Não gosto de analisar filmes ou diretores por suas posições ideológicas. Grandes filmes já foram feitos defendendo causas abjetas (a obra da alemã Leni Riefenstahl, por exemplo), e diretores “de direita”, como Don Siegel, ou “de esquerda”, como Gillo Pontecorvo, podem ser igualmente talentosos.
Por isso, não me importei tanto com a patriotada rastaquera que é “Sniper Americano”. Era esperado. Clint Eastwood tem uma sensibilidade de elefante para tratar de questões mais delicadas. Clint é um maniqueísta: heróis são heróis, bandidos são bandidos, e não existe nada no meio. Na mão dele, personagens complexos como Nelson Mandela (em “Invictus”) viram figuras de cartolina, unidimensionais, verdadeiras máscaras de Carnaval.
Esse dualismo de Clint pode explicar o imenso sucesso de “Sniper Americano”. O grande público não gosta de complicação ou crises de consciência. O filme funciona na bilheteria justamente porque é um faroeste moderno, em que o bonitão, fortão e brancão americano cavalga - ou melhor, voa - até o território dos índios – no caso, o Iraque – pra mostrar aos bárbaros do que é feito o espírito americano. É, no fundo, ridículo, como parecem hoje todos os faroestes racistas de John Wayne e os filmes anticomunistas dos anos 50. O que não tira o brilhantismo de muitos desses filmes.
Um de meus “thrillers” prediletos é “Telefone” (1977), de Don Siegel, uma presepada americanóide da Guerra Fria em que Charles Bronson faz um oficial russo que caça um insano agente da KGB (o incomparável Donald Pleasence) pelos Estados Unidos, para evitar que este ponha em prática o plano de “acordar” dezenas de outros terroristas russos infiltrados no país, hipnotizados quando crianças para viver uma vida normal de americanos, e que só despertariam da hipnose ao ouvir um poema de Robert Frost. É um filmaço, mas de envergonhar até o Tio Sam. Pra começo de conversa, o filme parte do princípio que nenhum desses sujeitos jamais leria o poema de Frost por conta própria.
Voltando a “Sniper Americano”: o problema maior do filme é sua qualidade, não sua ideologia. O roteiro é fraco, os personagens, rasos, Bradley Cooper é um canastra e as cenas de ação são derivativas e iguais a centenas de outras que você já viu. A parte mais complexa e fascinante da vida do "sniper" - sua fracassada tentativa de readaptação ao cotidiano norte-americano - é mostrada aos pulos, com pressa, como uma novela de TV ou um telefilme. Fora que o abacaxi tem uma cena que põe qualquer filme brazuca dos anos 80, safra Embrafilme, no chinelo: a já mitológica sequência em que Bradley Cooper nana uma boneca de plástico.
Clint poderia ter explorado o fato de os Estados Unidos terem invadido um país por engano (atrás de "armas de destruição em massa" que Bush e Cheney sabiam não existir) e matado centenas de milhares (alguns falam em um milhão) de iraquianos, mas não era esse o objetivo (para isso, sugiro ver “The Hurt Locker”, criminosamente traduzido no Brasil por “Guerra ao Terror”). O que ele queria mesmo era reviver Dirty Harry, só que no Iraque e de uniforme.
Faça um exercício de imaginação: tente pensar em um filme com o mesmo roteiro de “Sniper Americano”, os mesmos diálogos, os mesmos cenários, os mesmos personagens, mas substitua Bradley Cooper por Chuck Norris, Stallone ou Dolph Lundgren. O resultado seria uma obra-prima do trash, que arrebataria todos os prêmios Framboesa de Ouro e viraria um clássico do cinema-testosterona como “Braddock 3 “, “Cobra” ou “Red Scorpion”.
E para alegrar a sexta-feira, aqui está a cena capital do filme, em que Bradley Cooper, catatônico como só ele, contracena com a melhor atriz do filme: Debbie, a boneca de plástico.
Bom fim de semana a todos.
The post “SNIPER AMERICANO” É MAIS UMA BOMBA DE CLINT EASTWOOD appeared first on Andre Barcinski.