com seu personagem. Claro que ajuda muito ter atores excelentes, e nisso foi muito sortudo, com Matt (Dillon), Melissa Leo (“O Lutador”), Terence Howard (“Crash”, “Homem de Ferro”).
CF – Inicialmente, convidamos McConaughey para fazer o papel de Hart. Mas ele leu o roteiro e disse que queria fazer Cohle. Fiquei um pouco receoso, porque não me lembrava de ele ter feito um personagem tão estranho e sombrio daqueles. Precisamos lembrar que isso foi no início de 2012, antes dessa grande onda de papéis dele em “Killer Joe”, “Mud” e “Clube de Compras de Dallas”. Matthew era mais conhecido por papéis de galã e herói. Mas ele é um ator tão bom e um sujeito tão inteligente, que criou um personagem que surpreendeu a todos. Ele tinha pesquisado e refinado o personagem de tal forma que até eu me surpreendi com as coisas que ele trazia pro set todo dia. Já Woody veio por sugestão de Matthew, eles são melhores amigos. Na época, Woody tinha acabado uma produção longa, acho que foi "Jogos Vorazes", e tudo que queria era voltar pra Maui (Harrelson mora no Havaí) e fumar maconha. Mas Matthew o convenceu a aceitar. Quanto a ensaios e preparação, a verdade é que você nunca tem tempo de ensaiar para uma série de TV de muitos episódios, é impossível. O que fiz foi uma imersão de duas semanas com todo o elenco, buscando o tom certo para os personagens.
A importância do diretor numa série de TV
CF – Outro dia, ouvi um comentário sobre uma série de TV que teve cada episódio dirigido por uma pessoa diferente. A pessoa dizia que, naquele caso, os diretores pareciam mais guardas de trânsito do que cineastas, porque se limitavam a direcionar a narrativa em um sentido pré-estabelecido. Aquilo me deixou com mais certeza ainda de que nunca vou querer fazer isso. Se eu for colocar meu nome em um projeto, gosto de fazê-lo por inteiro.
MNS – Sei exatamente o que você quer dizer. Em “Wayward Pines” eu só dirigi o piloto, mas supervisionei todos os outros episódios, e deu um trabalho imenso conseguir uma unidade para toda a série. Chegou um momento em que fiquei inseguro com a direção que a série estava tomando. Sabe, eu nunca tinha feito TV antes, muitos atores do elenco também não, e achei que a coisa estava indo por um caminho que não era o ideal. Tive de marcar várias reuniões com todo o elenco e equipe para pôr as coisas nos trilhos.
Shyamalam fala sobre o humor em seus filmes:
MNS - Com exceção de “O Sexto Sentido”, que fiz numa época em que estava meio triste e querendo mostrar como eu era um diretor de cinema sério (risos), todos meus outros filmes têm senso de humor. Acho muito importante misturar cenas mais sombrias e assustadoras com alguns momentos leves e engraçados. Quando fiz “Sinais”, eu costumava assistir a “Tubarão” com a equipe. É um de meus filmes prediletos e tem o balanço ideal entre tensão e diversão. Até gosto de filmes mais violentos e sombrios, desses que parecem longas sessões de tortura, e é inegável que eles realmente mexem com o espectador, mas sempre preferi balancear o escuro com o claro.
Fukunaga fala do famoso plano-sequência de seis minutos de “True Detective”:
CF – Foi uma loucura fazer aquilo, mas era a cena final do episódio (o quarto da série), e achei que precisávamos de uma sequência impactante. A produção foi insana. Pedi dois helicópteros, dublês, um monte de figurantes. Conseguimos uma locação ideal, um bairro num conjunto habitacional, mas demoramos a conseguir a permissão, então tive de ensaiar e coreografar a cena toda em outro lugar. Fizemos 12 ou 13 tomadas, e até hoje não fiquei completamente satisfeito com a cena. Na parte em que Cohle está dentro da casa, eu pude parar algumas vezes e refazer, mas uma vez que ele sai da casa, só pude cruzar os dedos e torcer para que nada desse errado. Vendo hoje, acho que os dois caras (a 3m40s) entraram muito cedo em quadro, o que prejudicou o ritmo daquela cena de briga. Mas não deu pra repetir mais uma vez, estava todo mundo esgotado. Quando exigi que a cena fosse um plano-sequência, o produtor disse que aquilo custaria muito caro, mas respondi que, se filmássemos cena a cena, levaria quatro dias, então eu estava economizando dinheiro para a produção.
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