Quantcast
Channel: Andre Barcinski
Viewing all 575 articles
Browse latest View live

O AMIGO DA ONÇA

$
0
0

R. é amigo nosso e mora em frente à praia, a cerca de 5 km de Paraty. Sua casa tem um terreno grande e arborizado, cheio de coqueiros, palmeiras e uma amendoeira gigante. Um riacho corre no meio da propriedade e desemboca no mar. Não é incomum ver pássaros e cotias bebendo água ali.

Domingo, um amigo de R. chegou de barco à praia e o chamou. R. saiu de casa, desceu os degraus da escada de pedra que levam à areia e deu de cara com esta cena:

20150208 162612 1024x768 O AMIGO DA ONÇA

Era uma jaguatirica. Tinha cerca de 90 centímetros de comprimento e estava bastante machucada, com lacerações no pescoço.

R. lembrou ter ouvido seus cachorros – ele tem três, um casal de vira-latas e um pastor alemão – fazendo barulho no meio da madrugada. Ficou arrasado: se tivesse ido ao jardim conferir a causa de tanto barulho, poderia ter descoberto a jaguatirica ainda viva e, quem sabe, chamado a Defesa Civil para capturá-la e devolvê-la ao seu habitat natural.

Por todo o dia, vizinhos e amigos passaram na casa para ver o animal. De perto, a jaguatirica é ainda mais bonita e vistosa que em fotos, com um pelo brilhante e macio. É um animal magnífico.

As pessoas conjecturavam sobre a morte da jaguatirica. Ela havia claramente levado mordidas no pescoço. Mas será que três cachorros, sendo dois pequenos vira-latas, poderiam ter feito isso?

Para adicionar ainda mais mistério ao caso, o pastor alemão estava sumido. A casa de R. faz divisa com um matagal, de onde é possível sair para a estrada Rio-Santos. E o pastor não era visto desde o dia anterior.

Alguns diziam que a jaguatirica e o pastor podem ter brigado e um matado o outro. Mas onde estaria o corpo do pastor alemão? Caído em algum matão escondido?

De toda forma, uma coisa é certa: ninguém, nem os vizinhos mais antigos, haviam visto uma jaguatirica tão perto da praia. Não é incomum ver jaguatiricas e onças nas áreas rurais próximas à Paraty, mas com a exploração cada vez maior dessas regiões, os animais certamente começam a procurar outras paragens.

Vizinhos estavam preocupados. Há várias crianças morando ali. Dei uma pesquisada na Internet e li que jaguatiricas são animais normalmente inofensivos, que só atacam quando se sentem atacados. O negócio é ficar atento.

Enquanto isso, a busca pelo pastor alemão continua.

The post O AMIGO DA ONÇA appeared first on Andre Barcinski.


“SELMA”: DE BOAS INTENÇÕES, O CINEMA DO INFERNO TÁ CHEIO

$
0
0

Braba essa época de Oscar. É muito filme ruim junto.

Estou com a caixa de 4 DVDs do Samuel Fuller parada na estante há uns dez dias, enquanto preciso assistir a uma penca de filmes por obrigação profissional.

O mais recente martírio foi “Selma”. É outro daqueles filmes “edificantes”, uma verdadeira lição de história em forma de cinema. Ou melhor, em forma de telefilme, que é o que lembra.

“Selma” conta a história da famosa marcha entre as cidades de Selma e Montgomery, no Alabama, liderada por Martin Luther King em 1965. Foi um episódio capital da luta pela igualdade de direitos civis nos Estados Unidos e contra o racismo institucionalizado no sul do país.

Se o tema é ótimo e importante, o filme é uma pasmaceira só. O roteiro é professoral e didático; os personagens sempre têm o cuidado de falar explicitamente por que estão agindo de certa forma, para não deixar o espectador boiando.

Assim, num encontro entre o presidente norte-americano Lyndon Johnson (Tom Wilkinson) e Martin Luther King (David Oyelowo), Johnson diz: “Martin, acabar com a segregação foi o momento mais orgulhoso de minha vida, quando assinei aquela Lei em 1964.” Só faltava o presidente virar pra câmera e contar o que foi a Lei dos Direitos Civis de 1964.

O filme confia tão pouco na inteligência do espectador que se sente na obrigação de detalhar tudo: em algumas cenas, chega a usar textos tirados de relatórios do FBI sobre Luther King para explicar o que está acontecendo: “9h03: Luther King chega a Selma com agitadores; 30% são caucasianos”.

A narrativa é previsível: se a câmera demora um tempo a mais no rosto de um manifestante que vê King discursando antes de um protesto, você tem certeza que ele vai morrer – ou pelo menos ser brutalmente espancado – na cena seguinte.

E tome sequências em câmera lenta de cidadãos indefesos atacados pela polícia racista, pessoas ouvindo os discursos lindos de King e levantando os punhos, subitamente tomadas de determinação, e políticos pró-segregação reunidos em salas sombrias e luxuosas, decidindo o que fazer para derrubar King e os seus.

Não é à toa que novelas de TV fazem sucesso. A narrativa usada é a mais medíocre possível e não deixa margem a qualquer tipo de interpretação ou subjetividade. “Selma” faz o mesmo.

É uma pena que um personagem tão rico e complexo quanto Martin Luther King tenha merecido um filme assim, que mais parece uma encenação histórica de um History Channel da vida.

 

The post “SELMA”: DE BOAS INTENÇÕES, O CINEMA DO INFERNO TÁ CHEIO appeared first on Andre Barcinski.

DOIS SHOWS IMPERDÍVEIS VÊM AÍ

$
0
0

Duas ótimas notícias no site do meu chapa Lúcio Ribeiro: em breve, aportam no Brasil duas bandas excelentes: a veterana The Sonics e a novata Temples.

O Sonics vai tocar no clube Audio, em São Paulo, em 5 de março. E o Temples virá ao país entre 13 e 17 de maio para uma turnê. Datas e locais ainda não foram anunciados.

PUNKS ANTES DO PUNK

Não é fácil dimensionar a importância do Sonics. A verdade é que todo o rock pesado, do metal ao punk, do rock de garagem ao grunge, deve algo aos caras.

Eles são realmente veteranos. Surgiram em 1960, mesmo ano dos Beatles e antes de Stones e Kinks. E já nasceram fazendo um barulho dos diabos, um som totalmente incompreendido na época e muito mais pesado, agressivo e demente do que o iê-iê-iê que dominava as paradas.

O primeiro LP do grupo, “Here Are the Sonics”, saiu em 1965 e trazia faixas que se tornariam clássicas do repertório deles, como “The Witch”, “Boss Hoss”, “Psycho” e “Strychnine”.  Num camping de trailers em Ann Arbor, Michigan, um moleque chamado James ouviu o disco e teve uma epifania. Mudou de nome para Iggy e, poucos anos depois, montou um grupo chamado Psychedelic Stooges.

Não era só Iggy Pop que cultuava os Sonics: Wayne Kramer (MC5), Joey Ramone, Lux Interior e Poison Ivy (Cramps) e, posteriormente, toda a cena grunge de Seattle veneravam os heróis locais (os Sonics são de Tacoma, cidade a 50 km de Seattle).

Vejam os coroas em 2008, tocando “Strychnine”, gravada pelo Cramps: “Algumas pessoas gostam de água / outras gostam de vinho / Mas eu gosto do sabor / de estricnina pura”. Punk é isso.

 

 

Achei esse clipe/homenagem ao Sonics, com a faixa “Psycho”. Legal demais:

 

 

A MELHOR BANDA DE 1967 ESTREOU EM 2014

Incluí “Sun Structures”, do Temples, na lista de melhores discos de 2014. Mas poderia muito bem ter sido lançado em 67 ou 71.

O Temples é um quarteto inglês liderado pelo geniozinho James Bagshaw. Sua música bebe nas fontes psicodélicas e espaciais de Pink Floyd (fase Syd Barrett), Zombies, Love, Gong, 13th Floor Elevators, Hendrix e outros.

Bagshaw produziu “Sun Structures”sozinho e conseguiu fazer um disco que resgata sonoridades antigas sem soar nostálgico ou velho. Veja a banda interpretando uma de suas melhores canções, “Shelter Song”:

 

 

Ao vivo, o Temples é muito, mas muito bom. Tive a sorte de vê-los no Austin Psych Fest, em 2014. Aqui vai a última música daquele show:

 

 

Com Sonics e Temples, o ano começa bem para shows no Brasil. Lembrando que ainda teremos o Ministry, no Audio, dia 6 de março. E uma pena que o sensacional grupo do Mali, o Tinariwen, esteja com datas confirmadas em março no Lollapalooza do Chile e no clube Niceto, em Buenos Aires, mas não tem data agendada no Brasil. Seu mais recente disco, “Emmaar”, está em altíssima rotação aqui em casa há meses. Vejam só que coisa linda estamos perdendo:

 

 

Vale muito a pena pegar um avião e ver o Tinariwen ao vivo. De preferência na Argentina, sem o Lollapalooza pra atrapalhar.

The post DOIS SHOWS IMPERDÍVEIS VÊM AÍ appeared first on Andre Barcinski.

40 ANOS DE “SATURDAY NIGHT LIVE”: VEJA DEZ GRANDES MOMENTOS

$
0
0

Amanhã, o “Saturday Night Live” completa 40 anos com um programa especial de três horas de duração. Parece que até Eddie Murphy, que não participa do programa há 31 anos, dará o ar de sua graça.

Separei dez momentos antológicos do programa. É uma escolha pessoal, baseada no que conheci dos primórdios do “SNL”, graças a DVDs e velhas fitas VHS, e da ótima fase da primeira metade dos anos 90, quando morei nos EUA e pude acompanhar o show semanalmente.

Peço desculpas antecipadamente por não ter incluído quadros mais novos – fãs de Tina Fey e Kristen Wiig certamente vão chiar – mas a verdade é que parei de me interessar pelo “SNL” há tempos.

Aqui vão, sem ordem de preferência, dez momentos sublimes do “Saturday Night Live”.

 

EDDIE MURPHY VIRA BRANCO

Murphy se fantasia e capricha na maquiagem para se “transformar” em branco e experimentar um dia na vida de um caucasiano. Um quadro que NUNCA iria ao ar hoje em dia:

 

SAMURAI NIGHT FEVER

John Belushi tinha um quadro famoso, inspirado nos samurais que Toshiro Mifune interpretava nos filmes de Kurosawa. Aqui, O Samurai de Belushi encarna Tony Manero, numa genial gozação com “Os Embalos de Sábado à Noite”:


Watch John Belushi - Samurai Night Fever in Comedy  |  View More Free Videos Online at Veoh.com
 

VAI, SPARTAN!

