Tem alguns filmes que ficam guardados em um canto escuro de sua memória. Você passa anos sem lembrar que eles existem, até que, subitamente, reaparecem.
Dia desses, estava olhando uma lista de lançamentos em DVD, quando um título me chamou a atenção: “Onde Passaremos as Férias”, uma comédia italiana em episódios, dirigidos por Mauro Bolognini, Luciano Salce e Alberto Sordi.
O filme é de 78. Devo tê-lo assistido em 86 ou 87, numa mostra de cinema italiano no Cineclube Estação Botafogo, no Rio. Não lembro muito sobre os dois primeiros episódios, de Bolognini e Salce, mas o terceiro, “As Férias Inteligentes”, dirigido e estrelado por Alberto Sordi, é sensacional.
Sordi faz o feirante Remo, casado com Augusta (Anna Longhi), uma “nonna” rechonchuda e engraçada. São pessoas de gosto simples, mas os filhos, intelectuais revoltados com a alienação e mau gosto dos pais, os incentivam a tirar “férias inteligentes”. Remo e Augusta rumam então a Veneza, onde visitam a Bienal de Arte, assistem a concertos de música moderna e jantam em restaurantes finos, enquanto sonham mesmo em devorar um pratão de feijão branco com lingüiça.
Nessa cena, o casal vai à Bienal de Veneza e fica boiando com a arte moderna. No fim, a coitada da Augusta ainda é confundida com uma obra de arte:
Alberto Sordi e Anna Longhi alla Biennale Venezia - 1978 por thevideos no Videolog.tv.
Alberto Sordi (1920-2003) foi um dos maiores atores cômicos italianos. Trabalhou em mais de 150 filmes e dirigiu cerca de 20 longas, além de ser um dos dubladores mais famosos da Itália (foi a voz de Oliver Hardy nos filmes do “Gordo e o Magro”). Trabalhou com Fellini (“Os Boas Vidas”, “Abismo de Um Sonho”), Mario Monicelli (“A Grande Guerra”), Steno (“Um Americano em Roma”), Ettore Scola (“Conseguirão Nossos Heróis Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África?”), além de Luigi Zampa, Dino Risi, Mauro Bolognini, Tinto Brass, Elio Petri, Alberto Lattuada, Vittorio De Sica e muitos outros. Sordi era tão amado na Itália, que um milhão de pessoas acompanharam seu velório em Roma.
Infelizmente, a grande maioria das comédias de Sordi não está disponível em DVD no Brasil. Mas você pode encontrar alguns filmes completos no Youtube ou em Cines Torrent por aí. Recomendo:
Conseguirão Nossos Heróis Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África? (Ettore Scola, 1968): Sordi interpreta Fausto, um milionário italiano que decide ir à África (o filme se passa em Angola, o que o torna mais engraçado ainda para nós, por causa do idioma), acompanhado do assistente, Ubaldo (interpretado por Bernard Blier, pai do cineasta francês Bertrand Blier). As aventuras de Fausto e Ubaldo com tribos africanas são ridículas e hilariantes.
Mafioso (Alberto Lattuada, 1962): Sordi faz um siciliano que mora em Milão, volta à Sicília para visitar a família e é confundido com um assassino da Máfia. Norma Benguell, lindíssima, faz a esposa. O filme está disponível na íntegra no Youtube.
I Complessi (1965): Nesse filme de episódios, dirigidos por Dino Risi, Franco Rossi e Luigi Filippo D’Amico, Sordi atua no último, “Il Dentone”, de D’Amico. É uma das maiores atuações cômicas que já vi. Ele faz Guglielmo Bertone, um candidato a posto de apresentador de telejornal da RAI, que parece preencher todos os requisitos para o emprego: tem um QI estratosférico, fala trezentas línguas e domina qualquer assunto, seja história da arte ou política africana. Guglielmo só tem um problema: é feio que dói e tem uns dentes de coelho. A comissão julgadora tenta, de todas as formas, desqualificá-lo, mas o cara é tão genial que eles não conseguem. Vejam esse trecho: aos 2min30s, Guglielmo passa por um teste de trava-língua. É um dos grandes momentos de Sordi.
Il dentone - 2/5 - I complessi por thevideos no Videolog.tv.
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