O que Claudia Leitte, Luan Santana, Milton Nascimento, o Cirque de Soleil, Maria Bethania, o Rock in Rio e Rita Lee têm em comum? Em primeiro lugar, são artistas e espetáculos famosos e que atraem multidões. Em segundo lugar, receberam autorização de uso de dinheiro público para suas apresentações e projetos.
Há alguns dias, depois de uma enxurrada de reclamações em imprensa e redes sociais, Claudia Leitte desistiu de fazer sua autobiografia, que custaria R$ 356 mil de nossos impostos, valor aprovado pelo Ministério da Cultura (MinC) por meio da Lei Rouanet.
Claudia Leitte não estava fazendo nada ilegal. A lei permite que qualquer um – famoso ou não – entre com um pedido de aprovação de projeto na Lei Rouanet. Se uma artista famosa como ela precisa de dinheiro público, é outra discussão.
Em 2014, quando o filme argentino “Relatos Selvagens” foi lançado por aqui, escrevi um texto questionando por que o cinema brasileiro não fazia filmes tão transgressores. Aqui vai um trecho:
Digamos que um cineasta ousado tivesse uma ideia genial para fazer uma comédia negra como “Relatos Selvagens” no Brasil. Quem iria financiá-lo? Mais importante: quem iria assistir ao filme?
A primeira pergunta é fácil responder: ninguém.
Hoje, quem manda no cinema brasileiro são diretores de marketing de grandes empresas privadas, que usam o nosso dinheiro para divulgar suas marcas. É uma situação ridícula e revoltante.
Para quem não sabe como funcionam as leis de incentivo, aqui vai uma rápida explicação: o governo permite que empresas usem uma parte do imposto devido – ou seja, dinheiro público - em projetos culturais. Só que as empresas podem escolher os projetos em que desejam colocar o nosso dinheiro. Resumindo: O financiamento é público, mas a seleção de projetos é privada.
E que empresa vai querer associar sua marca a um filme perverso e sombrio como “Relatos Selvagens”? Nenhuma. Até porque muitas delas já produzem seus próprios projetos – shows, festivais, concursos, filmes, etc. – usando essa boiada. E tome Rock in Rio, Cirque de Soleil, Claudia Leitte e Maria Bethânia recebendo verba pública para projetos privados.
É preciso mudar a Lei Rouanet. Não dá para as empresas decidirem em quais projetos vão colocar o nosso dinheiro. Se você fosse um diretor de marketing e quisesse ter máxima exposição de sua marca, onde preferiria ver o logotipo de sua empresa, na entrada do Cirque de Soleil ou num arquivo de preservação de filmes antigos?
Se o dinheiro for da empresa, ela tem o direito de colocar onde quiser. Se for grana pública, não. Simples assim.
No início de fevereiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu um passo importante para a melhoria da lei, ao decidir que a Rouanet não poderá mais beneficiar “projetos que apresentem forte potencial lucrativo" e com "capacidade de atrair suficientes investimentos privados". Foi uma decisão sensata.
Quem mais precisa de ajuda estatal, na minha opinião, são projetos de grande importância, mas baixa visibilidade de mídia, como preservação de acervos, arquivos de filmes, livros, fotografias e documentos, pesquisas sobre cultura, etc. Pequenos produtores musicais, teatrais e cinematográficos deveriam ter prioridade sobre o Cirque de Soleil, Maria Bethânia e afins. Aliás, num mundo ideal, Bethânia, Milton e Luan Santana teriam a consciência de não pedir dinheiro público para nada. Infelizmente, foi preciso uma lei para corrigir essa distorção.
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