Fui a Fortaleza para um debate – muito bom, aliás - sobre meu livro, “Pavões Misteriosos”, e aproveitei dois dias na capital cearense para uma exploração gastronômica. O objetivo: degustar buchada, paçoca, panelada, sarrabulho, mão de vaca e outras delícias da culinária regional.
Toda vez que chego a uma cidade que não conheço, peço dicas a taxistas. “Leve-me onde você janta com sua família” é uma frase que sempre dá certo. Ou quase sempre: em Fortaleza, parece que todos os taxistas têm algum tipo de acordo com determinados restaurantes, e acabam indicando as mesmas armadilhas de turista.
Acabei num dos restaurantes mais famosos e “estrelados” da cidade. Dei uma olhada no público de mauricinhos, nas babás cuidando das crianças e nas TVs de plasma, e saí de lá correndo. Peguei um táxi e fui ao Mercado Central, onde disseram que havia bons restaurantes.
Outra furada: no mercado comprei castanhas e doces, mas os restaurantes não eram o que eu esperava: pra começar, todos usavam o odioso sistema “serve-serve”, e o cardápio era uma mistureba desgracenta: macarrão, peixe frito, feijoada, tudo ao mesmo tempo agora.
Puxei conversa com um vendedor de castanhas, que indicou um restaurante “bem típico, da roça mesmo”. Até o nome do lugar remetia a rincões sertanejos. Esse prometia.
Cheguei ao restaurante e a decepção foi imediata: o lugar não só usava o tal sistema “serve-serve”, como tinha cartão de consumação. E nada aniquila meu apetite tão rápido quanto cartão de consumação. Nem TV exibindo o programa da Regina Casé.
O restaurante era daqueles lugares que fingem descontração e autenticidade: garçonetes usam chapéus de cangaceiro, mas pegam os pedidos em palmtops; gerentes sugerem aos clientes baixar o aplicativo do restaurante; um grupo de modelos aparece distribuindo folhetos de um empreendimento de “alto padrão” na região.
Na aparência, o restaurante era tradicional e respeitador das tradições culinárias locais, mas era só papo furado. Pedi um suco de caju. A garçonete disse: “Natural, só laranja e limão, senhor”. Frutas típicas – cajá, caju, mangaba – só em polpa. Era mais fácil achar um Nespresso em Fortaleza do que um suco de cajá natural.
Fortaleza é uma metrópole, e ninguém vai a um restaurante de comida sertaneja esperando ver cabritos andando entre as mesas. Mas é triste constatar como o público – e não falo só de Fortaleza, mas de Rio e São Paulo também – adora esses lugares falsos que posam de autênticos, com garçons fantasiados e decoração à Disney, parecendo bufês infantis. Talvez esses simulacros deem às pessoas uma sensação de pertencimento, de experimentar a “realidade”, mas de uma forma segura e controlada.
De volta ao hotel, conversei com um segurança que vigiava a calçada. Perguntei onde poderia comer uma buchada autêntica, sem garçom fantasiado, sem “serve-serve” e sem cartão de consumação. “Olha, senhor”, disse o rapaz, “Tem um lugar, mas não sei se o senhor vai gostar, não é um lugar assim de muito bom nível...” Nada mais preconceituoso que o povão, não é mesmo?
No domingo de manhã, fui ao local. Era o Mercado São Sebastião, um centro popular onde se vende de tudo: frutas, carnes, queijos, peixes, rações para animais e utensílios para cozinha. Na porta, um trio de forró formado por crianças animava os clientes e pessoas faziam propaganda de candidatos: Preta do Churrasquinho, Alison o Lindão e, o melhor de todos, Perereca do Alumim.
Em um canto do mercado, há vários restaurantes de comidas típicas. Todos têm mesas de plástico, cardápio parecido – carne de sol, buchada, rabada, carneiro, língua – e estavam lotados. Era ali mesmo.
Simpatizei com a foto de Dona Neuza, a “Rainha da Buchada”, e tracei uma panelada (cozido de tripa, bucho e pata de boi) com arroz e cuscuz. Preço: dez reais. De sobremesa, doce de caju comprado de um ambulante. O almoço todo saiu mais barato que o táxi até o Mercado São Sebastião.
Mas o domingão estava só começando: de lá, rumei ao centro da cidade, onde haviam recomendado um lugar chamado Raimundo do Queijo. Era sensacional: numa esquina, debaixo de um toldo, mais de cem pessoas se acotovelavam em mesas de plástico para comer queijo coalho, carne de sol e tomar cachaça e cerveja. Um tecladista e um cantor animavam a massa com sucessos de forró, brega, Jovem Guarda e música romântica. Teve Amado Batista, Odair José, The Fevers, Roberto Carlos, Reginaldo Rossi e até “Menina Veneno”. Quando o cantor começou “Fogo e Paixão”, de Wando, o lugar quase explodiu: casais sessentões dançavam agarradinhos, grupos de senhoras levantavam os braços, como se estivessem no auditório do Chacrinha. Tudo num clima divertido e descontraído. Vejam que beleza:
Obrigado, Neuza da Buchada e Raimundo do Queijo, por refeições inesquecíveis em Fortaleza.
“PAVÕES MISTERIOSOS” NO RIO DE JANEIRO
Quarta-feira acontece o lançamento de meu novo livro, “Pavões Misteriosos: 1974-1983: a Explosão da Música Pop no Brasil” no Rio de Janeiro. Será às 19h na Livraria Travessa do Shopping Leblon (Av. Afrânio de Mello Franco, 290, loja 205ª, 2º piso). Espero todos os amigos cariocas lá. Infelizmente, o debate que deveria rolar com o Ritchie foi cancelado, por um problema de data. Pedimos desculpas ao Ritchie, que não teve culpa nenhuma no cancelamento.
P.S.: E o caso do suposto plágio de Criolo a uma música gravada por Clara Nunes chega ao fim (leia aqui). Tudo não passou de um "mal entendido". Segundo o artigo, Criolo teria procurado a gravadora da música de Clara para "acertar quaisquer pendências".
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