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DiCaprio, mas pode chamar de Jason

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leo revenant 01dec15 1024x636 DiCaprio, mas pode chamar de JasonEm 2014, quando a Academia esnobou “O Lobo de Wall Street” e preferiu Matthew McConaughey a Leonardo Di Caprio, escrevi aqui no blog que Di Caprio só ganharia um Oscar quando parasse de trabalhar com Scorsese:

Quando se analisa a lista de vencedores recentes, fica claro que DiCaprio não tinha chance com seu arrogante junkie de Wall Street em “Lobo”. Aliás, ele dificilmente terá chance de ganhar um Oscar em um filme de Scorsese, já que o diretor não é chegado a histórias de redenção e triunfo da bondade. Pelo contrário: Scorsese sempre foi um pessimista e prefere mostrar o lado podre da sociedade, os desajustados. Se DiCaprio quiser redenção, que procure um Spielberg ou Zemeckis, diretores que não têm vergonha de colocar o personagem principal chorando no fim, enquanto uma música cafona de triunfo (preferencialmente de um John Williams) ribomba ao fundo.

jason DiCaprio, mas pode chamar de JasonDiCaprio não procurou Spielberg, mas sua versão mais indie e cool, o mexicano Alejandro Iñárritu. E agora vai ganhar seu Oscar.

Iñárritu faz filmes de encomenda para o Oscar: espetáculos suntuosos, visualmente impactantes e supostamente profundos. O diretor usa a fotografia impressionista de Emanuel Lubezki, planos-sequência supérfluos e diálogos empolados, que falam bonito e dizem pouco, para esconder a qualidade duvidosa de suas histórias. “Birdman” e “O Regresso” são exercícios autoindulgentes que abusam de efeitos de choque – longos planos sem cortes, closes "intensos", imagens oníricas e delirantes – para mascarar roteiros simplórios.

Em “O Regresso”, DiCaprio faz Hugh Glass, guia de uma expedição que caça animais para a venda de peles no norte dos Estados Unidos, em 1823. A região, então conhecida por Louisiana Purchase, é perigosa, habitada por índios pouco amistosos e ursos barra pesada.

Logo na primeira sequência, o grupo de Glass, liderado pelo capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson), um dos personagens mais burros criados pelo cinema nos últimos anos, é atacado e massacrado por índios comandados por um nativo de inteligência igualmente limitada, que chamarei de Cacique Burraldo (Duane Howard). Burraldo está atrás da filha, Powaqa, que foi sequestrada por homens brancos. Burraldo leva as peles que roubou do grupo de Glass para Toussaint, chefe de um bando de franceses que também está atrás das peles. A toupeira quer trocar as peles por cavalos, que usará na busca pela filha.

Glass e os poucos sobreviventes do massacre tentam voltar ao forte onde estão hospedados, mas ele é atacado por um gigantesco urso, jogado de um lado para o outro como um boneco de pano e retalhado pelas garras afiadas do bicho.

Glass sobrevive e precisa ser carregado de maca, o que se mostra impossível por causa do gelo que cobre as montanhas íngremes da região. Um dos participantes do grupo é John Fitzgerald (Tom Hardy), um sujeito violento e que não vai com a cara de Glass porque este tem um filho índio, Hawk (Forrest Goodluck), e Fitzgerald odeia índios desde que foi escalpelado por alguns deles. Ele sugere ao capitão matar Glass e deixá-lo por ali mesmo. E o que faz o genial capitão Andrew Henry? Simplesmente deixa o próprio Fitzgerald e dois adolescentes – incluindo Hawk - tomando conta de Glass até ele morrer. Brilhante.

Claro que dá tudo errado: Fitzgerald ataca Hawk, foge e deixa Glass abandonado no gelo, sem comida e todo arrebentado pelo urso. Ao capitão Henry, Fitzgerald diz que Glass morreu nas montanhas, mas nosso herói está vivinho da silva e consegue se arrastar – literalmente – por muitos quilômetros, tentando voltar ao forte. No caminho, é arremessado de penhascos, lançado de cachoeiras com pedras pontiagudas, arrastado por rios congelantes, soterrado por tempestades de neve e atacado por índios assassinos. Mas ele tem a resiliência de Rambo e Jason somados, e não se detém diante de pequenos desafios, como o de pular de um penhasco de 60 metros montado num cavalo.

DiCaprio se resume a gritar, babar e fazer cara de dor, com ocasionais cenas de introspecção em que recorda a esposa índia morta por brancos malvados, tem delírios sobre o filho e fala platitudes sobre o vento que sopra na floresta, sempre ostentando um olhar perdido no horizonte típico de comercial de seguro-saúde para a terceira idade.

ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS

O roteiro é uma piada de mau gosto. A quantidade de rombos de lógica e sequências ridículas assusta.

Não vou nem me ater a clichês, como pés humanos destroçados por um urso que se curam milagrosamente, índios que acertam uma flecha na jugular de um figurante a 50 metros de distância e são incapazes de acertar DiCaprio a dois passos, Glass boiando num rio vestindo uma pele de bisão encharcada e o genial capitão Andrew Henry saindo sozinho com Glass atrás do fujão Fitzgerald, em vez de organizar um grupo maior para a missão. Isso a gente até releva. Mas o roteiro deixa algumas perguntas no ar:

- Por que Cacique Burraldo implora a Toussaint por cavalos, sendo que ele acabou de massacrar o grupo de Glass, que deixou para trás um monte de cavalos?

- Por que Glass, faminto depois de dias sem comer, encontra o cadáver de um bisão ao lado de várias fogueiras na floresta e decide comer o intestino do bicho cru, em vez de fazer um suculento bife?

- Como Cacique Burraldo pode estar negociando por tanto tempo com o francês Toussaint sem perceber que é o próprio Toussaint que mantém Powaqa como escrava sexual?

- Por que Toussaint e seu bando, ao enforcarem o índio que salva a vida de Glass fazendo uma espécie de cabana com galhos durante uma tempestade de gelo (alguém mais lembrou “Dersu Uzala”, de Kurosawa?), se dá ao trabalho de pendurar uma placa no pescoço do morto?

- Porque Fitzgerald conta a todo mundo que planeja ir para o Texas e, ao fugir (arrombando um cofre dentro de um forte cheio de gente, é bom lembrar), decide tomar o mesmo rumo, em vez de partir em outra direção e dificultar a vida do capitão e de Glass, que saíram em seu encalço?

Cinema é a maior diversão, já dizia Severiano Ribeiro, e é preciso perdoar licenças poéticas de vez em quando. Mas só de pensar que “O Regresso” foi indicado a DOZE Oscars, que DiCaprio perdeu a estatueta por “Lobo de Wall Street” e vai ganhar por esse troço, e que Stallone vai bater Mark Ruffalo (“Spotlight”), é licença poética demais pro meu gosto.

Bom Carnaval a todos. O blog volta com um texto inédito quinta, dia 11.

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