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Salman Rushdie e a maior porrada da história do Twitter

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rushdie4601 Salman Rushdie e a maior porrada da história do Twitter
Cada vez que leio um texto ou uma declaração de Salman Rushdie, mais admiro o sujeito. Ele não só é um dos grandes escritores vivos, mas não tem medo de atacar temas polêmicos e não foge de briga.

Ontem, Rushdie usou sua conta no Twitter para aniquilar seis colegas de profissão. E não eram colegas quaisquer: a lista incluía o autor de "O Paciente Inglês, Michael Ondaatje, o celebrado autor nigeriano Teju Cole, o australiano Peter Carey, vencedor por duas vezes do prestigiado Booker Prize, as norte-americanas Francine Prose e Rachel Kushner, autora do ótimo "Os Lança-Chamas", e a inglesa de origem africana Taiye Selasi.

Os seis haviam anunciado, dias antes, que boicotariam a festa da organização literária PEN America por discordar da homenagem que será feita à redação do jornal satírico francês "Charlie Hebdo", que sofreu um atentado de extremistas islâmicos em janeiro, quando 12 pessoas foram mortas a tiros. (leia aqui, em inglês, a matéria do "Guardian").

Prose disse à agência Associated Press que, embora seja a favor de "liberdade de expressão sem limitações" e tenha "deplorado" o atentado, achava que premiar o "Charlie Hebdo" significaria "admiração e respeito" pelo trabalho do homenageado. "Não poderia me imaginar na platéia enquanto os presentes dessem uma ovação ao 'Charlie Hebdo'".

Em seu Twitter, Rushdie respondeu: “The award will be given. PEN is holding firm. Just 6 pussies. Six authors in Search of a bit of Character”. Perigam ser os 85 caracteres mais venenosos e brilhantes da história do Twitter.

Ele começa com duas frases curtas e objetivas: "O prêmio será dado" e "PEN está aguentando firme".

Aí vem, de repente, uma marretada de pedreiro, um gancho de esquerda no queixo, em que Rushdie surpreende ao usar uma palavra pesada e inesperada, especialmente referindo-se a nobres colegas de profissão: "Pussies", significando "frouxos", "fracos" ou "frescos". Eu traduziria por "Só seis frouxos".

Mas Rushdie deixa o melhor para o fim: "Six Authors in Search of a bit of Character" - assim, com maiúsculas - é uma obra-prima da porrada sutil, se é que isso existe. "Character" é "personagem", e a frase poderia ser "Seis autores em busca de um personagem". Seria uma menção satírica de Rushdie ao escritor e dramaturgo italiano Luigi Pirandello, que em 1921 escreveu a peça "Seis Personagens em Busca de um Autor".

Mas "character" também pode significar "caráter", e, ao adicionar as palavras "a bit of" ("um pouco de"), Rushdie muda o significado da frase para "Seis autores em busca de um pouco de caráter".

Vai escrever bem assim no raio que o parta.

Rushdie completou: "Se a PEN, enquanto organização que defende a liberdade de expressão, não puder defender e celebrar pessoas que foram assassinadas por fazer desenhos, então, francamente, a organização não merece o nome (...) Esse caso não tem nada a ver com uma minoria oprimida e massacrada, mas tudo a ver com a batalha contra o Islã fanático, que é muito bem organizado, bem financiado, e tem por objetivo aterrorizar a todo nós, muçulmanos e não-muçulmanos, para que nos calemos."

Só lembrando que Salman Rushdie sabe o que é ser vítima de fundamentalismo religioso: ele viveu escondido e cercado de guarda-costas por quase dez anos, depois que foi condenado à morte pelo Aiatolá Khomeini por publicar o romance "Os Versos Satânicos".

A resposta do atual presidente da PEN, o norte-americano Andrew Solomon, também merece destaque: "Se nós apenas apoiássemos a liberdade de expressão para pessoas cujas opiniões sejam de nosso agrado, seria uma noção muito limitada de liberdade de expressão."

Bonito, mas não chega nem perto dos 85 caracteres antológicos de Rushdie.

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