Cheri Oteri e Will Ferrell fizeram sucesso com um quadro sobre dois animadores de torcida. Aqui, eles animam um torneio de xadrez.

 

O PALESTRANTE MOTIVACIONAL

Chris Farley era obcecado por John Belushi. Tinha o mesmo tipo físico e adorava o humor pastelão e anárquico de Belushi. Infelizmente, Farley copiou outras características menos elogiáveis do ídolo, como o gosto pela cocaína. Numa coincidência mórbida, morreu da mesma forma – overdose de pó – e com a mesma idade – 33 – de Belushi. Mais um talento desperdiçado. Aqui, ele interpreta um palestrante motivacional que tenta ajudar uma família.

 

 

O GAME SHOW JAPONÊS

Isso é insuperável: Mike Myers faz um apresentador de TV japonês, e Alec Baldwin, Janeane Garofalo e Chris Farley, os concorrentes de um game show. Farley é um turista americano ignorante que caiu no programa por acaso e nãotem a menor ideia do que está acontecendo. O quadro é genial, escrito quase que totalmente em japonês embromation.

 

OPERAMAN

Antes de fazer fortuna no cinema com filmes horríveis, Adam Sandler teve uma carreira e tanto no “SNL”. Um de seus melhores quadros era Operaman, um cretino que comentava as notícias da semana como se estivesse cantando ópera. Aqui, ele encarna Operaman no show-tributo às vítimas dos atentados terroristas de 11 de setembro. As menções a Osama são demais.

 

O ADVOGADO DAS CAVERNAS DESCONGELADO

Outro ator do “SNL” que teve um fim trágico foi o talentosíssimo Phil Hartman, assassinado pela esposa, que cometeria suicídio horas depois. Hartman fazia um personagem sensacional, um homem das cavernas que passou milhares de anos congelado, até ser descoberto, descongelado, e virar advogado. Vejam o nobre jurista em ação.

 

NICK, O CANTOR DE LOUNGE

Um dos grandes personagens de Bill Murray foi Nick, um cantor de lounge. O quadro não tinha nada, era só Nick cantando, mas “nada”, na mão de Bill Murray, pode ser genial.

 

EDDIE MURPHY: MATEM OS BRANCOS!

Inacreditável imaginar que uma emissora de TV aberta exibisse isso hoje em dia: Murphy faz um cantor de reggae se apresentando para uma plateia, digamos, pouco amistosa...

O MELHOR DE 1975 A 2011

Uma compilação de grandes momentos dos primeiros 35 anos do programa, mostrando gente como Dan Aykroyd (fazendo o “irmão tcheco” com Steve Martin), o dueto de Frank Sinatra (Joe Piscopo) e Stevie Wonder (Eddie Murphy), Dana Carvey catando sua famosa “Choppin’ Brocolli”, Norm MacDonald apresentando o telejornal “Weekend Update”, Christopher Walken pedindo “More cowbell!”, Chris Kattan matando Danny De Vito de rir com seu “Homem-Macaco”, e outros.

Bom Carnaval a todos. O blog volta quarta-feira. E não esqueçam: estreou “20000 Dias Sobre a Terra”, com Nick Cave.

P.S.: Muito triste com a morte de David Carr, grande repórter e colunista do "The New York Times". O cara esteve em agosto na FLIP falando de sua arrasadora autobiografia, "A Noite da Arma". E quem quiser conhecer um pouco mais sobre o trabalho dele pode ver o documentário "Page One - Inside The new York Times". Imensa perda pro jornalismo mundial.

The post 40 ANOS DE “SATURDAY NIGHT LIVE”: VEJA DEZ GRANDES MOMENTOS appeared first on Andre Barcinski.

FOLIA SANGRENTA

$
0
0

carnaval paraty FOLIA SANGRENTA

Na madrugada de domingo de Carnaval, o traficante conhecido por Indinho andava pela Praça da Matriz, no centro Histórico de Paraty, acompanhado por um comparsa, quando encontrou Emerson de Jesus, 21 anos, conhecido por Bananinha, membro de uma gangue rival. Não se sabe o que motivou a discussão entre os dois, mas o fato é que Indinho sacou uma arma automática e disparou 20 tiros contra Bananinha, acertando cinco. Bananinha foi levado ao hospital e operado, mas morreu.

Os outros 15 disparos que não pegaram em Bananinha acertaram nove pessoas que só estavam lá curtindo um bloco carnavalesco. Uma pessoa ainda está em estado grave, mas, segundo relatos, não corre risco de vida.

O episódio praticamente acabou com o Carnaval de Paraty. No domingo, todos os blocos programados cancelaram seus desfiles. Numa cidade que vive do turismo, é incalculável o prejuízo que isso causou a restaurantes, bares, pousadas, lojas e ambulantes, além da mancha no orgulho dos paratienses, que sempre consideraram seu Carnaval um dos mais tradicionais, bonitos e animados do litoral sul do Rio.

E o Carnaval em Paraty é especial mesmo: há diversos blocos tradicionais, em que famílias se juntam para brincar ao som de antigas marchinhas. Grandes bonecos de papel machê são carregados nos desfiles e seguidos por multidões de crianças. Na tarde de sexta, meus filhos se esbaldaram no Bloco do Caborê, que reúne crianças e desfila na margem do rio Perequê-Açu, encerrando o périplo na mesma Praça da Matriz onde, 30 horas depois, ocorreu o tiroteio entre traficantes.

O incidente escancarou um problema seríssimo e que não está sendo enfrentado como deveria: o aumento dos índices de criminalidade da região – e em cidades litorâneas em geral.

Um estudo publicado em 2014 mostra que as quatro cidades do Rio de Janeiro com o maior número de assassinatos per capita ficam em regiões litorâneas: Mangaratiba, Cabo Frio, Paraty e Búzios.

Em Paraty, a situação piorou muito depois da instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) na capital do Rio, o que teria causado uma migração da bandidagem para o litoral.

Aqui existem bairros onde traficantes agem a bel prazer. Passar à noite pela Ilha das Cobras, próximo ao aeroporto, é uma temeridade. Nem taxista entra lá. Não é incomum a ocorrência de tiroteios em bairros como Pantanal e Condado. Por toda a cidade, há pichações nos muros, remetendo a conhecidas facções criminosas como “CV” (Comando Vermelho) ou “PCC” (Primeiro Comando da Capital). Indinho, o assassino, é da Ilha das Cobras; Bananinha, o assassinado, era da Mangueira, outro bairro que sofre com o tráfico.

Quase todos os crimes ocorridos na cidade têm relação com o tráfico. Não se ouve falar em assaltos a residências, e a sensação geral, para quem mora longe dos bairros dominados pelo tráfico, não é de insegurança. Mas o número de tiroteios entre bandidos e de pequenos furtos cometidos por viciados está aumentando demais, assim como as histórias de famílias destruídas pelo crack. Nos últimos dois ou três meses, ouvimos pelo menos três relatos escabrosos envolvendo filhos ou netos de pessoas conhecidas, que foram cooptados pelo tráfico ou se viciaram.

Não é possível que uma região pequena como Paraty – o município todo tem 40 mil habitantes – não consiga combater o problema com mais eficiência. Dinheiro não falta: dados de 2013 mostram que a cidade recebia de 4 a 7 milhões de reais por mês só com royalties do petróleo.

Ninguém pode dizer também que os bandidos estão escondidos em locais de difícil acesso. No domingo de manhã, assim que eu soube do tiroteio, liguei para um taxista, nascido e criado na cidade, para perguntar detalhes. Ele sabia tudo sobre o incidente, incluindo o nome dos envolvidos e os bairros onde moravam.

P.S.: Eu havia prometido retornar com o blog na quarta, mas, devido à importância e repercussão do crime ocorrido durante o Carnaval de Paraty, adiantei esse texto. O blog volta com um texto inédito na quinta-feira. Bom fim de Carnaval a todos.

The post FOLIA SANGRENTA appeared first on Andre Barcinski.

O MELHOR FESTIVAL DE MÚSICA DO MUNDO FICOU MELHOR AINDA

$
0
0

 

Não é fácil melhorar um festival que já tem Flaming Lips, Spiritualized, Tame Impala, Jesus and Mary Chain, Primal Scream, Lightning Bolt, Thee Oh Sees, Fuzz, Earth, Black Angels e outras atrações, mas os organizadores do Levitation conseguiram. O evento, que acontece de 8 a 10 de maio em Austin, no Texas (leia um artigo sobre o festival aqui), anunciou o primeiro show da formação original do 13th Floor Elevators em quase meio século.

Não há lugar mais apropriado para essa ressurreição dos Elevators. Não só a banda é de Austin, mas o festival inteiro é uma homenagem a ela - a começar pelo nome, Levitation, título de uma canção do grupo.

Domingo, 10 de maio, Roky Erickson, Tony Hall, John Ike Walton e Ronnie Leatherman subirão ao palco do Levitation para encerrar o evento (o único ausente será o guitarrista Stacy Sutherland, morto a tiros pela esposa, no fim dos anos 70). A última vez que os quatro tocaram juntos foi em 1968, um ano antes do fim da banda.

O 13th Floor Elevators é um dos pioneiros do rock psicodélico. Formado no fim de 1965, fazia uma criativa  mistura de blues e country com psicodelia. O líder era um moleque talentoso de 18 anos, Roky Erickson, dono de uma voz potente e um gênio incomparável para emular, em letras e melodias, as viagens lisérgicas que fazia sob influência de LSD, cogumelos, mescalina e o que mais lhe abrisse as portas da percepção.

A exemplo de outras bandas à frente de seus tempos – Velvet Underground, Ramones, Gang of Four – os Elevators não fizeram grande sucesso comercial, mas influenciaram um monte de gente. De Patti Smith a Michael Stipe, de Butthole Surfers a Iggy Pop, de Joey Ramone a Stiv Bators, todo mundo idolatrava Roky Erickson e os Elevators.

Ouça aqui “Slip Inside This House”, do 13th Floor Elevators. Reconheceu o riff de guitarra? É o mesmo de “Blinding Sun”, do Mudhoney (Steve Turner é texano e obcecado por Roky Erickson).

 

 

A trajetória do 13th Floor Elevators durou pouco. Foram quatro anos e quatro LPs. Poderia ter sido bem mais, se Roky não tivesse sido preso em 1969 pela posse de um cigarro de maconha e, confrontado com a escolha entre passar alguns meses na prisão ou submeter-se a tratamento psiquiátrico, não tivesse optado pela segunda alternativa.

