Kim Fowley morreu em 15 de janeiro, aos 75 anos. Demorei para escrever sobre ele aqui no blog porque queria ler “Lord of Garbage”, primeira parte de sua autobiografia, lançada ano passado pela Kicks Books, editora da ex-batera do Cramps, Miriam Linna (aliás, que catálogo tem a Kicks, com títulos de Sun Ra, Royston Ellis, Nick Tosches e uma biografia de Bobby Fuller!).
“Lord of Garbage” começa em 1939, no nascimento de Fowley, e vai até o início dos anos 70. Fowley estava trabalhando na segunda parte quando foi diagnosticado com câncer na bexiga e não suportou. Espero que outra pessoa termine o livro, até porque a primeira parte é tão estrambólica e inacreditável que terminei a leitura achando que sabia menos sobre Kim Fowley do que antes.
A imaginação de Fowley é, para dizer o mínimo, surpreendente: o que dizer de um parágrafo assim:
Kim Fowley falava aos dez meses de idade e lia e escrevia com um ano e meio (...) minhas primeiras palavras, antes de completar um ano, não foram “Mama” ou “Papa”, mas “Eu tenho uma pergunta: por que vocês são maiores que eu?
A trajetória artística de Fowley se confunde com a história da música pop da segunda metade do século 20. Ele compôs ou produziu alguns dos compactos mais legais do pop – “Alley Oop” (The Hollywood Argyles), “Nut Rocker” (B. Bumble and the Stingers) e “Papa-Oom-Mow-Mow” (The Rivingtons) – montou bandas falsas com músicos de estúdio e trabalhou com Cat Stevens, Frank Zappa, Slade e Jonathan Richman, além de ter criado o grupo pré-punk feminino The Runaways e ser o co-autor de “Do You Love Me” e “King of the Night Time World”, do Kiss.
Foi amigo e parceiro de Alan Freed, o radialista que popularizou a expressão “rock and roll” (e que morreu de tanto beber depois de perder o emprego e o respeito por seu envolvimento com o jabá nas rádios) e companheiro de balada de P.J. Proby e Brian Jones. Conheceu os beats, os hippies, os glams e os punks.
“Lord of Garbage” não é um testemunho jornalístico dos mais confiáveis. Fowley tem um ego do tamanho do rombo da Petrobras e uma memória, digamos, "seletiva". O texto passa batido por passagens que poderiam ser inesquecíveis e se estende demais em louvações a amigos e detonações a inimigos. Um bom jornalista faria um livro extraordinário com o material, em mais uma prova de que não basta ter muita história pra contar, é preciso saber contá-las (e quem leu a horrorosa autobiografia de André Midani sabe o que estou falando).
De qualquer forma, "Lord of Garbage" tem passagens de pura poesia pop. Que tal: “Sim, eu trabalhei para P.J. Proby. Eu fui o bobo da corte, o mestre de cerimônias, ocasional produtor-fantasma e sedutor. Brian Jones, Graham Nash, Lulu, todos frequentavam a casa. Nós éramos Super-Homens do Esperma (“Sperm Supermen”). A vida era boa”.
Vi Kim Fowley uma vez, num show de Brian Setzer no clube Roxy, em Los Angeles. A figura era exatamente o que eu imaginava: estranha, toda de preto e cara de poucos amigos. Usava uma bengala, resultado da poliomielite que contraiu na infância, e andava pelo Roxy como um rei, bajulado por todos. Ali, entre rockabillies, punks, bikers e figurinhas carimbadas do jet set rocker angeleno, todo mundo batia continência para o Rei do Lixo.
Veja aqui uma entrevista – em inglês – com Fowley.
P.S.: Estarei fora até o início da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.
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