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“O RÉU E O REI”: LEIA, SE TIVER ESTÔMAGO

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rc paulocesar Fotor Collage “O RÉU E O REI”: LEIA, SE TIVER ESTÔMAGO

 

A única coisa que consigo admirar em Roberto Carlos é sua música.

A caixa de CDs “Roberto Carlos Pra Sempre”, que reúne seus trabalhos dos anos 70, está sempre em alta rotação aqui em casa.

Mas depois de ler “O Réu e o Rei”, de Paulo Cesar de Araújo, acho que vou guardar a caixa numa estante bem alta e não tirá-la por um bom tempo. É duro prestigiar um artista que defende tanta coisa ruim.

O livro é um relato minucioso dos últimos 24 anos da vida de Araújo e de sua relação – no início como fã, depois como biógrafo e, por fim, como inimigo - de Roberto Carlos.

Em 1990, Araújo era estudante de comunicação e começou um trabalho de pesquisa sobre a MPB. Em março daquele ano, fez sua primeira tentativa de entrevistar o “Rei”. Até lançar a biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, no fim de 2006, foram dezenas de pedidos de entrevistas, todos devidamente empurrados com a barriga pelo estafe de Roberto, com falsas promessas e tapinhas nas costas.

Não sei como Araújo teve tanta paciência. Eu teria desistido depois da terceira ou quarta desculpa esfarrapada. Mas ele não: todo ano, ia às entrevistas coletivas que o "Rei" fazia para divulgar seu disco de Natal, esperava pelo cantor na saída de shows e chegou a ir de penetra numa exclusiva que um jornalista amigo conseguiu com Roberto.

Ler “O Réu e o Rei” é como ler o relato de um acidente aéreo: você sabe que termina em tragédia, mas fica angustiado ao conhecer os detalhes. Por dezesseis anos, Roberto Carlos e seus aspones souberam dos planos de Araújo de escrever um livro sobre o cantor, mas o processaram assim que o livro saiu, afirmando que foram pegos de surpresa.

Nesse tempo, Araújo entrevistou 175 pessoas, incluindo ícones da MPB como Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Braguinha e dezenas de outros. Conseguiu falar até com o recluso João Gilberto (aliás, a história da amizade telefônica entre o autor e João é uma das passagens mais bonitas e reveladoras do livro). Atitude digna teve Erasmo Carlos: convidado por Araújo a dar depoimento para o livro, recusou, dizendo que não se sentiria confortável falado sobre Roberto. Pelo menos deixou sua posição clara.

A descrição do encontro de Araújo com Roberto Carlos, em um tribunal em São Paulo, é de dar nojo. O juiz ameaçou fechar a editora que publicara a biografia. No fim da audiência, o juiz tirou da pasta um CD que ele próprio havia gravado e presenteou Roberto Carlos com uma cópia autografada, além de posar para fotos, abraçado ao "Rei".

Depois, Araújo descobriu que os advogados de Roberto Carlos haviam adulterado a transcrição de trechos de seu livro, adicionando palavras que ele não havia escrito e que tornavam o texto ofensivo ao Rei. Um escândalo.

O resultado disso é que a editora de Araújo, a Planeta, aceitou interromper a venda do livro e ainda entregou mais de dez mil exemplares para Roberto Carlos fazer o que quiser com eles. Não se sabe se o "Rei" os queimou, reciclou ou picotou. De qualquer forma, com certeza não leu nenhum deles. Se tivesse lido, saberia que o livro é uma pesquisa séria e respeitosa sobre sua música e vida, e que não há uma linha desabonadora ou crítica a ele.

Na verdade, Roberto Carlos foi muito infeliz e mal assessorado. Se tivesse liberado o livro de Araújo, com certeza ganharia novos fãs e teria nas livrarias uma obra que reavalia seu trabalho e explica sua importância na cultura popular brasileira. Mas, ao optar pelo obscurantismo, foi malhado por muitos, virou símbolo do atraso e agora vê o lançamento de “O Réu e o Rei”, um livro que expõe a verdade sobre o ocorrido e mostra sua face egocêntrica, autoritária e mesquinha.

O novo livro de Araújo não para na polêmica sobre a proibição de “Roberto Carlos em Detalhes”, mas conta também a formação do Procure Saber, o grupo que reuniu Caetano Veloso, Roberto Carlos, Chico Buarque, Erasmo, Djavan, Gilberto Gil e outros artistas, que defendiam a necessidade de “liberação prévia” para biografias – uma forma menos chocante de dizer que eram a favor da censura.

É muito bom saber que, daqui a cem anos, algum estudante vai abrir “O Réu e o Rei” e ler a seguinte declaração de Caetano, tentando explicar o inexplicável: “Podem dizer, pesquisar e divulgar o que quiserem sobre mim. Não tenho essa preocupação e nunca tive. Porém, tenho respeito pelos meus colegas e apoiei a posição deles de querer tomar cuidado.”

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