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O MASSACRE DA GUITARRA ELÉTRICA DO TEXAS

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Sábado, 3 de maio: faz 36 graus em Austin, no Texas, a umidade é desértica, e a poeira se espalha pelo ar. A região passa por uma das maiores secas de sua história. Não chove com regularidade há quatro anos, e a última gota de água caiu em março.

Gostaríamos de ter visto a banda brasileira Boogarins tocando no Austin Psych Fest, mas o calor impediu. Resolvemos chegar ao festival por volta de 18h, com o sol menos massacrante. Depois, alguns brasileiros que encontramos nos disseram que havia bastante gente para ver o Boogarins e o que o público gostou da banda. Achei um vídeo:

 

 

Dentro do festival, muita gente usava lenços amarrados no rosto, como bandoleiros de filmes de caubói. Logo na chegada, uma alegria: encontramos nosso amigo Fábio Massari, expert dos bons sons.

A primeira parada foi na tenda Levitation, onde o Moon Duo (hoje um trio, acrescido de um baterista) fez um show sensacional. A tecladista Sanae Yamada e o guitarrista do Wooden Shipjs, o adorado Erik “Ripley” Johnson, tocaram para um público que conhecia todas as músicas e que se empolgou com a garageira elegante do grupo. Bonito demais.

De lá, fomos ao palco principal ver Bombino. Eu nunca tinha ouvido falar do sujeto, mas alguns leitores aqui do blog haviam recomendado, e eles estavam certos: foi uma lindeza. Bombino é um guitarrista do Níger e um dos expoentes da música dos Tuaregs, povos nômades dos desertos do norte da África. Seu último disco foi produzido por Dan Auerbach, do Black Keys. O som é alegre e dançante, com guitarras sinuosas e um baixão marcante. O sol se punha atrás do palco, e o visual, aliado à música bonita e festeira, foi um dos pontos altos do festival.

 

 

Deu tempo de pegar o fim do The Golden Dawn, que se apresentava no palco mais espetacular, o Elevation, localizado no pé de um morro, à beira do rio Colorado. A banda texana só lançou um disco, “Power Plant” (1968), considerado um clássico da psicodelia americana, mas terminou por problemas internos e ficou parado por mais de 40 anos. O som lembrava conterrâneos como 13th Floor Elevators e Moving Sidewalks, acid rock de garagem, e o vocalista George Kinney, que hoje parece um tiozinho vendedor de carros usados, com direito até a pochete na cintura, ainda tem uma voz impressionante.

De volta ao palco principal, vimos um dos melhores shows do dia, os britânicos do Temples. Não dá pra acreditar que esses moleques só têm um disco. E que disco: “Sun Structures” saiu em fevereiro e é o melhor disco de 1967 lançado em 2014, se é que vocês me entendem. É retrô sim, e com orgulho: lembra o Floyd da fase Syd Barrett, o já citado Elevators, Seeds, Hendrix, e tem uma pegada sombria e pesada de krautrock. Tudo absurdamente bem tocado. Não é à toa que Johnny Marr disse ser a melhor banda nova da Inglaterra. Virei fã.

 

 

Uma rápida parada para traçar cachorros quentes de um “food truck” local – toda a comida do festival era servida por lanchonetes da cidade – e ainda conseguimos ver o finzinho do Mono, japoneses cabulosos da seara noise e drone de Mogwai e Explosions in the Sky. Massari tinha visto dois dias antes em São Francisco e disse que foi espetacular.

Mas nossa preocupação maior era conseguir bons lugares no palco Elevation – o tal de frente para o Rio Colorado – para ver Dead Meadow e Acid Mothers Temple. Chegamos no meio do Dead Meadow, e o lugar estava abarrotado. Tivemos de sentar bem no canto, de onde só podíamos ver parte do palco. O show foi uma coisa arrasadora. O Dead Meadow faz uma mistura linda de microfonia à Crazy Horse com uma pegada stoner, um mantra lento e distorcido, com momentos de surpreendente delicadeza. Foi ovacionado.

Assim que terminou, muita gente saiu dos lugares para pegar bebida, e pudemos nos alojar bem na frente do palco para ver o Acid Mothers Temple, os japas insanos liderados pelo insano-mor Kawabata Makoto.

Difícil explicar com objetividade o que foi o show dos japas, tantas as emoções, imagens e sensações boas evocadas por sua música cósmica e sensorial. Posso dizer que metade da plateia terminou chorando e a outra metade de pé, gritando, enquanto Makoto botava fogo – literalmente – no palco. Massari disse que foi o show mais lindo e emocionante que viu na vida, e isso não é pouca coisa.

O AMT tocou cinco ou seis músicas, com durações que variaram de 10 a 25 minutos. Mas o que importa não são, especificamente, as canções, mas o que o quinteto faz com elas, viajando em jams espaciais sem ponto de chegada, que podem tomar rumos absurdos e imprevisíveis, dependendo da cabeça e da inspiração de Makoto, que rege tudo como um maestro possuído.

“Nós somos uma banda independente, adeptos do ‘faça você mesmo’”, disse Makoto, num inglês quebrado. “Não vendemos nosso merchandise numa tenda. Queremos vender nosso merchandise diretamente pra cada um de vocês, olhando no seu olho e apertando sua mão.  No fim do show, por favor, venham ao lado do palco, queremos conhecer todo mundo.” Ao anunciar a última música, disse: “Nós queríamos tocar por cinco horas, mas o festival tem horário pra terminar, infelizmente.”

No fim do show, em meio a uma torrente de psicodelia, microfonia, sons espaciais, theremins e um mantra hipnótico de baixo e bateria, Makoto surtou Hendrix-style, pôs fogo na guitarra, depois na bateria, e quase imolou o coitado do baterista. O espetáculo terminou com o público praticamente invadindo o palco para levantar os japas nos braços. Um delírio. Achei um vídeo muito tosco, mas que dá uma ideia da insanidade que foi:

 

 

Saímos atordoados. O Horrors tocava no palco principal, mas não havia clima para ver mais nada depois do Acid Mothers Temple. Como tínhamos ingresso para o Brian Jonestown Massacre em São Francisco na quinta, decidimos ir embora, felizes da vida.

Moon Duo, Bombino, Temples, Dead Meadow, Acid Mothers Temple... foi o melhor dia de música que já vi. E tão bom quanto o que vimos, foi o que perdemos: Mono, Medicine, Brian Jonestown Massacre, Unknown Mortal Orchestra, Bardo Pond, Of Montreal e outros. Domingo, tocariam Loop, Sleepy Sun, War on Drugs, Toy, Pink Mountaintops, Bo Ningen e muito mais. Fica pro ano que vem.

P.S. 2: Estou em viagem e com dificuldade para moderar comentários. Tentarei publicar os comentários quando possível, mas não terei tempo de respondê-los. A seção de comentários voltará a seu estado normal de interatividade após meu retorno, em 12 de maio. Peço desculpas pelo inconveniente.

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