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NELSON NED: O PEQUENO GIGANTE DA CANÇÃO

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Este ano, Nelson Ned completaria 50 anos de carreira profissional. Foi em 1964 que lançou seu primeiro LP, “Um Show de Noventa Centímetros”.

Em homenagem a Nelson, aqui vai uma de suas últimas entrevistas, gravada seis meses antes de sua morte. Publiquei trechos dela depois da morte de Nelson Ned, mas o texto, em sua versão integral, é inédito.

 

O local marcado para a entrevista é um pequeno sítio, a cerca de 50 km de São Paulo. A propriedade está longe de ser luxuosa, mas é bem cuidada e cercada de árvores. A casa tem uma varanda, com uma bonita vista de um vale verde. Nessa manhã de inverno e céu azul, não há sinal de nuvens, e uma brisa agradável sopra do vale.

Depois de quase uma hora de espera, um carro se aproxima. A motorista sai do carro, abre a mala traseira do veículo e tira uma cadeira de rodas dobrável. A porta de trás do carro se abre. Só aí percebo que ela não estava sozinha no carro: do banco de trás, sai Nelson Ned.

Nelson se acomoda com dificuldade na cadeira de rodas. Usa a cadeira há cerca de cinco anos, desde que sofreu um derrame e perdeu a capacidade de locomoção. A motorista do carro é Neuma, sua irmã. Nos fins de semana, ela cuida de Nelson, que passa a semana em uma clínica próxima ao sítio. Neuma marcou a entrevista para o período da manhã: “Nelsinho sempre está melhor de manhã, depois vai ficando mais cansado ao longo do dia.” Sentado na cadeira de rodas, Nelson Ned parece ainda menor que seus 112 centímetros de altura.

Quem cresceu nos anos 1970 ou1980 certamente já viu Nelson nos programas de Sílvio Santos, Gugu, Chacrinha, Bolinha ou Raul Gil, e já leu sobre ele em colunas sociais – ou policiais. Até o “Planeta Diário”, bíblia do humor descoladex carioca, costumava citar o cantor. Uma famosa manchete dizia: “Nelson Ned é o Novo Menudo”.

Ele era um astro. No ranking de maiores vendedores da Associação Brasileira dos Produorres de Discos (ABPD), está em quinto lugar, com 45 milhões de discos. Nenhum cantor brasileiro cantou para tanta gente no exterior. Nelson se apresentava em estádios – não teatros, estádios mesmo – na Colômbia, México e Venezuela. Cantou duas vezes no Madison Square Garden e quatro no Carnegie Hall, em Nova York. Quando o escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez visitou o Brasil, em 1981, surpreendeu ao revelar que era fã de Ned. “Se a sua literatura fosse música, que tipo de música seria?”, perguntou-lhe Chico Buarque. “Seria um bolero cantado por Nelson Ned”, respondeu o prêmio Nobel de Literatura.

Ned foi um fenômeno de popularidade, especialmente nos países latino-americanos. E conseguiu isso apesar de suas limitações físicas e do preconceito que sofreu por toda a vida. “O Brasil é a terra mais preconceituosa que conheço. O preconceito era contra o meu tamanho e contra meu estilo de música.” Diz que nunca teve medo de enfrentar plateias: “Quem passou a vida toda sendo humilhado aprende a se defender. Quando canto eu me transformo, consigo ver o ar transformado em música, é uma sensação gloriosa.”

Nelson Ned nasceu em 1947, em Ubá, Minas Gerais, numa família de classe média. Foi o primeiro filho do casal Nelson de Moura Pinto, 26, e Ned d’Ávila Pinto, 18. Era um bebê de tamanho normal. Quando Nelson completou quatro meses de vida, os pais começaram a perceber que havia algo errado em seu crescimento. O bebê sofria de displasia espôndiloepifisária, uma doença rara que causava nanismo e deformações esqueléticas.

Foi um choque para os pais. Não havia nenhum caso de nanismo na família. O casal fez de tudo para “reverter” a condição de Nelsinho, incluindo massagem com sebo de cordeiro e orações de todos os tipos. A mãe, em especial, não se conformava e buscou apoio e explicação em várias religiões. Frequentou cultos católicos, kardecistas e orientais, como a Seicho-No-Ie e a Perfeita Liberdade. Queria descobrir porque o filho nascera daquele jeito. Na escola, Nelson era alvo da zombaria dos colegas, que o chamavam de “Anãozinho”. Mas Ned se recusou a tirar o filho da escola. Nelson teria de enfrentar o mundo, e não fugir dele: “Vou criar meu filho para o mundo, e não um mundo para meu filho.” O casal teve outros seis filhos – Ned Helena, Nélia, Nedson, Neuma, Neide e Nelci – todos normais.

Desde pequeno, Nelson cantava muito bem. Aos quatro anos, já participava de programas em rádios locais, impressionando a todos com a potência e afinação de sua voz. Aos oito anos, foi apresentado ao grande Ary Barroso, seu conterrâneo de Ubá. Nelson sentou no colo do compositor e cantou “Risque”, uma das grandes canções de Ary: “Risque meu nome de seu caderno / pois não suporto o inferno / do nosso amor fracassado”. Ary caiu na gargalhada quando o pequenino errou o verso “Afogue as saudades / nos copos de um bar” e cantou “...nos copos de Ubá”.

