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Uber? Não, obrigado!

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 Uber? Não, obrigado!

Não tenho nada contra o Uber ou contra quem usa o serviço. Boa sorte a todos. Que sejam felizes. Mas o Uber nunca verá um centavo do meu suado dinheirinho.

Não uso o Uber pela mesma razão por que evito comprar pão em posto de gasolina, jornal em padaria, chiclete em farmácia e isqueiro em banca de jornal.

Não uso o Uber porque acredito que o comércio precisa de uma ordenação lógica, em que um comerciante, na medida em que paga impostos e oferece um tipo de serviço específico, merece a primazia na oferta dos produtos e serviços em que se especializou.

Quero deixar uma coisa bem clara: sou 100% a favor da livre concorrência. Mas a concorrência só é livre se não for desleal, e casos como o do Uber configuram, sim, concorrência desleal.

Ponha-se no lugar de um motorista de táxi que pagou 60 mil, 80 mil ou até 100 mil reais pela licença para trabalhar, paga impostos, gasta uma grana com o sindicato e tem o preço das corridas tabelado pelo governo, e que subitamente sofre a concorrência do Uber, cujos carros não precisam pagar pela licença e cobram até 30% a menos que os táxis (há também uma versão "chique" do Uber, mais cara que táxis normais).

Se isso não é concorrência desleal, não sei o que é.

Imagine então a situação dos taxistas que não têm carro próprio e usam veículos de frota. Eles trabalham umas 12 horas por dia só para pagar os custos fixos de aluguel do carro e combustível, e depois disso é que começam a rodar para ganhar o próprio dinheiro. O Uber pode simplesmente aniquilar esses profissionais.

Diante de situações como essa, a reação de muitos é dizer: "Ah, isso é do mercado, e a concorrência é boa para o público."

Mas as coisas não são bem assim.

Há dois anos, fiz uma reportagem para a "Folha" sobre o sumiço das pequenas padarias de São Paulo e o surgimento das chamadas "superpadarias", estabelecimentos que mais parecem supermercados e que vendem de tudo: jornais, revistas, sushi, frutas, pizzas... até pão.

Na reportagem, o editor da revista "Panificação Brasileira", Augusto Cezar de Almeida Neto,  contou que a tendência das megapadarias teve início nos anos 80, quando supermercados começaram a abrir padarias dentro de seus estabelecimentos. "Os donos de padarias foram acossados pelas grandes redes de supermercados e precisaram expandir sua oferta de produtos e serviços. As padarias passaram a oferecer refeições e produtos que não ofereciam."

Isso causou o fim de muitas padarias e pequenos restaurantes de bairro, que não tiveram condições de competir com as "superpadocas". Com menos padarias, houve uma redução na oferta para os consumidores e um aumento no preço dos produtos (sugiro ler essa matéria do jornal "O Dia", sobre a diferença de até 114% nos preços do pão em padarias cariocas).

Prejudicadas pelos supermercados, as padarias começaram a vender revistas e jornais, o que causou a falência de muitos donos de bancas.

Novamente, imagine a situação: você compra uma banca de jornal, gasta uma bela grana com a compra do ponto, e de repente vê a padaria que fica em frente à sua banca vendendo revistas. É justo?

Eu acho que padarias não poderiam vender jornais e revistas, assim como postos de gasolina não poderiam vender pão. E isso não tem nada a ver com protecionismo, mas com bom senso. A outra opção, que seria liberar todo mundo para vender o que quiser, acaba quase sempre favorecendo os comerciantes mais poderosos, aniquilando a concorrência e causando aumento de preços.

Francisco Spadoni, arquiteto e professor da FAU, me disse: "O problema é que o Brasil não tem uma legislação sobre o que uma padaria pode ou não vender. Na França, uma ‘boulangerie’ só pode vender pães e bolos."

Tem mais: na França, para receber o nome de "boulangerie", o estabelecimento precisa fazer o pão no próprio local, não pode usar conservantes e não pode congelar o produto. Quem quiser pão congelado ou com conservantes, que compre em um supermercado.

Voltando ao caso Uber vs. taxistas: digamos que o Uber "pegue" em São Paulo, como as "superpadocas". Em pouco tempo, podemos ver o fim dos táxis de rua. Isso seria bom para a cidade? Tenho minhas dúvidas.

O caso está na Justiça. O sindicato dos taxistas alega que o Uber promove "transporte clandestino"; já o Uber apela para a "livre concorrência".

Se a prefeitura de uma cidade qualquer no Brasil decidir liberar o Uber, ótimo. Só espero que o prefeito se lembre de devolver, com juros e correção monetária, o dinheiro que os taxistas pagaram por suas licenças (hoje conversei com um taxista carioca que disse ter gasto 40 mil reais na licença em 1999; faça as contas).

De minha parte, vou continuar a usar o bom e velho táxi. Pode até custar um pouco a mais que a versão chique do Uber, mas prefiro pagar uns trocados a mais agora do que colaborar para a concorrência desleal e lamentar daqui a alguns anos, quando os táxis sumirem e estivermos nas mãos de Ubers ou similares.

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