Acaba de sair no Brasil um livro curto, triste e extraordinário sobre um dos maiores atores do cinema : "Marlon Brando – A Face Sombria da Beleza", do francês François Forestier.
Forestier é crítico de cinema da revista francesa "Le Nouvel Observateur". Conheci-o nos anos 90, quando ambos trabalhávamos em Nova York e tínhamos longas conversas sobre cinema. François tem um conhecimento enciclopédico do tema e já entrevistou de Hitchcock a Billy Wilder, de Truffaut a Peckinpah.
O livro relata a vida e carreira de Brando, com ênfase na fase final de sua vida, quando o maior ator do mundo se transformou, como diz o autor, em um "monstro da infelicidade".
A sucessão de tragédias pessoais impressiona: várias amantes e a filha se matam, o filho é implicado num assassinato, e Brando destrói a vida de muitos que cruzam o seu caminho.
Entrevistei Forestier por e-mail. Aqui vai o papo :
- Quanto tempo você levou para escrever o livro?
- Levei dois anos. A pesquisa foi a parte mais demorada. Leva um tempo para conversar com as pessoas, ler os arquivos, conseguir contatos e encontrar suas anotações de tempos passados. Escrever é a parte fácil. Mas a quantidade de informação que você precisa para fazer um trabalho desses é incrível.
- Você agradece a muita gente no livro – atores, cineastas, produtores. Você os entrevistou?
- Sim, falei com a maioria, alguns no passado, quando era repórter, ou agora, na pesquisa para o livro. No geral, as pessoas foram muito generosas comigo. Brando era extraordinariamente sedutor, e todas as testemunhas estavam felizes em compartilhar suas histórias comigo. Algumas dessas lembranças eu decidi não incluir no livro. Esse homem teve tantos amores que eu corria o risco de transformar o livro num catálogo telefônico.
- O livro é bem dark...
- Todos os livros que escrevo, sejam biografias, romances, ou narrativas de não-ficção, são pessoais. Quero dizer que tento tornar minhas aquelas histórias. Tudo é verídico, até os diálogos, mas a iluminação é minha, as escolhas são minhas, o estilo é meu. Me interesso por monstros, e acho que eles são o nosso lado humano. Dessa maneira, de livro a livro, em qualquer história que conto, ela tem de revelar a monstruosidade do mundo. Sim, o livro é escuro e sombrio. Não é uma biografia, mas a descrição não-ficcional de um azarão. É como uma fotografia : ela mostra a realidade, mas, de acordo com o ângulo e a iluminação que você escolhe, ela se transforma em algo pessoal e, espero, artístico.
- Brando fez filmes espetaculares, mas impressiona, no livro, a descrição de tantos filmes ruins que ele fez também...
- Sim, o mito dele passa por cima de tudo. A verdade é que o grande ator está em eu melhor em filmes ruins, é ali que ele se mostra de verdade. Lembra Totò (comediante italiano), de quem você gostava tanto? Bom, era um gênio que fez muitos abacaxis, não? Sua arte transcende a tudo. A mesma coisa com Brando: se você o admira, esquece seus abacaxis. Mas a verdade é : eu não gosto dele. Escrevo melhor sobrre pessoas que odeio.
- Você acha que Brando estava ciente do mal que causava a tanta gente?
- Acho que ele não se importava. Ele era um monstro do ego, um monstro da infelicidade, um poço de solidão. Ele não sabia se comportar de outra maneira. Não tinha nenhum compasso moral, nenhum senso de direção. Nos últimos anos da vida, só queria saber de se destruir, arrastando todos os filhos com ele. Algumas pessoas sonham em incendiar o mundo. Brando sonhou em fazê-lo desaparecer num buraco negro.
- Você chegou a conhecer Brando?
- Sim, o encontrei algumas vezes. Era magnético, elétrico, charmoso e, ao mesmo tempo, havia algo de repulsivo nele. Eu podia ouvir em minha cabeça: "Perigo, perigo, perigo..."
- Qual a coisa mais comum que os entrevistados disseram sobre Brando?
- A mais comum? Sua beleza total, de cair o queixo, quando era jovem. Acho que era algo fora desse mundo. Não transparece totalmente em filmes. Ele era muito maior que seus filmes.
-Você acha que existe algum ator, nos últimos anos, que se compare a Brando?
- De jeito nenhum. Há um "antes de Brando" e um "depois de Brando". Ninguém está no mesmo patamar, hoje em dia. Ele era o deus dos atores. E o diabo também.
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