J. tinha sessenta e poucos anos, era duas vezes divorciado, e começou a namorar uma menina trinta e cinco anos mais nova. Tiveram um filho.
Muitos que o viam andando com o bebê pela rua elogiavam a beleza do “netinho”. J. ficava possesso, mas sabia que aquilo não era normal: quando o menino atingisse a maioridade, ele seria um octogenário.
Um dia, J. teve um enfarte fulminante e morreu, deixando o filho de três anos de idade e uma namorada que não havia chegado aos trinta.
Isso aconteceu há oito anos. Desde então, a vida de mãe e filho tem sido uma dureza. J. não era um durango: tinha um ótimo apartamento e algumas economias. Mas a burocracia kafkiana do país da Copa atrapalhou tudo. Até hoje, o filho mora com os avós em uma casinha no subúrbio, enquanto a namorada briga na Justiça para conseguir usar as economias de J.
Histórias assim são comuns. As pessoas ficam tão preocupadas com a vida, que esquecem de cuidar do que vem quando ela termina. E os filhos? E a esposa? E o marido?
Ficamos tão abalados pela história de J. que decidimos tomar providências para que o mesmo não acontecesse com a gente. Até porque venho de uma família muito leniente com essas burocracias: meu avô morreu em 1982 e até hoje recebe correspondência em seu nome.
Resolvemos procurar uma advogada para fazer nosso testamento. E ela nos contou histórias arrasadoras - bem piores que a de J. - sobre famílias que perderam tudo com a morte de algum ente querido e a consequente batalha contra a burocracia.
Começamos a descobrir um mundo desconhecido para nós: o da Justiça post-mortem. Na nossa cabeça, fazer um testamento seria a coisa mais fácil: essa grana vai pra fulano, esse terreno pra beltrano, as crianças ficam com os tios, e por aí vai...
Mas não é tão simples.
Em primeiro lugar, é preciso escolher dois testamenteiros, que são os responsáveis pela execução – sei, o termo é péssimo – do testamento. Em bom português, são eles que vão garantir que o que está escrito no testamento seja realizado.
Mas os testamenteiros não podem ser da família. Faz sentido: sendo parentes, poderiam ser beneficiários do testamento, o que configuraria conflito de interesses. Tivemos de escolher pessoas de extrema confiança e que não fossem da família. E com um detalhe importante: teriam de ser jovens e saudáveis, para não corrermos o risco de vê-los baterem as botas antes de nós.
Tivemos também de escolher tutores, pessoas que, na nossa “falta” – é assim que advogados e seguradoras se referem aos que partiram – ficarão responsáveis pela guarda de nossos filhos.
O passo seguinte foi convidar os testamenteiros e tutores. Foi um processo muito emotivo: duas pessoas que convidamos choraram muito ao receber os convites, num misto de felicidade pela confiança depositada e insegurança em assumir uma responsabilidade tão grande.
Não foi fácil. Por mais racional que você seja, abordar o tema da morte é sempre uma emoção. Mas é melhor fazer isso em vida do que condenar os que ficam a anos de sofrimento. E tranquilidade não tem preço.
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