Em 1960, a família mudou para Belo Horizonte.  Nelson arrumou um emprego de office boy na fábrica de chocolates Lacta. Depois de vê-lo cantando no almoço dos funcionários, um gerente convenceu a empresa a botar Nelson como atração em um programa de TV patrocinado pela empresa. Logo ele ganharia seu próprio programa, “Gente, o Tamanho Não Importa!”. Três anos depois, a família foi para o Rio de Janeiro, onde Nelson participou de um concurso de calouros e gravou seu primeiro compacto. Em 1964, lançou o primeiro LP, “Um Show de Noventa Centímetros”: “Eu disse que já tinha 1,12 metro, mas a gravadora achou que noventa centímetros ia chamar mais atenção.”

Nelson virou atração em programas de rádio e TV: Sílvio Santos, Chacrinha e Hebe Camargo viam a audiência disparar quando ele se apresentava. No fim dos anos 60, Nelson cantou rock – adorava Trini Lopez - e fez de tudo para ser aceito no programa “Jovem Guarda”, mas não teve sucesso: numa atração dominada por galãs como Roberto Carlos e Ronnie Von, um anão certamente destoaria.

Nelson Ned se especializou em música romântica. Adorava cantores latinos de repertório melodramático, como Lucho Gatica e Miguel Aceves Mejia, além de crooners brasileiros como Francisco Alves, Mário Reis e Orlando Silva. Mas seu cantor predileto era mesmo Tony Bennett. Nelson fez imenso sucesso em rádios AM no Brasil e vendeu muitos discos, mas nunca foi aceito pela elite da MPB. Ronaldo Bôscoli costumava chamá-lo de “anãozinho ridículo”, o que motivou Nelson a compor “Tamanho Não é Documento”: “Você vive sempre a brincar comigo / pode judiar de mim que eu nem ligo / sou pequeno, mas meu coração é grande / bem maior do que o seu (...) tamanho não é documento / pelo menos tenho sentimento / isso é coisa que você não tem.”

Nos anos 1970, Nelson Ned virou um astro: fazia shows lotados no exterior, ganhou oito discos de ouro nos Estados Unidos e muito dinheiro. Tinha apartamentos de luxo no Rio e em São Paulo, andava em limusines e freqüentava boates da moda, como a Gallery, em São Paulo. Também começou a beber, cheirar cocaína e colecionar armas. “Quando eu ia ao Gallery, só queria saber de duas coisas: pó e champanhe Dom Perignon.” Vaidoso, cercava-se de belas mulheres e seguranças armados. Para sacanear os grã-finos da elite paulistana, que torciam o nariz quando viam aquele anão metido entrando no Gallery, Nelson combinou com o DJ da casa que lhe pagaria cem dólares para tocar “Eu Não Sou Cachorro Não”, de Waldik Soriano, toda vez que ele chegasse à boate com sua trupe de mulheres e guarda-costas. “Você tinha de ver a cara de espanto do pessoal!”

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Suas companhias não eram das melhores: depois de um show no México, foi visitado no camarim por Arturo Durazo Moreno, então chefe de polícia da Cidade do México – e depois condenado por corrupção, tráfico de drogas e extorsão. Moreno era grande fã de Nelson e o presenteou com um revólver Colt 45 banhado em ouro, que o cantor repassou a outra figura sombria, o então presidente do Brasil, João Figueiredo. “Figueiredo me recebeu com lágrimas nos olhos.” Toda vez que se apresentava na Colômbia, Nelson era visitado nos camarins por membros dos cartéis de drogas, que lhe ofereciam mulheres e cocaína. Conheceu pessoalmente Pablo Escobar, chefão do cartel de Medellin: “Conheci, claro, cantei várias vezes pra ele. Mataram ele, né?”

Em 1988, Nelson Ned apareceu nas páginas policiais, ao ser acusado de atirar na esposa. Ele diz que a arma disparou acidentalmente quando a mulher limpava um paletó. Mas seu comportamento era errático e imprevisível, causado pela bebida e cocaína. Nelson só andava armado, tomava um litro de uísque por dia e cheirava cinco a dez gramas de cocaína por semana. Um dia, estava tão desnorteado pelo pó que foi de sunga ao tradicional restaurante Gigetto, no centro de São Paulo, e pediu cachaça. Quando os garçons se recusaram a servi-lo, Nelson armou um escândalo. Acabou desmaiando na calçada em frente ao restaurante.

Nelson teve três filhos, todos anões. Aconselhado pelos médicos, fez uma vasectomia: “Sou pequeno, mas não sou burro!” Em 1993, estava no fundo do poço, cheirando, bebendo e passando dias sem dormir. Perdeu quase toda a fortuna e vivia paranóico. Sua casa tinha armas por todos os cantos, escondidas em gavetas e armários. Certa noite, diz ter visto viu um raio rasgar o céu e o atingir em cheio no coração. Converteu-se ao Evangelho e jura que nunca mais bebeu ou cheirou. Passou a gravar apenas músicas religiosas. Diz que ainda conversa regularmente com Roberto Carlos e Julio Iglesias, mas a frase soa mais nostálgica que verdadeira.

Quando perguntei como desejaria ser lembrado, Nelson Ned disse: “Quero que as pessoas se lembrem de mim como um homem romântico, que amou muito e viveu intensamente...” sua frase foi interrompida por um barulho numa árvore. Era um grupo de oito tucanos, lindos, de corpos negros e longos bicos amarelos, parados em um galho, a poucos metros de Nelson. Pareciam fitá-lo. “Olha isso!”, gritou o cantor, comovido pela visão. “Põe aí que eu sou um homem abençoado também!”

Em 5 de janeiro de 2014, Nelson Ned morreu, de pneumonia. Tinha 66 anos.

 

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