“Que porra as pessoas têm a ver com as contas da CBF? Que porra elas têm a ver com a contabilidade do Bradesco ou do HSBC? Isso tudo é entidade pri-va-da. Não tem dinheiro público, não tem isenção fiscal. Por que merda todo mundo enche o saco? (...) Não ligo [para acusações de corrupção na CBF]. Aliás, caguei. Caguei montão.”
Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, em entrevista à revista “Piauí”, em julho de 2011
“Até o nome do Brasil ligado ao ano de 2014 virou propriedade da Fifa. Já a palavra ‘seleção’ pertence à CBF. O controle é tão grande que, para usar o nome ‘Copa do Mundo’ para se promover, o governo brasileiro teve de pagar cerca de R$ 20 milhões à Fifa.”
Estadão, maio de 2014
Daqui a três dias começa a Copa do Mundo, e eu torcerei por qualquer das 31 seleções que jogarem contra a brasileira. Minha preferência seria a Polônia, mas a brava esquadra não se classificou, então serve qualquer uma.
Minha decisão não é compartilhada nem pela própria família. Minha mãe é daquelas torcedoras de ir ao boteco tomar chope com as amigas e gritar o nome do Neymar. Respeito o direito dela de torcer por quem quiser, assim como espero que ela – e os leitores – também respeitem minha escolha, que não tem nada de política ou de protesto contra coisa alguma.
Não torço pela seleção por uma razão simples: não tenho nenhuma simpatia, conexão ou afeto pelo time. A seleção não é minha, mas da CBF, uma entidade privada e detestável. E é bom deixar claro que não tenho nada contra os jogadores ou o Felipão. Eles são só funcionários.
Se a seleção brasileira foi privatizada pela CBF, a Copa do Mundo também não é “do Brasil”, mas da Fifa. Tanto que seu nome oficial é “Copa do Mundo da Fifa”.
Ora, se a Copa é do Blatter e a seleção pertence a uma empresa odiosa, por que diabos eu precisaria torcer pelo sucesso delas?
Antes que me acusem de antipatriota, quero dizer que falta de amor próprio, a meu ver, é entregar o time mais importante da história do futebol mundial na mão da CBF, uma entidade que faz um mal danado ao futebol brasileiro.
Por que preciso torcer pelo sucesso de um evento que acabou com o Maracanã, num crime arquitetônico, histórico e cultural disfarçado de modernidade? Se a CBF e a Fifa gostassem mesmo de futebol, se oporiam à destruição de um templo daqueles, cuja marquise era tombada e foi posta abaixo mesmo assim. Se o governo do Rio respeitasse a história do futebol brasileiro, teria respondido da mesma forma que a Alemanha retrucou quando a Fifa “exigiu” mudanças no Estádio Olímpico de Berlim: uma banana pra vocês.
Não sou contra a Copa do Mundo. Sou contra esta Copa do Mundo, em que interesses privados se sobrepõem aos públicos, leis são mudadas ou desrespeitadas para atender à Fifa, empresas que faturam com o evento ganham isenções fiscais e se recusam a acatar a lei de acesso à informação. Uma Copa em que toda uma cultura futebolística está sendo destruída e desvirtuada. Onde já se viu, a Fifa decidir onde se pode tomar cerveja, ou o Jerôme Valcke dizer quem pode levar bandeiras ao estádio? Parece algo pequeno, mas não é. É prova de que, em troca de um suposto bilhete para o Primeiro Mundo, nos sujeitamos a mudar quem somos. Isso sim é complexo de vira-latas.
Não torço pelo “quanto pior melhor”, mas justamente o contrário: queria que a Copa deixasse um legado – de organização, de infraestrutura, de melhoria nos esportes de base, de reestruturação de nosso futebol. Mas o que aconteceu foi o inverso: construímos “arenas” modernosas e impessoais, que a maioria dos torcedores nunca frequentará por não ter dinheiro para o ingresso; destruímos estádios clássicos para nos adequar a um “padrão” imposto por quem não tem moral de impor padrão algum. Conseguimos a façanha de fazer uma Copa no país do futebol e diminuir o interesse da população pelo esporte. Tanto que havia muito mais ruas decoradas quando a Copa aconteceu longe do Brasil.
A Copa e a seleção são bens privados que se favorecem de bens públicos. A primeira se favoreceu de bilhões de reais em verba do governo para a construção de estádios, alguns completamente desnecessários (por que Recife, que já tinha três estádios grandes, precisaria de um quarto?), só para que a Fifa pudesse lucrar cinco bilhões de dólares com anúncios. E a seleção tem a admiração do país todo, mesmo que, financeiramente, só beneficie à CBF, entidade cujo ex-presidente, como ele próprio afirmou, “caga” para denúncias de corrupção.
Essa confusão entre o público e o privado é comum por aqui e sempre foi incentivada. No caso da seleção isso é ainda mais grave, porque se mistura à equação, de forma maldosa, uma coisa intangível, única e preciosa, que é a paixão do brasileiro por futebol. Na teoria, a seleção “é” o Brasil; na prática, é o time da CBF. Privatizaram a seleção e “esqueceram” de nos avisar.
Aos que passarão os próximos 30 dias torcendo pela seleção da CBF, desejo boa sorte. Estarei na torcida por um novo “Maracanazo”. Cada um na sua. E sem patrulhamentos, por favor.
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