A escolha lhe custou uma vida de sofrimento. Roky foi mandado para um hospital psiquiátrico, onde passou três anos levando choques elétricos e engolindo montanhas de Thorazine (no Brasil, Amplictil), uma droga antipsicótica. Quando saiu, era um zumbi. Não falava coisa com coisa, dizia-se assombrado por espíritos e só fazia letras sobre monstros, alienígenas, vampiros e demônios. Chegou a assinar uma declaração afirmando que seu corpo havia sido tomado por um marciano.

Nos anos 80, falido e demente, sobrevivia da previdência social e da caridade de amigos. Sua casa, num subúrbio de Austin, tinha duas dúzias de aparelhos de TV ligados 24 horas por dia, fora de sintonia e em volume ensurdecedor. Roky dizia que só conseguia relaxar ouvindo o barulho de estática (há um documentário muito bom sobre Roky Erickson, “You’re Gonna Miss Me”, disponível no Netflix gringo e no Youtube. Veja o trailer.).

 

 

O trabalho de Roky Erickson começou a ser redescoberto em 1990, com o lançamento de um disco-tributo, “Where The Pyramid Meets the Eye”, em que nomes como ZZ Top, REM, Primal Scream, Julian Cope e Jesus and Mary Chain regravaram canções do 13th Floor Elevators. Depois, Roky lançou alguns discos, subiu num palco pela primeira vez em 20 anos (em 2005), gravou com o Mogwai e fez uma turnê tendo o Black Angels como banda de apoio.

Os últimos 20 anos da vida de Roky Erickson têm sido uma batalha para reerguer sua saúde, autoestima e carreira. E um dos momentos cruciais será esse show da volta do 13th Floor Elevators. Quem vai perder isso?

P.S.: Domingo à noite participo, junto com diversos colegas aqui do R7, da cobertura do Oscar. Vou comentar a cerimônia pelo Twitter do R7. Mais detalhes amanhã.

The post O MELHOR FESTIVAL DE MÚSICA DO MUNDO FICOU MELHOR AINDA appeared first on Andre Barcinski.

OSCAR: QUEM VAI GANHAR – E QUEM DEVERIA

$
0
0

trofeu OSCAR: QUEM VAI GANHAR – E QUEM DEVERIA

Acontece domingo, em Los Angeles, a entrega do Oscar. Será uma das premiações mais equilibradas dos últimos anos. Não há um grande favorito, e os principais prêmios devem ser pulverizados entre vários filmes medianos que, devido à abissal queda de qualidade do cinema americano nas últimas décadas, estão sendo tratados como obras-primas.

Os três melhores filmes em língua inglesa de 2014 que vi não receberam nenhuma indicação: “O Ano Mais Violento”, de J.C. Chandor, “Mapas Para as Estrelas”, de David Cronenberg, e “Sob a Pele”, de Jonathan Glazer.

Aqui vão minhas previsões para o Oscar. Faça as suas e compare.

Lembrando que domingo, a partir de 22h, estarei com meus colegas de R7, Odair Braz Jr. e André Forastieri, comentando a cerimônia ao vivo pelo conta do @portalr7 no Twitter. A cobertura terá ainda a colaboração de sites parceiros, como o Cineclick.

 

MELHOR FILME

Quem vai ganhar: Briga dura entre “Boyhood” e “Birdman”. Qualquer um pode levar, mas aposto que “Birdman” ganha no photochart, por uma razão simples: é tão pretensioso que muitos vão confundir sua “ousadia estética” com talento. A simplicidade e despojamento vão tirar o Oscar de “Boyhood”.

Quem deveria ganhar: “Mapas para as Estrelas”, com “O Ano Mais Violento” em segundo lugar. Entre os filmes indicados, eu votaria em “Boyhood”.

 

MELHOR DIRETOR

Quem vai ganhar: Alejandro Gonzáles Iñarritu por “Birdman”, pela mesma razão da categoria “melhor filme”: seu histrionismo estético deve superar o minimalismo realista de Richard Linklater (“Boyhood”).

Quem deveria ganhar: J.C. Chandor, por “O Ano Mais Violento”, a maior reunião de grandes atuações num filme americano em 2014. Entre os diretores indicados, eu votaria em Wes Anderson, por “O Grande Hotel Budapeste”.

 

MELHOR ATOR

Quem vai ganhar: Eddie Redmayne, por “A Teoria de Tudo”. O filme é uma joça, mas o papel foi feito de encomenda pro Oscar: um gênio da física preso a uma cadeira de rodas, vítima de uma doença degenerativa. Bingo. Mas não seria grande surpresa se Michael Keaton levasse por “Birdman”. O Oscar, como sabemos, é mais um prêmio de popularidade do que de qualidade, o ex-Batman não tem nenhum em sua estante, e pode ganhar um de presente dos coleguinhas.

Quem deveria ganhar: Jake Gyllenhaal, por “O Abutre”, que sequer foi indicado.

 

MELHOR ATRIZ

Quem vai ganhar: Julianne Moore, por “Para Sempre Alice”. Essa grande atriz foi indicada cinco vezes e nunca levou. É a vez dela, mesmo que o filme não seja grande coisa.

Quem deveria ganhar: Julianne Moore, por “Mapas para as Estrelas”. É inacreditável que Moore não tenha sido indicada por este papel, o de uma decadente atriz hollywoodiana que tenta reerguer a carreira atuando numa refilmagem de um clássico estrelado por sua mãe. Um pesadelo freudiano típico de Cronenberg e sombrio demais pro gosto da Academia.

 

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Quem vai ganhar: J.K. Simmons, pelo papel do professor de música sádico em “Whiplash”.

Quem deveria ganhar: J.K. Simmons merece.

 

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Quem vai ganhar: Patricia Arquette, por “Boyhood”. Outro caso de atriz querida e veterana que nunca levou um Oscar. Tá na hora, até porque a competição é bem fraca.

Quem deveria ganhar: Jessica Chastain, por “O Ano Mais Violento”. Ela está demais na pele da maquiavélica e misteriosa esposa de um dono de uma distribuidora de óleo para aquecedores (Oscar Isaac, sensacional) às voltas com assaltos e sabotagens.

 

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Quem vai ganhar: “O Grande Hotel Budapeste”, vencendo “Birdman” por pouco. A categoria de “melhor roteiro” é, costumeiramente, um prêmio de consolação para quem não leva melhor diretor ou melhor filme, e Wes Anderson tem boa chance de levar.

Quem deveria ganhar: Bruce Wagner, por “Mapas para as Estrelas”, um dos roteiros mais perversos já escritos sobre a indústria do cinema, cheio de personagens memoráveis. Claro que nem foi indicado.

 

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Quem vai ganhar: Ainda não consegui ver “Vício Inerente”, mas os outros quatro candidatos – “A Teoria de Tudo”, “O Jogo da Imitação”, “Whiplash” e “Sniper Americano” – têm roteiros de medianos para ruins. “Whiplash” é favorito na bolsa de apostas, mas acho que “A Teoria de Tudo”, lacrimejante e soporífera adaptação da história de Jane e Stephen Hawking, vai levar.

Quem deveria ganhar: Pelo amor dos meus filhinhos, cadê “Sob a Pele”?

 

MELHOR DOCUMENTÁRIO:

Quem vai ganhar: Boa seleção este ano. “Citizenfour”, sobre Edward Snowden, o informante que denunciou as práticas de espionagem da CIA, deve levar.

Quem deveria ganhar: O único dos cinco candidatos que não consegui ver ainda é “O Sal da Terra”, sobre o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Dos outros quatro, o mais emocionante é “Virunga”, sobre a luta de guardas florestais para preservar um parque nacional na República Democrática do Congo. O filme está disponível no Netflix brazuca e é maravilhoso.

 

MELHOR FILME ESTRANGEIRO

Quem vai ganhar: “Relatos Selvagens”. O filme argentino bateu recorde de bilheteria no país dos Kirchner e fez bonito em festivais na Europa. É o grande favorito.

Quem deveria ganhar: “Ida”, talvez o melhor filme de 2014, um “road movie” triste e arrasador  sobre uma noviça em busca de seu passado na Polônia.

 

The post OSCAR: QUEM VAI GANHAR – E QUEM DEVERIA appeared first on Andre Barcinski.

OSCAR FOI UM TÉDIO SÓ

$
0
0

neil OSCAR FOI UM TÉDIO SÓ

É difícil imaginar um momento mais constrangedor na história do Oscar do que "selfie" tirado por Ellen Degeneres, Bradley Cooper, Meryl Streep e outros astros em 2014. Foi uma demonstração grotesca de beija-mão corporativo, um anúncio vendido como ato "espontâneo" e divertido.

Mas vendo Neil Patrick Harris apresentando o Oscar hoje, confesso que deu saudades do "selfie" de Ellen. Aquilo foi uma enganação, mas pelo menos teve vida e quebrou o gelo da cerimônia. Diferentemente de Harris, dono de um carisma de boneco de ventríloquo e que foi um dos piores, senão o pior, apresentador que o Oscar já teve (James Franco, talvez?).

A overdose de discursos lidos, a falta de surpresas na premiação e o ritmo arrastado da cerimônia colaboraram para uma transmissão amorfa, sem graça e tediosa, que durou quase quatro horas e pareceu durar quatro semanas.

Não é possível que a Academia tenha um ano para preparar uma festa e o melhor que pode fazer são as piadas que Neil Patrick Harris contou. Algumas, tão ruins, que só ele riu.

Não é segredo que o Oscar está se distanciando do grande público. Este ano, o único sucesso de bilheteria entre os oito indicados a melhor filme foi "Sniper Americano". "Birdman", maior vencedor da noite, não ficou sequer entre os 80 filmes mais vistos nos Estados Unidos nos últimos 12 meses.

Desde 2003, quando “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” venceu, nenhum filme ganhador do Oscar foi um grande sucesso de bilheteria.

Com Hollywood cada vez mais interessada em atrair adolescentes para filmes baseados em gibis e que rendam infinitas sequências, filmes para adultos têm sofrido nas bilheterias. O cinema, cada vez mais, é dos jovens.

Por isso, se Hollywood quer usar a festa do Oscar para atrair mais gente aos cinemas, precisa fazer uma cerimônia mais divertida e menos tediosa. Porque essa de hoje foi dose pra leão.

The post OSCAR FOI UM TÉDIO SÓ appeared first on Andre Barcinski.


POR FAVOR, ALGUÉM TRAGA ESSA BANDA AO BRASIL!

$
0
0

Um dos grandes shows internacionais do ano vai passar raspando pelo Brasil: o grupo Tinariwen, do Mali, tem duas apresentações confirmadas na América do Sul em março, mas nenhuma por aqui.

