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Cidade de Deus – e do ressentimento

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Assisti a “Cidade de Deus – Dez Anos Depois”, de Cavi Borges e Luciano Vidigal. Finalizado há três anos, o filme só estreia agora nos cinemas brasileiros, o que explica o erro na matemática do título (“Cidade de Deus” é de 2002).

O documentário mostra o que aconteceu com o elenco do filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund. Alguns – Seu Jorge, Leandro Firmino, Alice Braga, Jonathan Haagensen, Alexandre Rodrigues – conseguiram emplacar carreiras em cinema e TV, enquanto outros ganham a vida trabalhando de porteiros, mecânicos ou vendedores de rua. Alguns, infelizmente, tiveram problemas com drogas e com a polícia.

Fiquei surpreso com o tom das entrevistas no documentário. “Cidade de Deus” é um dos maiores filmes do cinema brasileiro e certamente o de maior repercussão internacional, uma obra que abrilhanta o currículo de qualquer um envolvido com sua produção. Mas a tônica de muitos dos entrevistados é o ressentimento. Há mais reclamações sobre o valor dos cachês do que satisfação pelo fato de terem atuado em um filme tão marcante.

“Cidade de Deus” tinha um elenco formado, majoritariamente, por jovens negros. O filme usou atores não profissionais, muitos oriundos de favelas cariocas, e conseguiu reunir um elenco numeroso e muito bom. Achei que o documentário traria relatos sobre esse processo de seleção e a preparação dos atores, mas, com exceção de algumas poucas cenas de ensaios, o assunto não é explorado.

Um dos entrevistados mais lúcidos é Seu Jorge. Refletindo sobre os diferentes destinos de membros do elenco, ele diz que cada um escolhe seus caminhos e que a vida pode parecer injusta. Concordo com ele. Se pegarmos qualquer filme de sucesso, feito em qualquer país e qualquer época, e depois de uma década entrevistarmos o elenco, veremos que uma pequena minoria se destaca, enquanto a maior parte continua buscando o sucesso.

Um assunto que tem tudo a ver com isso e que só é explorado superficialmente no filme é a pouca oferta de trabalho para atores negros no país. Vários entrevistados reclamam que tiveram dificuldades para conseguir papeis. Bem que o documentário poderia trazer dados que corroborassem isso: que percentual do total de papéis em cinema, TV e teatro são ocupados por artistas negros? Quantos roteiristas negros trabalham em nossa televisão?

“Cidade de Deus – Dez Anos Depois” traz algumas histórias comoventes, para o bem e para o mal. Ouvir Jonathan Haagensen (Cabeleira) dizendo como botou na cabeça que não poderia “viver na sombra do filme” e que precisava impulsionar sua carreira de ator – o que fez – é muito bonito, assim como é arrasador ver as entrevistas de Rubens Sabino (Neguinho) sobre seus problemas com a lei – e mais triste ainda saber que, há alguns meses, ele foi visto na Cracolândia, em São Paulo.

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