Meio-dia no Bom Retiro. O movimento é intenso. Senhoras fazem compras em lojas de tecidos, vendedores carregam caixas e coreanos lotam restaurantes de conterrâneos. Em meio à confusão, um estranho grupo anda pelo bairro. O grupo se dirige a um salão, onde o almoço está sendo servido. As pessoas parecem saídas dos anos 60: moças ostentam penteados bolo de noiva; homens têm os cabelos gomalinados e repartidos ao meio. Uma figura se destaca na turma: é um sujeito baixinho, magro, vestido de preto e com uma barbicha pontuda. “Olha aquele cara... não parece o Zé do Caixão?”
Parece, e muito, mas não é Zé do Caixão. É o ator Matheus Nachtergaele interpretando José Mojica Marins.
O elenco faz parte da série “Zé do Caixão”, que começou a ser rodada semana passada, em São Paulo, e será exibida ainda este ano pelo canal Space. A história é inspirada na biografia de Mojica, “Maldito”, que lancei em 1998 em parceria com Ivan Finotti. Escrevi o roteiro da série junto com o diretor Vitor Mafra e o roteirista Ricardo Grynszpan.
Assisti a alguns dias de filmagem e fiquei muito emocionado ao ver as cenas que imaginamos se materializando na nossa frente. Foi surreal chegar ao set e ver os “pais” de Mojica, Dona Carmen (Anamaria Barreto) e Seu Antônio (Walter Breda) no cenário que imitava a cozinha da casa da família, no bairro proletário de Vila Anastácio. Só conheci Seu Antônio de fotos, mas tive muito contato com Dona Carmen, e a semelhança era impressionante.
Mas nada me preparou para a chegada de Nachtergaele. Desde que Vitor Mafra me convidou para fazer o projeto da adaptação do livro, ele era o único ator que queríamos para o papel.
Vitor já tinha me avisado que Matheus tinha estudado a fundo a voz, a empostação, a postura e os tiques de Mojica, mas o que ele fez no primeiro dia de filmagem beirou o surreal. Conheço Mojica há exatos 30 anos e, se fechasse os olhos e ouvisse só a voz de Matheus, diria que era Mojica ali na minha frente.
O visual também impressiona. Mostrei para alguns amigos a foto de Matheus, vestido de Zé, e todos demoraram a perceber que não era Mojica na imagem.
Como as filmagens ainda estão bem no início, não tenho como dar muitas informações sobre a série, mas posso adiantar que terá seis episódios, cada um centrado em um filme importante de Mojica.
Desde o início, Vitor, Ricardo e eu não queríamos fazer um roteiro daqueles didáticos, que contasse toda a história do personagem desde seu nascimento. A solução que achamos foi escolher seis filmes capitais da carreira de Mojica e centrar a ação de cada episódio nas filmagens. Se a série tem um tema principal, é a luta de Mojica para fazer seus filmes – ou “fitas”, como ele diz.
Algumas das primeiras cenas filmadas mostram o esforço de Mojica para conseguir verba e treinar seu elenco, formado por alunos de sua escola de cinema, a Apolo.
Há uma cena em que Mojica vai à casa dos pais e estes lhe presenteiam com um envelope de dinheiro, que juntaram penhorando e vendendo diversos bens, incluindo suas alianças. Quando terminamos de escrever a cena, comentamos, entre nós, que era um momento muito triste e, ao mesmo tempo, emocionante, já que os pais nunca mediram esforços para ajudar Mojica em sua carreira (Antônio e Carmen chegaram a atuar em vários filmes do filho).
Mas a sequência ganhou ainda mais dramaticidade e força com a maneira como Vitor Mafra e os atores a encenaram. No roteiro, a cena é descrita de forma simples: “Dona Carmen oferece biscoitos. Mojica percebe que ela não está usando aliança”. Poderia ter ficado banal, mas a qualidade dos atores – e da direção – a tornou memorável. A cara de espanto de Matheus diz muito, assim como o olhar de ternura da mãe. Eu, que nunca tinha escrito nada ficcional, fiquei bobo ao ver como um texto pode ser melhorado e levado a outro patamar.
Em outra cena, Mojica dá uma “aula de extravasamento” a uma turma de alunos da Apolo (veja a cena original nesse vídeo, de 0:55 a 2:30; a cena foi filmada originalmente para o curta-metragem “Fogo Fátuo”, de Goffredo da Silva Telles, e incluída no documentário que fiz em 1999 sobre Mojica, também chamado “Maldito”).
Matheus não só reproduziu a cena, mas improvisou em cima das falas de Mojica e tornou a sequência ainda mais insana, comandando a massa em um transe que envolveu não só a queda do avião, mas a subsequente transformação de todos em zumbis e o ataque a uma das alunas. Foi assustador e engraçado e, mais uma vez, tornou nosso roteiro ainda melhor.
A pedido do canal, não posso divulgar ainda fotos das filmagens ou dos personagens. Mas voltarei ao tema da série nas próximas semanas e falarei sobre a experiência de escrever para TV. Espero que seja útil para os leitores.
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