Dia 13, tocam na versão chilena do festival Lollapalooza, em Santiago, e dia 17 se apresentam no Club Niceto, em Buenos Aires. Se tiver chance, não perca.

O Tinariwen, cujo nome quer dizer “desertos”, é uma banda de músicos Tuaregs do norte da África. O som mistura guitarras, percussão africana e ritmos árabes e norte-africanos. É uma música hipnotizante, quase um mantra, muito bonita e emotiva.

O grupo foi formado há mais de 30 anos e tem seis LPs. Os dois últimos, “Tassili” (2011) e “Emmaar” (2014) estão em altíssima rotação aqui em casa há meses. Veja o clipe da canção "Iswegh Attay”, do disco “Tassili”, com a letra traduzida para o inglês:

 

 

“Emmaar” foi o primeiro disco do Tinariwen gravado fora da África. Segundo o site da banda, os músicos tiveram de fugir do Mali depois de uma rebelião, na qual militantes islâmicos teriam sequestrado um integrante do grupo, e acabaram gravando nos Estados Unidos. O disco tem participação de alguns músicos americanos, como o atual guitarrista do Red Hot Chili Peppers, Josh Klinghoffer.

Aqui vai o clipe de “Arhegh Danagh”, uma das melhores faixas de “Emmaar”:

 

 

Nunca vi o Tinariwen ao vivo, só em vídeo, mas tive a sorte de ver dois outros expoentes desse tipo de som, o guitarrista Bombino (veja meu texto sobre Bombino aqui) e a banda Terakaft, e foram shows extraordinários.

Sei que o prazo está curto, mas torço para que algum promotor ou dono de casa de shows corra e traga o Tinariwen pra cá. Onde está o SESC nessas horas, não é mesmo?

P.S.: Estarei sem acesso à Internet até o fim da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência

The post POR FAVOR, ALGUÉM TRAGA ESSA BANDA AO BRASIL! appeared first on Andre Barcinski.

JACK WHITE E A MAIOR LENDA DO BLUES

$
0
0

27PARAMOUNT1 SPAN articleLarge JACK WHITE E A MAIOR LENDA DO BLUES

Sou fã de Jack White. O cara teve bandas ótimas - White Stripes, Raconteurs, Dead Weather - lançou discos solos muito bons, e investe grana em projetos musicais bacanas. Ele já pagou pela recuperação de velhos estúdios de gravação, doou dinheiro para a Fundação de Preservação de Discos da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e montou um selo, Third Man, especializado em lançamentos em vinil.

O mais recente projeto do Third Man é um verdadeiro tesouro arqueológico: "The Rise and Fall of Paramount Records (1917-1932)" duas caixas - uma de madeira, outra de metal - com 800 músicas cada, escolhidas do repertório da Paramount, uma gravadora lendária para amantes do blues, jazz e folk norte-americanos.

A história da Paramount é fascinante: a gravadora nasceu de uma fábrica de móveis, a Winsconsin Chair Company. No fim dos anos 1910, a empresa começou a fabricar grandes móveis de madeira com vitrola. Só havia um problema: não havia discos para tocar nas vitrolas.

A solução foi mandar uma equipe de técnicos viajar por todo o interior dos Estados Unidos, gravando qualquer músico talentoso que encontrassem. Por 15 anos, a empresa gravou milhares de artistas, a maioria de blues, folk e jazz, e acabou por reunir um dos maiores acervos de música afro-americana de todos os tempos. Entre eles, nomes que se tornariam famosos, como Blind Lemon Jefferson e Ma Rainey.

Outra descoberta da Paramount Records foi uma cantora e guitarrista chamada Elvie Thomas.  Em 1930 e 31, ela gravou, em parceria com outra cantora, Geeshie Wiley, três compactos para a Paramount, que se tornaram obsessões de colecionadores de blues por todo o mundo. Desses três discos, só restam um total de dez cópias das prensagens originais da Paramount. Ouça "Motherless Child Blues", de Elvie Thomas:

 

 

Ano passado, o jornal "The New York Times" publicou um artigo do escritor John Jeremiah Sullivan sobre sua busca por informações a respeito de Elvie Thomas. Se você lê inglês, clique aqui e leia agora. É um dos textos mais emocionantes sobre música que li em muito tempo. Se não lê inglês, tentarei resumir:

Assim como muitos outros colecionadores e pesquisadores de blues, Sullivan passou anos se perguntando quem eram Elvie Thomas e Geeshie Wiley. Não havia nenhuma informação sobre elas. Ninguém sabia ao certo onde haviam nascido, onde haviam gravado, e o que acontecera com elas. Não existia sequer uma foto de nenhuma das duas. Depois que o cineasta Terry Zwigoff usou uma música de Wiley - "Last Kind Words", com vocais de apoio e guitarra de Elvie - na trilha de "Crumb", o ótimo documentário sobre o cartunista Robert Crumb, o interesse pelas duas cresceu ainda mais.

Entra em cena um personagem único: Mack McCormick, um dos maiores pesquisadores e colecionadores do mundo sobre a história do blues.

Desde os anos 50, McCormick vem acumulando material - entrevistas, fotos, documentos, cartas - diretamente da fonte: os próprios bluesmen.

O sujeito era tão obcecado que conseguiu um emprego no Censo americano, para poder ter a chance de entrevistar muitas pessoas, e pediu para ser destacado para uma região específica do Texas, conhecida por sua imensa população de descendentes de escravos. McCormick acabou visitando quase 900 condados no Texas e arredores. Em todos, entrevistou velhinhos, cruzou informações, recolheu fotos e documentos e juntou um acervo tão gigantesco que ele próprio o batizou de "O Monstro".

Só havia um problema: McCormick aparentemente sofre de transtorno bipolar e tem uma incapacidade patológica de organizar sua coleção. Ele é um acumulador, não um organizador.

Em sua casa no Texas, McCormick, hoje um octogenário recluso, convive com dezenas de milhares de fotos e documentos, montanhas de papel e pilhas de fitas cassete com entrevistas, que ele nunca conseguiu investigar e ordenar a fundo. Por todo o planeta, fãs de blues o amaldiçoam por não dividir esse tesouro com ninguém.

Para se ter uma idéia da importância do material, basta dizer que McCormick tem fotos de Robert Johnson, o mitológico bluesman que vendeu a alma ao diabo numa encruzilhada do Mississipi, e só mostrou as imagens a uma pessoa, o escritor Peter Guralnick, biógrafo de Johnson e Elvis Presley. Até agora, só existem três fotos de Johnson no mundo (leia aqui uma matéria do "Guardian" sobre a terceira imagem, achada recentemente).

Voltando a John Jeremiah Sullivan: um dia, ele foi à casa de McCormick e mencionou Elvie Thomas. McCormick levantou-se, foi até uma sala lotada de velhas pastas e voltou com algumas folhas de papel datilografadas. Era uma entrevista com um velho bluesman do Texas em que ele citava uma grande guitarrista que havia conhecido: "L.V. Thomas". O nome verdadeiro da mulher era "L.V.", duas letras que, em inglês, soam "Elvie". Ninguém sabia nada sobre a artista porque ninguém nunca soubera seu nome verdadeiro.

De posse dessa informação, Sullivan começa uma investigação em cartórios, velhos documentos e registros públicos, e acaba descobrindo não só a história verdadeira de L.V. Thomas - nascida no Texas, lésbica e moradora de uma espécie de Cohab em Houston - mas também a identidade de Geeshie Wiley, que, na verdade, se chamava Lillie Mae.  A trilha chega a parentes de L.V. e termina em uma única foto da cantora, a solitária imagem de uma figura mitológica do blues, finalmente revelada.

tumblr n3zcszMbiu1rbwx2xo1 500 JACK WHITE E A MAIOR LENDA DO BLUES

P.S.: Estarei sem acesso à Internet até o fim da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência

The post JACK WHITE E A MAIOR LENDA DO BLUES appeared first on Andre Barcinski.

QUANDO “O SEXTO SENTIDO” ENCONTRA “TRUE DETECTIVE”

$
0
0

M Night Shyamalan1 550x3661 QUANDO O SEXTO SENTIDO ENCONTRA TRUE DETECTIVE

fukunaga3 QUANDO O SEXTO SENTIDO ENCONTRA TRUE DETECTIVE

Ontem, mediei um debate com M. Night Shyamalan, diretor de “O Sexto Sentido”, e Cary Fukunaga, diretor da série de TV “True Detective”. O evento aconteceu no Rio Content Market, uma grande feira de negócios de TV e cinema.

Shyamalam aproveitou para mostrar o piloto de sua nova série de TV, “Wayward Pines”, que estreia mundialmente em maio. É uma história de suspense e mistério sobre um agente do Serviço Secreto americano, interpretado por Matt Dillon, que investiga o sumiço de dois colegas. Pelo piloto, deu para perceber um toque de “Twin Peaks” ali...

Separei alguns trechos da conversa com os dois.

Diferenças entre trabalhar na cinema e TV

M. Night Shyamalan – Fiz dez filmes, e “Wayward Pines” é meu primeiro trabalho para a TV. Fui oferecido muita coisa antes, mas sempre recusei, ou porque não tinha gostado do roteiro, ou porque era só uma adaptação de um de meus filmes para a TV. Mas essa série me pegou desde que li o roteiro do piloto. Acho que a ficção na TV vive um grande momento. Antigamente, o cinema parecia um território mais livre e aberto a experimentações, mas hoje acho que esse papel é da TV. Você pega um filme como “Five Easy Pieces” (“Cada Um Vive Como Quer”, 1970), com Jack Nicholson, por exemplo: quando ele foi feito, os estúdios escolhiam os projetos baseados, primeiramente, na ideia dos filmes, e davam uma importância menor à “marketabilidade” deles. Na TV era o oposto: para aprovar um projeto, você precisava de grandes astros e um tema popular, e a ideia ficava meio que em segundo plano. Hoje a situação se inverteu: o cinema vive de pesquisas de mercado e marketing, e a TV está arriscando mais em projetos ousados.

Cary Fukunaga – Pra começar, a velocidade do trabalho em TV é muito maior. O ritmo de filmagem é insano. Em “True Detective”, tivemos 12 dias para filmar cada episódio, o que é muito pouco, se você pensar na quantidade de locações e externas. Mas adorei ter a possibilidade de trabalhar os personagens ao longo de oito episódios. Meu trabalho anterior tinha sido uma adaptação de “Jane Eyre”, um livro de 800 páginas que tive de condensar em duas horas. Em “True Detective”, tentei filmar como se fosse um filme de oito horas de duração, exibido em oito partes. Tive mais tempo e liberdade para explorar o mais importante para mim, que era a relação entre os dois detetives (Cohle, vivido por Matthew McConaughey, e Hart, por Woody Harrelson).

