Há alguns dias, fiz um texto sobre os 40 anos do clássico LP “Lóki”, de Arnaldo Baptista (leia aqui) , sugerindo uma turnê de Arnaldo tocando a íntegra do disco.
A jornalista e produtora Sônia Maia, que há quatro anos trabalha com Arnaldo, me procurou, dando detalhes dos planos do músico e da dificuldade que ela vem enfrentando para agendar shows do ex-Mutante. Aqui, a íntegra do papo:
- Haverá alguma show ou turnê em celebração aos 40 anos de Lóki?
- Não. Além das dificuldades em conseguir patrocínio, que falo mais adiante, tem o fato concreto de Arnaldo não gostar de se prender a nenhum script – ter que tocar um set específico. Ele coloca uma lista de 70 músicas à frente do piano e, de acordo com o que sente da plateia, faz ali na hora sua própria seleção. Cada show é diferente do outro. Estou falando do concerto que está em turnê desde 2011, o “Sarau o Benedito?”, que é Arnaldo solo, tocando ao piano de cauda, flores ao redor do piano e videocenário de suas obras como artista plástico projetadas ao fundo do palco. Simples e arrebatador! O profundo silêncio da audiência durante as músicas é algo a ser experienciado! E 90% do público que tem lotado esses shows está entre 17 e 34 anos, o mesmo perfil dos seguidores da fanpage de Arnaldo no Facebook, que viralizou de janeiro para cá, subindo de 25 mil para 76 mil seguidores, chegando, em alguns momentos, a mil curtidas a mais por dia. Então, Arnaldo é também sinônimo de sucesso, atinge um público jovem, esperto, inteligente e formador de opinião. E recebe generosos espaços na imprensa em geral.
Vale também lembrar que o álbum “Loki?” pertence à Universal. Apesar de termos escrito para a gravadora, dando várias ideias de celebrações – clips, lançamento em vinil, etc – eles não se interessaram.
- Como Arnaldo vê o disco, hoje? Ele fala de temas que são dolorosos para ele. Cantar músicas do disco trazem de volta alguma lembrança, boa ou ruim, para Arnaldo?
- Essa eu deixo para o próprio Arnaldo responder:
“Uma aventura lucky? Infeliz, quem; nunca foi infeliz. Compartilhar, do não; é, esperar, um: sim (lembranças....)”.
- Você disse que tinha dificuldades em agendar shows de Arnaldo. Pode elaborar, por favor?
- O circuito cultural brasileiro, como um todo, ainda sofre das mesmas dificuldades de décadas atrás - os produtores e patrocinadores só apostam em nomes de sucesso, o que se traduz em artistas que tocam nas rádios, que aparecem em programas de TV, com vários clips etc. Apesar de todo o peso e importância do nome de Arnaldo Baptista, os produtores locais e possíveis patrocinadores não o vêm como um nome que dê ‘retorno’.
Isso não acontece só com Arnaldo, mas na cultura como um todo. Veja no cinema – temos agora três filmes brasileiros de altíssima qualidade, o de Ana Carolina, o de Sergio Bianchi e o de Paulo Sacramento, para ficar em apenas três cineastas, e é triste ver que atingiram, no máximo, 1.200 espectadores nas salas em todo o Brasil. Muito estranho que o melhor de nossa cultura fique sempre relegado a um nicho ou simplesmente não aconteça. Tem algo muito errado aí. É um cenário, me parece, muito viciado no aqui e agora, que insiste em enterrar o ontem, enterrar nossa história. Somos um país sem memória, porque não cultivamos nossa memória cultural. Isso acontece também, por exemplo, com o artesanato brasileiro – muitas técnicas estão e serão totalmente esquecidas porque não há registro delas.
- Vocês liberaram a discografia completa dele, para download gratuito. Mesmo assim, é difícil ouvir músicas de Arnaldo em rádios. Por quê?
- Bem, não “liberamos”, porque os álbuns não estavam todos sob propriedade de Arnaldo. Foi um trabalho de fôlego e independente do time em torno dele e de vários voluntários. Uma luta que se arrastou por mais de 30 anos. Quando comecei a trabalhar com Arnaldo e Lucinha, em 2010, disse que não sossegaria enquanto não entregasse essa discografia a eles e ao acervo da cultura brasileira.
Estas obras foram todas remasterizadas pela Classic Master, ganharam novas capas, aplicativo exclusivo na Deezer, com comentários de artistas de peso como Tom Zé, Arnaldo Antunes, Lobão, Fernanda Takai, Lulina e Fernado Catatau. Estão disponíveis nas maiores lojas digitais e serviços de streaming do mundo.
E é engraçado, porque mandamos links para download de toda a obra solo para várias rádios de várias cidades brasileiras e, até onde sei, não está tocando. Mandamos, ligamos, conversamos com as rádios. Disseram “que iam ver a possibilidade”. Esta pergunta deveria ser feita às rádios – não sei qual o critério. Adoraria saber, ouvir deles mesmos uma explicação. Fica algo ali não dito, falta transparência. E não é porque “não se encaixa na programação”. Imagina! As músicas são ainda muito muito atuais e há pelo menos uma dúzia de hits na discografia, que cairia facilmente no gosto do ouvinte. Arnaldo é um hitmaker! De qualquer forma, se alguma rádio se interessar em tocar essas pérolas, é só nos contatar que disponibilizaremos.
- E em relação a editais e concursos, poderia elaborar aquilo que me disse, que tem havido muita dificuldade em conseguir fechar algo pro Arnaldo?
- Novamente, não sei qual o critério dos editais. No primeiro e segundo ano trabalhando com Arnaldo (2011-2012), inscrevi em três editais para lançamento do novo álbum “Esphera” e não fomos contemplados. Então, desistimos de ficar batendo o martelo ali. Recentemente, tentei inscrever em um edital bem conhecido, mas as regras não se encaixavam no perfil de Arnaldo – ou seja, ele teria que sair em turnê com o novo álbum e o show não poderia ser o mesmo que ele vem fazendo. Arnaldo não faz show com banda. Vai levar até o fim a bandeira de só tocar com instrumentos como guitarra, baixo e bateria se tiver um PA valvulado, o que não existe, apesar de ser possível construir. Então, há uma exclusão dentro da própria cena cultural para artistas que não se encaixam nas regras estabelecidas.
Na minha opinião, os patrocinadores deveriam criar verbas específicas para o fomento e continuidade do trabalho e produção de artistas como Arnaldo, que já estão pra lá dos 18 anos e merecem não apenas um tratamento diferenciado, mas um olhar para a importância cultural desses artistas e suas obras, de hoje e de ontem. Pensar no retorno institucional e de imagem que essas iniciativas dariam. E no compromisso como empresário e cidadão para a manutenção dessas obras e sua disseminação entre o público em geral, atitude tão comum nos países europeus e nos EUA, por exemplo. Já está mais do que na hora de amadurecerem por aqui!
- Você me falou de um show em BH. Quando será? Pode dar mais detalhes?
- Belo Horizonte estava órfã desse concerto, já que é uma das cidades onde Arnaldo tem mais fãs e também capital do Estado no qual reside há mais de 30 anos. Resolvi, então, bancar o show, arriscar na bilheteria. Até mesmo para provar aos produtores de outros estados que esse show é possível. Será no dia 3 de agosto, domingo, 19hs, no Theatro Cine Brasil. Os ingressos estão à venda pelo sistema www.ingresso.com e também na bilheteria do Cine Brasil. Chamamos todos a lotar o espaço, de 900 lugares!
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