Só existe uma coisa que artista brasileiro gosta mais do que aplauso: é participar de alguma manifestação totalmente inócua em prol de uma iniciativa fadada ao fracasso, mas que renda linhas elogiosas em jornais e uma foto na coluna social.
Veja o caso do Cine Leblon, no Rio de Janeiro: há algumas semanas, foi anunciado o fechamento da sala, que existe desde 1951 e, segundo os proprietários, dá prejuízo há anos. O prédio é tombado e, por isso, os donos não puderam construir uma garagem subterrânea e um edifício comercial no local.
Mais rápido do que você poderia dizer “Pizzaria Guanabara”, um grupo de artistas e moradores do bairro se juntou e promoveu um “abraço coletivo” ao cinema. Teve gente que – snif, snif – se ajoelhou e botou velas na porta do cinema. Tudo muito odara, uma coisa de pele, de gente do bem, saca?
Numa sociedade civil organizada e atuante, o que aconteceria? Fácil: artistas e associações de moradores se juntariam, promoveriam uma coleta de doações e organizariam uma entidade para gerenciar o cinema. Ou comprariam a bagaça e a doariam ao bairro.
Foi o que ocorreu em 1988 em Brookline, cidade perto de Boston, quando o tradicional cinema Coolidge Corner estava ameaçado fechar. Hoje, a associação que toma conta do cinema tem quase três mil membros.
No fim dos anos 80, quando Martin Scorsese percebeu que negativos de filmes antigos estavam se deteriorando, o que fez o cineasta? Juntou os amigos e deu um abraço coletivo numa lata de filme? Não: botou grana do próprio bolso e criou a Film Foundation, que já salvou mais de seiscentos filmes antigos.
Um exemplo mais recente: ano passado, o músico Jack White doou 200 mil dólares à Fundação Nacional de Preservação de Fonogramas, organização que preserva a história dos discos e gravações norte-americanos.
Mas aqui ainda não compreendemos como funciona uma sociedade capitalista de verdade. Ninguém parece entender que um cinema precisa de público que pague ingresso (aposto que boa parte dos que abraçaram a sala só iam ao cinema no Shopping Leblon). E a solução, em vez de botar a mão na massa e trabalhar, ou doar seu próprio dinheiro, é apelar ao Estado nhonhô: “Ah, o governo tem de dar um jeito nisso”.
Ninguém está dizendo que o Estado não tem de apoiar a cultura. Claro que tem. Mas o Cine Leblon é privado e precisa sobreviver com seus próprios recursos.
Mas o nhonhô sempre dá um jeito, não é mesmo?
E a solução veio rapidinho: o prefeito do Rio, Eduardo Paes, prometeu destombar a sala (como se "destomba" algo? Quer dizer que um prédio pode perder a importância histórica e arquitetônica de uma hora pra outra?). Isso permitiria aos donos construírem a garagem subterrânea e um prédio comercial anexo ao cinema. Claro que o destombamento vai desfigurar a arquitetura do cinema - um representante dos donos da sala disse ao "Globo" que a fachada será restaurada e as salas, "modernizadas" - mas isso não parece ser empecilho para o prefeito, que já apoiou a destruição das marquises tombadas do Maracanã e não parece ter nenhum respeito pela tradição arquitetônica da cidade. Destombar é com ele mesmo.
É a solução mais fácil: artistas não perderão horas preciosas de sol trabalhando para manter o cinema e podem continuar flanando nas calçadas do Leblon enquanto são perseguidos por paparazzi; o cinema vai continuar lá, embora desfigurado, e os moradores, que gostam mesmo é de ver “Transformers” em 3D, poderão se lambuzar de pipoca com azeite trufado.
Vão abraçar o capeta, todos vocês.
P.S.: Estarei fora o dia todo e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço um pouco de paciência. Desculpe pelo incômodo.
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