Preparação de atores

MNS – Fiz o mesmo que faço sempre: levei o elenco todo para minha casa e passamos muitos dias lá, ensaiando e construindo os personagens. Acho que esse processo é muito importante e não pode ser apressado. É preciso imaginar um passado para cada personagem e tentar chegar a uma forma ideal de interpretação para cada ator com seu personagem. Claro que ajuda muito ter atores excelentes, e nisso foi muito sortudo, com Matt (Dillon), Melissa Leo (“O Lutador”), Terence Howard (“Crash”, “Homem de Ferro”).

CF – Inicialmente, convidamos McConaughey para fazer o papel de Hart. Mas ele leu o roteiro e disse que queria fazer Cohle. Fiquei um pouco receoso, porque não me lembrava de ele ter feito um personagem tão estranho e sombrio daqueles. Precisamos lembrar que isso foi no início de 2012, antes dessa grande onda de papéis dele em “Killer Joe”, “Mud” e “Clube de Compras de Dallas”. Matthew era mais conhecido por papéis de galã e herói. Mas ele é um ator tão bom e um sujeito tão inteligente, que criou um personagem que surpreendeu a todos. Ele tinha pesquisado e refinado o personagem de tal forma que até eu me surpreendi com as coisas que ele trazia pro set todo dia. Já Woody veio por sugestão de Matthew, eles são melhores amigos. Na época, Woody tinha acabado uma produção longa, acho que foi "Jogos Vorazes", e tudo que queria era voltar pra Maui (Harrelson mora no Havaí) e fumar maconha. Mas Matthew o convenceu a aceitar. Quanto a ensaios e preparação, a verdade é que você nunca tem tempo de ensaiar para uma série de TV de muitos episódios, é impossível. O que fiz foi uma imersão de duas semanas com todo o elenco, buscando o tom certo para os personagens.

A importância do diretor numa série de TV

CF – Outro dia, ouvi um comentário sobre uma série de TV que teve cada episódio dirigido por uma pessoa diferente. A pessoa dizia que, naquele caso, os diretores pareciam mais guardas de trânsito do que cineastas, porque se limitavam a direcionar a narrativa em um sentido pré-estabelecido. Aquilo me deixou com mais certeza ainda de que nunca vou querer fazer isso. Se eu for colocar meu nome em um projeto, gosto de fazê-lo por inteiro.

MNS – Sei exatamente o que você quer dizer. Em “Wayward Pines” eu só dirigi o piloto, mas supervisionei todos os outros episódios, e deu um trabalho imenso conseguir uma unidade para toda a série. Chegou um momento em que fiquei inseguro com a direção que a série estava tomando. Sabe, eu nunca tinha feito TV antes, muitos atores do elenco também não, e achei que a coisa estava indo por um caminho que não era o ideal. Tive de marcar várias reuniões com todo o elenco e equipe para pôr as coisas nos trilhos.

Shyamalam fala sobre o humor em seus filmes:

MNS - Com exceção de “O Sexto Sentido”, que fiz numa época em que estava meio triste e querendo mostrar como eu era um diretor de cinema sério (risos), todos meus outros filmes têm senso de humor. Acho muito importante misturar cenas mais sombrias e assustadoras com alguns momentos leves e engraçados. Quando fiz “Sinais”, eu costumava assistir a “Tubarão” com a equipe. É um de meus filmes prediletos e tem o balanço ideal entre tensão e diversão. Até gosto de filmes mais violentos e sombrios, desses que parecem longas sessões de tortura, e é inegável que eles realmente mexem com o espectador, mas sempre preferi balancear o escuro com o claro.

Fukunaga fala do famoso plano-sequência de seis minutos de “True Detective”:

CF – Foi uma loucura fazer aquilo, mas era a cena final do episódio (o quarto da série), e achei que precisávamos de uma sequência impactante. A produção foi insana. Pedi dois helicópteros, dublês, um monte de figurantes. Conseguimos uma locação ideal, um bairro num conjunto habitacional, mas demoramos a conseguir a permissão, então tive de ensaiar e coreografar a cena toda em outro lugar. Fizemos 12 ou 13 tomadas, e até hoje não fiquei completamente satisfeito com a cena. Na parte em que Cohle está dentro da casa, eu pude parar algumas vezes e refazer, mas uma vez que ele sai da casa, só pude cruzar os dedos e torcer para que nada desse errado. Vendo hoje, acho que os dois caras (a 3m40s) entraram muito cedo em quadro, o que prejudicou o ritmo daquela cena de briga. Mas não deu pra repetir mais uma vez, estava todo mundo esgotado. Quando exigi que a cena fosse um plano-sequência, o produtor disse que aquilo custaria muito caro, mas respondi que, se filmássemos cena a cena, levaria quatro dias, então eu estava economizando dinheiro para a produção.

The post QUANDO “O SEXTO SENTIDO” ENCONTRA “TRUE DETECTIVE” appeared first on Andre Barcinski.

“SNIPER AMERICANO” É MAIS UMA BOMBA DE CLINT EASTWOOD

$
0
0

Não gosto de analisar filmes ou diretores por suas posições ideológicas. Grandes filmes já foram feitos defendendo causas abjetas (a obra da alemã Leni Riefenstahl, por exemplo), e diretores “de direita”, como Don Siegel, ou “de esquerda”, como Gillo Pontecorvo, podem ser igualmente talentosos.

Por isso, não me importei tanto com a patriotada rastaquera que é “Sniper Americano”. Era esperado. Clint Eastwood tem uma sensibilidade de elefante para tratar de questões mais delicadas. Clint é um maniqueísta: heróis são heróis, bandidos são bandidos, e não existe nada no meio. Na mão dele, personagens complexos como Nelson Mandela (em “Invictus”) viram figuras de cartolina, unidimensionais, verdadeiras máscaras de Carnaval.

Esse dualismo de Clint pode explicar o imenso sucesso de “Sniper Americano”. O grande público não gosta de complicação ou crises de consciência. O filme funciona na bilheteria justamente porque é um faroeste moderno, em que o bonitão, fortão e brancão americano cavalga - ou melhor, voa - até o território dos índios – no caso, o Iraque – pra mostrar aos bárbaros do que é feito o espírito americano. É, no fundo, ridículo, como parecem hoje todos os faroestes racistas de John Wayne e os filmes anticomunistas dos anos 50. O que não tira o brilhantismo de muitos desses filmes.

Um de meus “thrillers” prediletos é “Telefone” (1977), de Don Siegel, uma presepada americanóide da Guerra Fria em que Charles Bronson faz um oficial russo que caça um insano agente da KGB (o incomparável Donald Pleasence) pelos Estados Unidos, para evitar que este ponha em prática o plano de “acordar” dezenas de outros terroristas russos infiltrados no país, hipnotizados quando crianças para viver uma vida normal de americanos, e que só despertariam da hipnose ao ouvir um poema de Robert Frost. É um filmaço, mas de envergonhar até o Tio Sam. Pra começo de conversa, o filme parte do princípio que nenhum desses sujeitos jamais leria o poema de Frost por conta própria.

Voltando a “Sniper Americano”: o problema maior do filme é sua qualidade, não sua ideologia. O roteiro é fraco, os personagens, rasos, Bradley Cooper é um canastra e as cenas de ação são derivativas e iguais a centenas de outras que você já viu. A parte mais complexa e fascinante da vida do "sniper" - sua fracassada tentativa de readaptação ao cotidiano norte-americano - é mostrada aos pulos, com pressa, como uma novela de TV ou um telefilme. Fora que o abacaxi tem uma cena que põe qualquer filme brazuca dos anos 80, safra Embrafilme, no chinelo: a já mitológica sequência em que Bradley Cooper nana uma boneca de plástico.

Clint poderia ter explorado o fato de os Estados Unidos terem invadido um país por engano (atrás de "armas de destruição em massa" que Bush e Cheney sabiam não existir) e matado centenas de milhares (alguns falam em um milhão) de iraquianos, mas não era esse o objetivo (para isso, sugiro ver “The Hurt Locker”, criminosamente traduzido no Brasil por “Guerra ao Terror”). O que ele queria mesmo era reviver Dirty Harry, só que no Iraque e de uniforme.

Faça um exercício de imaginação: tente pensar em um filme com o mesmo roteiro de “Sniper Americano”, os mesmos diálogos, os mesmos cenários, os mesmos personagens, mas substitua Bradley Cooper por Chuck Norris, Stallone ou Dolph Lundgren. O resultado seria uma obra-prima do trash, que arrebataria todos os prêmios Framboesa de Ouro e viraria um clássico do cinema-testosterona como “Braddock 3 “, “Cobra” ou “Red Scorpion”.

E para alegrar a sexta-feira, aqui está a cena capital do filme, em que Bradley Cooper, catatônico como só ele, contracena com a melhor atriz do filme: Debbie, a boneca de plástico.

Bom fim de semana a todos.

The post “SNIPER AMERICANO” É MAIS UMA BOMBA DE CLINT EASTWOOD appeared first on Andre Barcinski.

ROCK IN RIO? NÃO, OBRIGADO!

$
0
0

O idealizador do Rock in Rio, Roberto Medina, tem uma frase que adora repetir: “O Rock in Rio é o maior festival de música e entretenimento do mundo”.

Medina tem razão. O festival não é apenas musical. Quem foi às últimas edições viu a Cidade do Rock transformada numa mistura de Disneylândia com shopping center: pessoas pagavam 300 mangos pra ficar seis horas na fila da tirolesa e ainda saíam de lá sorrindo depois de ganhar um brinde de uma fabricante de carros ou tirar um “selfie” com alguma subcelebridade do “BBB”.

A música, na verdade, não importa mais. Importa ter atrações tão imensas que agradem a todo mundo e garantam a lotação do evento. Tanto que o primeiro lote de ingressos esgota antes de anunciados os artistas.

O Rock in Rio é uma espécie de “fast food” da música. O negócio é escalar as bandas mais manjadas, tocando repertórios embolorados. Ninguém quer saber de novidade ou risco.

