O tema da censura a biografias foi discutido em todo o país no fim do ano passado, quando o grupo Procure Saber, liderado por alguns dos maiores nomes da MPB – Caetano Veloso, Roberto Carlos, Chico Buarque, Gilberto Gil, etc. – anunciou ser a favor da obrigatoriedade de autorização para biografias. O que, em bom português, significa censura.
Enquanto a Justiça anda a passos de cágado e o STF não julgou a questão (uma sessão estava marcada para novembro de 2013), biógrafos e pesquisadores continuam sob risco de ter seus trabalhos proibidos.
Mas a autorização prévia não é a única forma de censura. Existem outros obstáculos no caminho de trabalhos jornalísticos e investigativos. E são obstáculos financeiros e burocráticos.
Há algumas semanas, fui entrevistado por um grupo de jovens documentaristas para um filme sobre um conhecido artista do rock brasileiro. O clima não era dos melhores: eles haviam acabado de receber o orçamento da editora responsável pelas músicas do tal artista, e o valor pedido para liberação de pequenos trechos de algumas canções era tão alto que inviabilizaria o projeto.
É claro que artistas precisam ser pagos pelo uso de suas músicas. Mas estamos falando de um pequeno documentário independente, e não de um comercial de automóveis ou cartão de crédito.
Não são raros os projetos de documentários que nem saem do papel pela impossibilidade de pagar o valor pedido pelas editoras. Cansei de propor ideias a produtoras e emissoras de TV e receber respostas de que os custos do material de arquivo ou de músicas eram inviáveis.
Outro absurdo é o valor que emissoras de TV cobram por cenas de arquivo. Recentemente, houve o caso de um famosíssimo artista da MPB que não conseguiu imagens dele mesmo para um documentário, porque o valor pedido pela emissora era irreal.
Existe outra barreira perigosa no caminho de biógrafos e pesquisadores: as autorizações de fotos. Para não correr o risco de processo, a editora de um livro precisa obter autorização não só do autor da foto, mas de todas as pessoas que aparecem nela. Sei disso porque estou terminando um livro e passando pelo inferno de pedir montanhas de autorizações.
Mais uma vez: acho que fotógrafos precisam ser remunerados por seus trabalhos. Se alguém usa indevidamente uma fotografia com fins comerciais, deve ser punido. Mas é preciso diferenciar entre trabalhos jornalísticos e projetos publicitários/comerciais. Um biógrafo usar uma foto de alguém num livro é diferente de uma empresa usá-la num comercial.
Alguém pode dizer: “Ah, você só está dizendo isso porque não é o autor da foto. Se fosse, também exigiria uma grana.”
Não exigiria não. E, para provar, cito um caso: em 1989, fiz essa foto:
A foto foi tirada no Canecão, e é a última imagem de Raul Seixas e Paulo Coelho juntos. Por 25 anos, ela foi publicada, sem crédito, em inúmeros livros, incluindo a biografia de Paulo Coelho, “O Mago”, escrita por Fernando Morais. A imagem também foi usada em outro trabalho jornalístico/documental maravilhoso, o filme “Raul: O Início, o Fim e o Meio”, de Walter Carvalho.
Sei que Morais e Carvalho não deram o crédito simplesmente por não saber a origem da foto. E eu autorizaria o uso dela sem pensar duas vezes e sem pedir nada em troca. É um orgulho ter uma foto num livro de Fernando Morais ou num filme de Walter Carvalho. Aliás, eu autorizaria o uso para qualquer trabalho jornalístico. Acho que ninguém é dono da verdade.
Agora, se uma empresa decide usar a fotografia numa campanha publicitária, a coisa muda de figura, vira exploração comercial da imagem, e eu certamente faria valer meus direitos de autor, assim como Paulo Coelho e a família de Raul Seixas também teriam direito a receber pelo uso de imagem. É uma questão de bom senso. Pena que o bom senso esteja em falta hoje em dia.
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