Ótima notícia: a série “Clássicos Cinemark” está exibindo, em salas de todo o país, “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles.
Para quem gosta de cinema, poucas experiências podem ser tão prazerosas quanto ver “Kane” numa tela grande. Agora que o cineclubismo e salas de repertório são coisas do passado ou de poucos abnegados, essa chance não deve ser perdida.
É interessante imaginar que muitas gerações de cinéfilos só viram o beabá do cinema – “Kane”, “Encouraçado Potemkin”, “A Regra do Jogo”, “Rashomon” – em vídeo ou DVD, o que torna a experiência muito diferente e menos recompensadora.
Até a explosão do mercado de VHS, nos anos 80, nenhum filme era feito para ser exibido numa tela de TV. Se Orson Welles soubesse que gerações inteiras veriam “Kane” em imagens de algumas poucas polegadas, certamente não pediria ao fotógrafo Gregg Toland para explorar com tanta obsessão as lentes grandes angulares, que deixam em foco todas as dimensões dos cenários.
É por isso que ninguém deve perder a chance de ver “Cidadão Kane” num cinema. Mesmo que você já conheça o filme, ele parecerá inédito e ganhará outra dimensão.
Tive a sorte de ver o filme no cinema. Foi no Cine Paissandu, nos anos 80, quando a sala reprisou diversos filmes de Welles, como “Kane”, “A Marca da Maldade”, “Mr. Arkadin”, “Soberba” e “A Dama de Xangai”.
É uma pena que o circuito de filmes antigos tenha sido praticamente exterminado no país e hoje se limite a iniciativas isoladas, como o CCBB, MAM e a Cinemateca Brasileira em São Paulo.
Voltando a “Kane”: Orson Welles tinha 25 anos quando começou a filmá-lo. Ele interpreta Charles Foster Kane, personagem inspirado no magnata da imprensa William Randolph Hearst. Kane é um monstro de ambição e ganância, que manipula a todos e faz qualquer coisa para obter cada vez mais poder e fortuna.
O filme abre com a morte do personagem principal em seu imenso e lúgubre palácio, Xanadu, cercado apenas por sua fortuna e solidão. Kane diz uma única palavra, “Rosebud”, derruba no chão um pequeno globo de vidro contendo a miniatura de uma casa, e morre.
Começa o mistério de Charles Foster Kane: o que é Rosebud? O que representa aquela pequena casa dentro do globo de vidro? Se Kane estava sozinho em seu leito de morte, como o mundo pode saber que sua última palavra foi “Rosebud”?
Tudo em “Kane” é soberbo: a fotografia Expressionista de Gregg Toland, a música de Bernard Herrmann, que depois comporia temas de obras-primas de Hitchcock como “Um Corpo Que Cai” e “Psicose”, a montagem de Robert Wise, a atuação de todo o elenco e o roteiro de Herman J. Mankiewickz e Orson Welles.
Sobre o roteiro do filme, vale a pena ler o clássico ensaio que a crítica de cinema Pauline Kael escreveu em 1971. O texto está no livro “Criando Kane e Outros Ensaios”, lançado no Brasil pela Record. Nele, Kael diz que Mankiewickz foi tão “autor” do filme quanto Welles.
Em 1972, o cineasta Peter Bogdanovich, fã e amigo pessoal de Welles, escreveu “The Kane Mutiny”, em que rebatia a tese de Kael. Não encontrei o texto publicado em português, mas recomendo “Este é Orson Welles” (Editora Globo, 1995), livro de entrevistas em que Bogdanovich sabatina Welles sobre sua vida e carreira. O livro está fora de catálogo, mas é facilmente encontrável em sebos por aí.
P.S.: Estarei fora até o fim da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.
P.S. 2: Até quarta-feira, estarei acompanhando um familiar que vai se submeter a uma cirurgia e, por isso, não terei condições de me dedicar ao blog. Volto na quinta com um texto inédito. Obrigado pela compreensão e até lá.
The post Lugar de “Cidadão Kane” é na tela grande appeared first on Andre Barcinski.