Na última edição do evento, houve uma overdose de tributos a ídolos mortos. Na “Folha”, escrevi:

“Capital Inicial homenageia Chorão, Champignon e Renato Russo. Detonautas, Zeca Baleiro e Zélia Duncan tocam Raul. Maria Gadú, Rogério Flausino, Bebel Gilberto e Ney Matogrosso cantam Cazuza. Maria Rita faz tributo a Gonzaguinha. Marky Ramone toca Ramones. Sebastian Bach revista sua ex-banda, Skid Row. Frejat canta Tim Maia. O Rock in Rio 2013 lembra o Dia dos Mortos, a tradicional festa mexicana que celebra aqueles que se foram. (...) se um festival apela tanto à música dos mortos, é porque há algo errado com a música dos vivos.”

Há uma coisa sobre o Rock in Rio que nunca entendi: se as atrações principais já são capazes de esgotar os ingressos, porque não trazer atrações mais alternativas e de qualidade para o palco secundário? Na verdade, entendo sim: porque o objetivo não é esse. O Rock in Rio não é pra quem gosta de música, mas pra quem gosta de Las Vegas e parques temáticos.

Em setembro, acontece outra edição do evento, que está sendo vendida como uma homenagem aos 30 anos do primeiro Rock in Rio.

O line-up, até agora, é uma piada: temos bandas boas, mas que praticamente moram no Brasil, como Metallica, Faith No More e Queens of the Stone Age; uma atração pra garotada (Katy Perry), outra pra publicitários (John Legend), uma para headbangers (System of a Down, que tocou no RiR em 2011) e uma para órfãos do anos 80 (A-ha).

E temos também as bandas cover, como The Hollywood Vampires, um “supergrupo” formado por Alice Cooper, Johnny Depp e Joe Perry (Aerosmith), que fará sua estreia no Rock in Rio. Segundo relatos, devem tocar músicas próprias e versões de clássicos de Stooges, Hendrix, Beatles, Doors... e Alice Cooper, claro. Deve ser triste.

Mas o pior é ler que o Queen voltará, com Adam Lambert nos vocais. Adam quem??? Confesso que apelei ao Google pra saber quem é Adam Lambert, e descobri que o cururu foi vice-campeão do “American Idol” de 2009. Belo currículo.

Estão abertas as apostas: que outros tributos a cadáveres Roberto Medina vai bolar? Seu Jorge canta Michael Jackson? Roberto Carlos interpreta Elvis? Ana Carolina ressuscita Janis Joplin? Sandra de Sá canta Whitney Houston?

De uma coisa tenho certeza: quando Adam Lambert fechar os olhos para cantar “Love of My Life”, o megaultrafodãotelãoHD do Rock in Rio vai mostrar a imagem de Freedie Mercury, sem camisa e com aquela calça de lycra cinco números menor que o recomendável, regendo a plateia no festival de 85. E algum atorzinho da Globo, escalado para comentar o evento, vai dizer como está tudo lindo e arrepiante. Tô fora.

The post ROCK IN RIO? NÃO, OBRIGADO! appeared first on Andre Barcinski.

PETROBRAS NÃO É VÍTIMA

$
0
0

petrobras PETROBRAS NÃO É VÍTIMA

Se levarmos em conta o que lemos em entrevistas e o que ouvimos nas ruas, a Petrobras, snif, snif, é uma virgem vestal que foi corrompida por homens maus e sem escrúpulos. A empresa, buá, buá, não teve culpa de nada e foi só uma vítima de armações malévolas dignas de novela de Janete Clair. Patético.

A Petrobras é tão culpada quanto os funcionários, políticos e empreiteiras que a saquearam. A empresa permitiu que a corrupção ocorresse e não fez nada para impedir. Seu controle interno não acusou o sumiço e desvio de bilhões de reais ou as estranhas “modificações” em projetos e obras.

A Petrobras tampouco usou, com as empreiteiras “amigas”, o “Performance Bond”, uma espécie de seguro, previsto no regulamento da empresa, que garante a execução das obras nos prazos e custos estipulados em contrato. Não usou porque não interessava a ninguém cumprir prazos e orçamentos.

As únicas vítimas dessa história são os acionistas da empresa, que viram seu patrimônio diminuir devido à roubalheira, e o povo, que viu seus impostos usados para sustentar a mamata e ainda paga uma das gasolinas mais caras do planeta.

A Petrobras não precisa que ninguém a defenda. Ela precisa é defender a si mesma. Qualquer tentativa de vitimizá-la não passa de jogo de cena.

Às vésperas da divulgação, pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dos nomes dos políticos envolvidos na Operação Lava-Jato, é importante acabar com esse “coitadismo” associado à Petrobras.

Se a empresa quiser começar uma nova fase em sua trajetória, marcada pela eficiência e lisura que faltaram até agora, a primeira providência seria assumir os erros. Até porque, ao que tudo indica, as delações da Camargo Correa vão abrir uma nova frente de denúncias, envolvendo agora a Eletrobras. E já é possível ouvir, à distância, os gritos de “Coitadinha da Eletrobras!” e “A energia elétrica é nossa!” ecoando por aí.

The post PETROBRAS NÃO É VÍTIMA appeared first on Andre Barcinski.

TRIBUTO A KIM FOWLEY, “REI DO LIXO”

$
0
0

Kim Fowley fuck you TRIBUTO A KIM FOWLEY, REI DO LIXO

Kim Fowley morreu em 15 de janeiro, aos 75 anos. Demorei para escrever sobre ele aqui no blog porque queria ler “Lord of Garbage”, primeira parte de sua autobiografia, lançada ano passado pela Kicks Books, editora da ex-batera do Cramps, Miriam Linna (aliás, que catálogo tem a Kicks, com títulos de Sun Ra, Royston Ellis, Nick Tosches e uma biografia de Bobby Fuller!).

“Lord of Garbage” começa em 1939, no nascimento de Fowley, e vai até o início dos anos 70. Fowley estava trabalhando na segunda parte quando foi diagnosticado com câncer na bexiga e não suportou. Espero que outra pessoa termine o livro, até porque a primeira parte é tão estrambólica e inacreditável que terminei a leitura achando que sabia menos sobre Kim Fowley do que antes.

A imaginação de Fowley é, para dizer o mínimo, surpreendente: o que dizer de um parágrafo assim:

Kim Fowley falava aos dez meses de idade e lia e escrevia com um ano e meio (...) minhas primeiras palavras, antes de completar um ano, não foram “Mama” ou “Papa”, mas “Eu tenho uma pergunta: por que vocês são maiores que eu?

A trajetória artística de Fowley se confunde com a história da música pop da segunda metade do século 20. Ele compôs ou produziu alguns dos compactos mais legais do pop – “Alley Oop” (The Hollywood Argyles), “Nut Rocker” (B. Bumble and the Stingers) e “Papa-Oom-Mow-Mow” (The Rivingtons) – montou bandas falsas com músicos de estúdio e trabalhou com Cat Stevens, Frank Zappa, Slade e Jonathan Richman, além de ter criado o grupo pré-punk feminino The Runaways e ser o co-autor de “Do You Love Me” e “King of the Night Time World”, do Kiss.

Foi amigo e parceiro de Alan Freed, o radialista que popularizou a expressão “rock and roll” (e que morreu de tanto beber depois de perder o emprego e o respeito por seu envolvimento com o jabá nas rádios) e companheiro de balada de P.J. Proby e Brian Jones. Conheceu os beats, os hippies, os glams e os punks.

“Lord of Garbage” não é um testemunho jornalístico dos mais confiáveis. Fowley tem um ego do tamanho do rombo da Petrobras e uma memória, digamos, "seletiva". O texto passa batido por passagens que poderiam ser inesquecíveis e se estende demais em louvações a amigos e detonações a inimigos. Um bom jornalista faria um livro extraordinário com o material, em mais uma prova de que não basta ter muita história pra contar, é preciso saber contá-las (e quem leu a horrorosa autobiografia de André Midani sabe o que estou falando).

De qualquer forma, "Lord of Garbage" tem passagens de pura poesia pop. Que tal: “Sim, eu trabalhei para P.J. Proby. Eu fui o bobo da corte, o mestre de cerimônias, ocasional produtor-fantasma e sedutor. Brian Jones, Graham Nash, Lulu, todos frequentavam a casa. Nós éramos Super-Homens do Esperma (“Sperm Supermen”). A vida era boa”.

Vi Kim Fowley uma vez, num show de Brian Setzer no clube Roxy, em Los Angeles. A figura era exatamente o que eu imaginava: estranha, toda de preto e cara de poucos amigos. Usava uma bengala, resultado da poliomielite que contraiu na infância, e andava pelo Roxy como um rei, bajulado por todos. Ali, entre rockabillies, punks, bikers e figurinhas carimbadas do jet set rocker angeleno, todo mundo batia continência para o Rei do Lixo.

Veja aqui uma entrevista – em inglês – com Fowley.

 

 

P.S.: Estarei fora até o início da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.

The post TRIBUTO A KIM FOWLEY, “REI DO LIXO” appeared first on Andre Barcinski.


THE SONICS: PUNK ANTES DO PUNK

$
0
0

 

O grupo The Sonics está completando 55 anos. E é com mais de meio século de atraso que desembarca no Brasil, para um show único em São Paulo, no clube Audio. Bati um papo com o saxofonista da banda, Rob Lind. Aqui vai a entrevista:

 

- Quando o Sonics acabou, em 1968, vocês culparam o desinteresse do público por sua música. Hoje, no entanto, muitas bandas copiam vocês. O que aconteceu?

- (Rindo) Pois é, também foi uma surpresa para nós. Não sei se estávamos muito adiantados para a época, ou se nossa música era muito agressiva, mas o fato é que ninguém, especialmente nos Estados Unidos, queria saber de nós. Acabou que a banda se separou no fim dos 60 e cada um foi cuidar de sua vida.

 

- Mas você não percebeu, ao longo dos anos, como o som do Sonics influenciou todo mundo, de Iggy Pop a Ramones  e Nirvana?

- Sim, eu ouvia bandas novas citando a gente, mas foi só depois que voltamos a tocar juntos, em 2007, que percebi como éramos influentes. Começamos a excursionar pelo mundo todo e vimos as bandas novas falando como amavam nosso som. Meus amigos do The Hives, por exemplo, se inspiraram muito em nós.

 

- "Se inspiraram" é bondade sua. O Hives copia vocês descaradamente.

- (Rindo) Bom, isso é você quem diz. Eu prefiro dizer que se inspiraram em nós.

 

- Por que você acha que o público norte-americano não ligava pro Sonics?

- Olha, os Hives, que são suecos, dizem que os garotos europeus são bem mais informados sobe música do que os americanos. Eles lêem muito sobre as bandas de que gostam e procuram saber tudo sobre elas. Talvez, por isso, a gente seja bem mais famoso na Europa do que em casa.

 

- Como era a vida de vocês quando formaram a banda?

