Se você gosta de histórias da “época de ouro” de Hollywood, fofocas de bastidores sobre astros do cinema e “causos” inacreditáveis envolvendo gente como Chaplin, Hitchcock, Carole Lombard, Rubinstein, Garbo, Marilyn, Dietrich, Fritz Lang, Clark Gable e outros, precisa ler este livro: “My Lunches With Orson: Conversations Between Henry Jaglom and Orson Welles”.
Henry Jaglom é um cineasta e dramaturgo norte-americano. Em 1971, quando fez seu primeiro filme, “A Safe Place”, teve a ideia louca de convidar Orson Welles – seu ídolo, então passando por uma fase negra na carreira, sem conseguir completar um filme e escorraçado por estúdios e produtores – para atuar. A fase era tão braba que os dois últimos filmes de Welles, "F For Fake", de 1974, e "Filming Othello", de 1978, este feito para a TV alemã, passaram rapidamente pelos cinemas e foram ignorados pelo público. Welles diz: "Ninguém nos Estados Unidos viu 'F for Fake'".
Welles era conhecido por seu mau humor e explosões de fúria, e a chance de aceitar trabalho no filme de um principiante era quase nula. Mas Jaglom era tão cara de pau, e insistiu tanto, que Welles aceitou.
Os dois se tornaram amigos. Jaglom virou uma espécie de assistente e confidente, e tentou conseguir financiamento para vários projetos do criador de “Cidadão Kane”, mas fracassou. Ninguém queria saber de Orson Welles.
Welles e Jaglom costumavam almoçar juntos toda semana no Ma Maison, um pequeno bistrô francês em Los Angeles, point do pessoal de cinema. Welles tinha uma memória de elefante e deixava Jaglom vidrado com as histórias que contava. Jaglom sugeriu gravar as conversas. Welles concordou, contanto que o gravador ficasse escondido numa bolsa, para que ele não se sentisse intimidado a contar os casos mais picantes e proibidos.
Em 1983, Jaglom começou a gravar todos os papos entre os dois. Mas a morte de Welles, em 1985, deixou Jaglom deprimido. As fitas ficaram guardadas numa caixa por mais de 25 anos, até que Peter Biskind, autor de “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’Roll Salvou Hollywood”, livro já clássico sobre a geração de Coppola, Friedkin, Scorsese e Bogdanovich, convenceu-o a transcrever as conversas. O resultado é, sem exagero, um dos livros mais divertidos e reveladores sobre Hollywood.
Welles conhecia todo mundo. Basta Jaglom citar um ator ou diretor famoso para ele disparar alguma história bizarra e inesquecível.
Chaplin?
Welles considerava Chaplin um gênio egocêntrico e inseguro. Diz que Chaplin fingia escrever filmes sozinho, mas tinha seis roteiristas para ajudá-lo. Welles jura que não só deu a ideia para a comédia “Monsieur Verdoux” (1947), dirigida por Chaplin, como escreveu todo o roteiro. Mas Chaplin não sabia dividir méritos com ninguém, e comprou o script por uma mixaria. “Eu disse: Charlie, me pague quanto você acha que vale, e ele me deu 1500 dólares. Era o filho da puta mais sovina que já conheci!” Welles diz ainda que Buster Keaton era muito mais talentoso que Chaplin, e que este sabotou a montagem da cena dos dois em “Luzes da Ribalta” – a única vez em que os dois gênios da comédia atuaram juntos – para não mostrar que havia levado um banho de Keaton.
Jean Renoir?
“'A Grande Ilusão' é um dos três ou quatro melhores filmes já feitos, choro toda vez que assisto. Mas quando não estava inspirado, como em ‘O Rio’, era tão ruim a ponto de parecer amador.”
Woody Allen?
“Não consigo nem conversar com ele. Ele tem a doença de Chaplin: uma combinação de arrogância e timidez que faz meus dentes rangerem. Como todas as pessoas com personalidades tímidas, sua arrogância é ilimitada. Todo mundo que fala baixo e se encolhe em público é inacreditavelmente arrogante. Ele age como se fosse tímido, mas não é. Ele é assustado. Ele se odeia e se ama ao mesmo tempo, uma situação muito tensa. São pessoas como eu que precisam sempre fingir ser modestas. (...) Tudo que Allen faz na tela é terapia para si mesmo, e odeio isso.”
Arthur Rubinstein?
“O maior garanhão do século 20. Comeu todo mundo. Nunca praticava, dizia que era muito preguiçoso para praticar, e que gente como (Vladimir) Horowitz tocava bem melhor que ele. Uma noite, eu estava nos bastidores do Albert Hall vendo Arthur tocar. Ele terminou, e a plateia levantou para aplaudi-lo. Ele passou andando por mim e disse: ‘Gozado, eles aplaudiram tão alto quinta-feira passada, quando eu toquei bem.’”
Hitchcock?
“Ah, ‘Os 39 Degraus’ é uma obra-prima, mas os filmes dele pioraram muito depois que foi pros Estados Unidos. Virou um egoísta e preguiçoso. E todos os filmes americanos de Hitchcock parecem feitos pra TV. Assim que ele começou a usar cor, parou de olhar pelo visor da câmera. Um dos piores filmes que vi na vida foi ‘Janela Indiscreta’. Tudo naquele filme é estúpido, uma completa falta de sensibilidade para uma história sobre voyeurismo. E o mais incrível é que Hitchcock conseguiu fazer de James Stewart um canastrão. Até a Grace Kelly está melhor que o Jimmy.”
A verve de Welles é impressionante. Ele fala, de improviso, frases que parecem tiradas de um romance. Uma das melhores: “Odeio ler livros sobre mim, porque tendo a acreditar em tudo de ruim que falam que sou.”
E as histórias são demais: o avião em que estava Carole Lombard, mulher de Clark Gable, e que se espatifou perto de Las Vegas, em 1942, matando todos os 22 passageiros, não caiu por acidente, mas foi alvejado por tiros disparados por simpatizantes nazistas infiltrados nos Estados Unidos; Emilio “Indio” Rodriguez, cineasta mexicano conhecido por ter posado nu de modelo para a estatueta do Oscar, deu um tiro em um crítico que malhou um de seus filmes; Elia Kazan fez “Sindicato de Ladrões” (1954), em que o personagem de Marlon Brando testemunha contra seus ex-amigos do sindicato, para justificar o fato de ele próprio, Kazan, ter denunciado supostos simpatizantes comunistas nos Estados Unidos.
As conversas entre Welles e Jaglom foram publicadas na íntegra, incluindo até as gozações que os dois fazem com garçons do restaurante e comentários sobre pessoas em outras mesas. Welles é, por vezes, hilariante, mas também exibe um ego do tamanho de um hipopótamo.
Em certo momento, Richard Burton e Elizabeth Taylor estão numa mesa próxima. Burton se aproxima para cumprimentar Welles. “Orson, como vai? Há quanto tempo! Elizabeth está ali na mesa e queria muito conhecê-lo, ela é sua fã. Posso trazê-la aqui?” E Welles, que achava Elizabeth Taylor uma atriz de quinta, manda na lata: “Você não percebeu que estamos almoçando? Eu passo na sua mesa quando for embora!"
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