- Somos todos de famílias de classe média baixa de Tacoma (cidade a 50 km de Seattle, no estado de Washington). Meu pai operava um guindaste para uma madeireira. É importante mencionar isso, porque muita gente nos associa a Seattle, mas a verdade e que existia um abismo entre as cenas musicais de Seattle e Tacoma. Seattle era mais rica e o pessoal tinha mais dinheiro e bom gosto, todo mundo era ligado em jazz. Nós éramos uns broncos e só ouvíamos o lado mais selvagem do rock, como Jerry Lee Lewis e Little Richard. Foram esses caras que nos influenciaram.

 

- Você chegou a ver esse heróis do rockabilly e dos primórdios do rock'n'roll  ao vivo?

- Não. Naquela época, viajar não era fácil, não é que nem hoje, com centenas de vôos todos os dias. Tacoma era um lugar isolado, no meio do nada, ninguém ia pra lá. Pra não dizer que não vi ninguém, lembro ter visto um show de Chubby Checker, o rei do twist.

 

- A música de vocês é muito rápida e agressiva para a época. Como vocês criaram esse estilo?

- Acho que tentando tocar, cada vez mais rápido, as músicas de nossos ídolos, Jerry Lee e Little Richard. Na verdade, a gente não sabia tocar muito bem e, quando não se sabe tocar, a tendência é acelerar tudo. Mas havia outro fator: quando começamos, tocávamos em rinques de patinação e feiras. Fazíamos três shows por noite, mas era só música de fundo, ninguém estava prestando atenção de verdade em nós. Aquilo nos enfurecia. Um dia, falamos: quer saber? Vamos tocar o mais alto e rápido possível, assim todo mundo vai parar o que estiver fazendo e prestar atenção. E foi o que fizemos.

 

- As letras de vocês, como "Strychnine" e "Psycho", também são ousadas para o início dos 60, falando de drogas e problemas mentais. Vocês usavam drogas na época?

- Não, mas bebíamos como peixes. Mas Gerry (Roslie, cantor e principal letrista da banda) tinha uma baita imaginação e também sabia como fazer uma letra que chamasse atenção. Ele tinha um grande talento pra causar polêmica.

 

- Vocês lançaram o primeiro disco em 1965, bem no meio da "Invasão Britânica" de Beatles, Stones e Kinks. Você chegou a tocar com essas bandas?

- Sim, excursionamos com os Kinks em 1965 ou 66, nos Estados Unidos. Era minha banda predileta. Lembro o dia em que ouvi "You Really Got Me" pela primeira vez. Eu estava no carro, liguei o rádio e ouvi aquele riff de guitarra espetacular. Pensei: "Meu Deus, esse é o som mais lindo que já ouvi em toda minha vida!" Depois ficamos amigos de Ray (Davies, do Kinks). Ele gostava muito de nós. É um de meus compositores prediletos. Acho "Waterloo Sunset" uma das maiores músicas do rock em todos os tempos.

 

- É verdade que você pilotou aviões na Guerra do Vietnã?

- É sim. Depois que larguei a banda, virei piloto de aviões e fui pro Vietnã.

 

- Você participou de muitos combates?

- Felizmente, não. Aquilo era um horror, eu só queria saber de voltar logo pra casa. Voei bastante pelo Pacífico, mas mais na retaguarda, transportando carga e soldados. Mas tenho uma história boa da guerra: estávamos numa boate uma noite, quando uma banda local começou a tocar músicas americanas. Eu estava com outros oficiais americanos, já tínhamos bebido bastante, e um amigo disse: "Rob, você não toca saxofone? Sobe lá e toca com os caras!" Ninguém na boate sabia quem eu era e muito menos conhecia o Sonics, mas acabei tocando com a banda da casa. Só não me pergunte o que eu toquei. Eu tinha bebido tanto que não lembro.

The post THE SONICS: PUNK ANTES DO PUNK appeared first on Andre Barcinski.

OLIMPÍADAS: UM MAU NEGÓCIO

$
0
0

beijing OLIMPÍADAS: UM MAU NEGÓCIO

Não discuto mais: da próxima vez que um amigo ou parente começar a elogiar a Copa e as Olimpíadas, a falar em "legado" e em como esses eventos ajudam o turismo e a economia, vou presenteá-lo com uma cópia de "Circus Maximus", novo livro do jornalista e economista norte-americano Andrew Zimbalist, lançado pela editora Brookings Institution Press.

Zimbalist é especialista em finanças do esporte e estuda a economia de grandes eventos esportivos há mais de 20 anos. Ele pesquisou dados sobre todas as Copas do Mundo e Olimpíadas de verão e inverno, e chegou a conclusões que a gente já desconfiava, mas não tinha como provar: esses eventos, com raríssimas exceções, só beneficiam a FIFA, o COI e grandes empresas, como empreiteiras, construtoras e fornecedoras de serviços. Os países-sede, invariavelmente, acabam com dívidas imensas que se arrastam por décadas e comprometem a economia local.

circus OLIMPÍADAS: UM MAU NEGÓCIO

"Ah, mas as Olimpíadas de 92 foram ÓTIMAS para Barcelona!", dirão alguns. E foram mesmo. Mas é importante analisar as circunstâncias daquele evento. As Olimpíadas não foram o início do processo de recuperação econômica e turística de Barcelona, mas sua coroação, a cereja no bolo de um projeto que já vinha acontecendo desde 1976.

Dos 37 estádios, ginásios e estruturas esportivas usadas nas Olimpíadas de Barcelona, 27 já estavam prontos e cinco em construção antes de a cidade ser escolhida sede dos jogos, em 1986. "Nesse caso", escreve Zimbalist, "o plano precedeu os jogos".

Do total gasto no evento, cerca de 11,5 bilhões de dólares (a Copa de 2014 nos custou entre 15 e 20 bilhões), mais de 60% vieram da iniciativa privada. E o plano da cidade incluiu a ampliação de estradas, a extensão dos sistema de metrô e trens, a renovação e ampliação do aeroporto e a modernização dos sistemas de água e esgoto.

Zimbalist explica, em números e dados, como o COI, a FIFA e os países-sede inflam expectativas de lucro para justificar as fortunas gastas. Ele conta também que a teoria do "legado" - os benefícios que ficariam para os países após os eventos - foi inventado pelo COI no início dos anos 2000, quando muitos países começaram a questionar as contas e perceber que aquilo não era um negócio tão bom.

Os casos de mau uso de dinheiro público são muitos, e não só no Brasil: em Nagano, no Japão, sede das Olimpíadas de inverno de 1998, o estádio olímpico foi transformado em estádio de beisebol, mas a cidade não tem time pra jogar lá. A vila dos atletas das Olimpíadas de inverno de Vancouver, no Canadá, que seria vendida após o evento para uma construtora, foi devolvida à cidade por falta de pagamento e acumula um prejuízo de 300 milhões de dólares.

Em Atenas, 21 das 22 estruturas erguidas para as Olimpíadas de 2004 estão completamente abandonadas, e metade dos 2300 apartamentos da Vila Olímpica estão desocupados. Um estádio de softball de 20 mil lugares foi invadido pela vegetação. Na Rússia, Putin rasgou de 50 a 70 bilhões de dólares para tentar transformar um balneário decadente, Sochi, em grande destino turístico.

Não podemos esquecer o Ninho do Pássaro, o nababesco estádio olímpico de Pequim, que custou 460 milhões de dólares para ser construído e ainda custa 10 milhões por ano de manutenção, e virou uma decadente atração turística da cidade. Ou os estádios abandonados da África do Sul, que perigam ser demolidos para acabar com seus exorbitantes custos de manutenção.

Zimbalist destrói a teoria segundo a qual esse eventos aumentam o turismo nos países. O que ocorre, geralmente, é o oposto: o tráfego de turistas internacionais que visitam um país por causa da Copa ou Olimpíadas é, muitas vezes, inferior ao número de turistas em um ano qualquer, e os altos preços de hotéis e restaurantes afugentam também os turistas locais. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil, ano passado.

Pior: estatísticas mostram que,  nos anos seguintes aos eventos, o número de turistas não sobe, mas cai. Em Sydney, sede das Olimpíadas de 2000, o número de turistas caiu por três anos seguidos após os Jogos, enquanto o turismo na vizinha Nova Zelândia começou a subir absurdamente.

Zimbalist terminou o livro em 2014 e não teve tempo de analisar a fundo as implicações econômicas da Copa no Brasil. Espero que ele faça uma segunda edição de "Circus Maximus", quem sabe em 2017, listando todos os elefantes brancos, roubos e mentiras de nossa Copa e Olimpíadas. A despoluição da Baía da Guanabara, prometida pelo então governador do Rio, Sérgio Cabral - e por seu vice, Pezão  - Zimbalist já pode anotar no caderninho.

E um agradecimento especial ao leitor Carlos, que me indicou o livro. Valeu demais.

P.S.: Estarei fora por boa parte do dia e impedido de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.

The post OLIMPÍADAS: UM MAU NEGÓCIO appeared first on Andre Barcinski.

TCHAU, PINHEIROS, ATÉ NUNCA MAIS!

$
0
0

vice trend guide 468x313 TCHAU, PINHEIROS, ATÉ NUNCA MAIS!

A melhor maneira de atestar as mudanças na paisagem de um bairro é ficar um bom tempo sem passar por ele e, de repente, voltar ao local. Foi o que aconteceu esses dias, quando passei em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, onde morei.

Fazia uns cinco anos que não andava pelo bairro. A sensação foi estranha. Esquinas não pareciam as mesmas. Prédios de vidro, quase todos com nomes franceses ou italianos - "Residence", "Spazio" - ocupavam os lugares de sobrados. O barbeiro tinha mudado do bairro há dois anos. Seu ponto foi ocupado por uma pequena "coffee shop" que, a julgar pelo preço de um cafezinho, deve servir um grão importado da Malásia e moído artesanalmente por pigmeus albinos de Sumatra.

Quando recordam seus bairros, as pessoas costumam descrevê-los em versões lúdicas e idealizadas. Em nossos delírios proustianos, nosso cafofo era um lugar com ares de interior, em que vizinhos davam bom dia, pássaros gorjeavam em árvores frondosas e o padeiro sabia o nome de todos os clientes.

Não farei o mesmo com Pinheiros. O lugar que conheci estava longe de ser perfeito. Era um típico bairro de classe média, sem grandes luxos e com os mesmos problemas de qualquer esquina de São Paulo: trânsito, sujeira e especulação imobiliária. Mas a região de Pinheiros que mais frequentei, um quadrilátero formado pelas ruas Pinheiros/Cardeal Arcoverde e Pedroso de Moraes/Francisco Leitão, tinha um certo charme, com vendedores de rua que estavam no lugar há décadas e pequenos comércios - barbeiros, botecos, lojas de material de construção, floristas - atendendo a antigos moradores.

Por isso, foi  um choque voltar à rua dos Pinheiros, olhar para uma esquina e imaginar que eu estava na Vila Olímpia.

Por todo o bairro, abundam lojinhas bacanudas. Nas vitrines, palavras como "orgânico", "lounge", "vegan", "handmade", "sommelier", "vintage" (quase sempre pronunciado "vin-têi-je"), "stylist", "street" e, claro, a maldita "gourmet", um carimbo pestilento que transforma picolé em paleta, tilápia em Saint Peter, kombi do dog em food truck e bolinho em cupcake.

Andando pelo bairro, passei por um "Bike Cafe". Que diabos é um bike cafe? Um lugar onde você pode tomar seu espresso enquanto pedala? Uma loja que vende capacetes com uma máquina de cappuccino embutida?

A padaria, a exemplo de tantas outras em São Paulo, mudou de layout, botou piso e mobília de saguão de aeroporto, instalou catracas e meia dúzia de TVs de plasma e vestiu as coitadas das funcionárias como mucamas de "E o Vento Levou".

E a ótica, que virou "Eyewear"? E a loja de bombons, que se define como "Chocommelier"? Não está longe o tempo em que gastroenterologistas exigirão ser chamados de cocommeliers.

Quando uma cidade deixa um prédio de 30 andares ocupar o lugar de seis ou sete sobrados, não causa só os problemas mais óbvios, como trânsito, falta de vagas para automóveis e aumento no preço de aluguéis, mas desfigura também o comércio local. O bairro passa a ter uma habitação transitória, e o comércio muda completamente de figura. O boteco que servia 30 PFs por dia é substituído por um restaurante a quilo que serve 300; a casa da Dona Maria é demolida e vira estacionamento; o alfaiate perde todos os fregueses e vende o ponto para uma temakeria. Os lojistas não têm uma história com o local e a alma do bairro se vai, enquanto os preços triplicam.

Os frequentadores do bairro, claro, também mudam. No caso da rua Pinheiros, virou uma sucursal do Brooklyn (o de Nova York, não de SP), só que com oito ou dez anos de atraso. É um pessoal descoladex, que anda de bike, adora pandas, gasta 400 mangos em sessões de meditação e tem na varanda do apê de 40 metros um vaso de cenouras orgânicas.

O bairro acabou. Já era. Passa pro próximo. Engula um panini de tofu e conforme-se, que esse fenômeno não tem volta.

Só uma coisa me deixa curioso: quanto tempo a Tubolândia Materiais de Construção resistirá, ilhada nesse oceano de hipsterismo?

Boa sorte pra ela.

P.S.: Estarei fora o dia todo e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência. 

The post TCHAU, PINHEIROS, ATÉ NUNCA MAIS! appeared first on Andre Barcinski.

JÁ EXISTIU UM LIVRO MAIS BONITO QUE ESTE?

$
0
0

velhoemar JÁ EXISTIU UM LIVRO MAIS BONITO QUE ESTE?

Se você quer incentivar um adolescente a ler bons livros, sugiro presenteá-lo com uma cópia de "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. A vida dele mudará para sempre. Sei disso porque a minha mudou quando ganhei o livro, há mais de 30 anos.

Dia desses, para passar as horas em uma tediosa viagem de ônibus, decidi reler a história pela enésima vez. Continua tão emocionante como da primeira leitura.

"O Velho e o Mar" foi o último romance de Hemingway. Ele começou a escrever em 1951, em Cuba. O livro saiu no ano seguinte e ganhou o Pulitzer em 1953, oito anos antes de Hemingway se matar com um tiro de rifle.

É um livro curto - pouco mais de 120 páginas - e que pode ser lido em menos tempo do que você gasta vendo um filme de Michael Bay. É difícil imaginar algo mais proveitoso para fazer com duas ou três horas da sua vida.

hemingway JÁ EXISTIU UM LIVRO MAIS BONITO QUE ESTE?

O personagem principal de "O Velho e o Mar" é um pescador octogenário chamado Santiago. Quando a história começa, Santiago está em meio a uma onda de azar, sem capturar um peixe há 84 dias. Seu pupilo e amigo, o jovem Manolin, é forçado pelos pais a abandonar o mestre e vai pescar com outro barco. Numa madrugada, Santiago sai sozinho pelas águas da costa cubana, torcendo para acabar com sua maré de azar.

A sorte muda para Santiago no 85o dia, quando ele fisga um marlim gigante. O peixe é tão poderoso que arrasta a canoa de Santiago por dois dias e duas noites na direção do horizonte.

Quase a totalidade da história é passada dentro da canoa. O velho pescador e o peixe começam uma batalha mental para derrotar o adversário. Santiago analisa a angulação da linha no mar e a velocidade da canoa para tentar adivinhar o grau de cansaço do peixe. Já este faz de tudo para se livrar do anzol: muda de rota, dá saltos espetaculares e busca águas mais profundas para tentar afundar a canoa.

Não vou contar mais. Leia. Você vai agradecer depois.

"O Velho e o Mar" talvez seja o trabalho em que Hemingway levou mais a ferro e fogo o seu "Princípio do Iceberg", uma teoria segundo a qual o que não é dito numa história pode ser tão importante quanto o que é dito.

Escreveu Hemingway: "Se um autor de prosa conhece suficientemente o tema sobre o qual está escrevendo, ele pode omitir certas coisas que sabe, e o leitor, se o escritor estiver escrevendo de maneira verdadeira, vai sentir essas coisas tão fortemente quanto se o escritor as tivesse escrito. A dignidade do movimento do iceberg só existe porque apenas um oitavo dele está fora d'água. Um escritor que omite coisas porque não as conhece apenas cria lugares vazios em sua escrita."

O personagem de Santiago é uma criação genial dessa teoria. Hemingway não gasta muito tempo descrevendo-o e não conta o seu passado, deixando muito à imaginação do leitor. Mas há pelo menos duas passagens extraordinárias em que o pescador recorda fatos de sua vida. Na primeira, ele conta a Manolin sobre leões que viu em uma viagem à África. Na segunda, está falando sozinho, extenuado pelo esforço de sua batalha contra o peixe, e recorda outra batalha, uma queda de braço de 24 horas que teve com "o grande negro de Cienfuegos".

Essas duas imagens - os leões que Santiago vê de cima do mastro do navio e o negro imenso com quem ele passa um dia medindo força - já renderiam, sozinhos, dois livros inteiros e fazem o leitor pensar em quem é esse tal de Santiago. De onde veio? Em que acredita? Como terminou a vida pescando sozinho numa canoa?

Quando li "O Velho e o Mar" pela primeira vez, curti mais a "aventura" da história, a narrativa de um velhinho brigando contra um peixe de seis metros, as descrições emocionantes das criaturas marinhas com quem Santiago se depara e dos perigos que ele enfrenta no mar. Com cada releitura, o texto foi mudando de significado, e comecei a perceber coisas e sensações que não havia percebido antes. Talvez o iceberg esteja, pouco a pouco, se revelando.

P.S.: Estarei fora o dia todo e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência. 

The post JÁ EXISTIU UM LIVRO MAIS BONITO QUE ESTE? appeared first on Andre Barcinski.

A SABEDORIA DE PAULO JOSÉ

$
0
0

Cassy Jones  A SABEDORIA DE PAULO JOSÉ

Paulo José tem 77 anos e um currículo invejável no cinema e na TV. O Mal de Parkinson, que o debilita há 20 anos, só agora parece ter freado sua carreira.

A entrevista que o ator deu ao jornal "O Globo", dias atrás, é uma raridade: um artista brasileiro, essa classe tão afeita ao corporativismo e à bundamolice, falando o que pensa sobre nosso cinema. Algumas frases:

"Penso, com pessimismo, que o cinema brasileiro continua a fazer o pior cinema brasileiro do mundo."

"[A produção nacional] é horta devastada, muita terra e dois pés de mandioca”.

"Estou há 50 anos nesse ofício. Fiz filmes muito melhores do que os de agora. Parece que os diretores descobriram o macete de transformar um roteiro incipiente num filme medíocre, uma história banal conduzida por personagens igualmente banais. Há uma mistura ótima para o sucesso: atores e atrizes da TV fazendo caretas nas cenas de riso, vertendo lágrimas nas de emoção — dispara. — A indigência aumenta quanto mais se quer captar uns trocados da Lei Rouanet. Não é um cinema honesto. Falo de um modo geral. Ainda há quem faça cinema por necessidade de expressão, mas são poucos.

Concorde ou não com Paulo José, acho entrevistas assim necessárias.

O Brasil é um país infantilizado, que não sabe discutir e onde qualquer atrito vira briga de jardim de infância.

Estamos em uma das mais graves crises políticas de nossa história recente, e cadê nossa classe artística? Alguém viu UM debate interessante sobre o tema? Cadê as grandes polêmicas?

Um dos maiores atores brasileiros diz o que diz sobre o cinema brasileiro, e não há repercussão? Alguém concorda? Alguém discorda? Ninguém xinga Paulo José? Ninguém o elogia?

Se Bob Dylan viesse a público dizer que a música norte-americana era um lixo ou Ettore Scola detonasse o novo cinema italiano, garanto que estariam pipocando, em seus respectivos países, mil debates e discussões sobre o tema.

O Brasil nem sempre foi assim. Pesquisei bastante sobre a música brasileira dos anos 70 e 80 para meu livro mais recente, "Pavões Misteriosos", e fiquei surpreso com a ferocidade dos debates e discussões sobre música. Ronaldo Boscoli metia o pau em Nelson Ned, que reclamava da Rede Globo; Ney Matogrosso espinafrava Chacrinha; Odair José criticava a CBS por querê-lo fazer imitar Roberto Carlos; Elis Regina e Gil iam a passeatas contra a guitarra elétrica e eram criticados por Nara Leão...

Hoje as coisas mudaram: nossos artistas deitaram em berço esplêndido e vivem num país tropical e bonito por natureza, onde o legal é ser odara e achar tudo lindo.

Que bom que tem uns Paulos Josés de vez em quando pra bagunçar essa mesmice.

P.S.: Estarei fora o dia todo e só conseguirei moderar comentários no fim da tarde. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência. 

The post A SABEDORIA DE PAULO JOSÉ appeared first on Andre Barcinski.

Viewing all 575 articles
Browse latest View live