Acabo de ver um dos documentários mais inventivos e surpreendentes dos últimos tempos: “Teenage”, de Matt Wolf.
Na verdade, não é um documentário comum, mas um filme-ensaio, uma alegoria lúdica sobre um assunto fascinante: a invenção do adolescente.
Baseado no livro “Teenage: The Creation of Youth Culture, 1875-1945”, de Jon Savage – o mesmo Jon Savage que escreveu “England’s Dreaming” (1991), um dos melhores livros sobre a história do punk – o filme conta como o adolescente foi uma criação americana do pós-Segunda Guerra.
Usando apenas imagens de arquivo – cada uma mais espetacular que a outra – recriações de cenas de época e uma trilha sonora atmosférica e marcante de Bradford Cox (Deerhunter), “Teenage” mostra como os jovens passaram de mão de obra barata na época da Revolução Industrial a maior legião de consumidores do planeta.
Antes da Segunda Guerra havia apenas duas distinções de idade: crianças e adultos. Os jovens ajudavam os pais em trabalhos braçais e nas fábricas. Há cenas inacreditáveis de 1904, mostrando crianças de cinco ou seis anos trabalhando em máquinas industriais. O mundo das crianças era um pesadelo dickensiano de cidades cinzas e longas horas de trabalho. No future for you.
Nas duas guerras mundiais, os jovens foram explorados, tanto na produção de armas e materiais de guerra – carros, uniformes, equipamentos – quanto nos campos de batalha. Alguns se rebelaram, e nos locais mais improváveis: há a história dos jovens alemães que cultuavam o jazz americano de Duke Ellington e Louis Armstrong e arriscaram a vida dançando sons negros na Alemanha nazista. Uma foto mostra dezenas deles, enforcados pelos próprios alemães.
Uma das sequências mais espetaculares mostra um festival de jazz ao ar livre nos Estados Unidos, nos anos 20, em que jovens brancos e negros dançavam juntos o swing. A música ajudava a integrar racialmente um país que, ainda era dividido por um racismo profundo. A expressão de alegria e felicidade na cara dos adolescentes negros e brancos é uma das imagens mais marcantes que já vi.
O filme não tem entrevistas, apenas narrações feitas por jovens de diferentes nacionalidades. Uma alemã narra as cenas da juventude de seu país às voltas com o surgimento de Hitler; uma menina inglesa conta a experiência de viver num país arrasado pela guerra; um americano narra como o fim da Segunda Guerra trouxe ao país um progresso nunca visto até então.
Foi nessa época que a indústria pop percebeu que havia uma legião de consumidores de 16 a 20 anos, velhos demais para serem considerados crianças e novos demais para a vida adulta, e que formariam a base da indústria cultural a partir dali. É quando surge Frank Sinatra, o primeiro ídolo pop em escala mundial.
Mesmo que você não fale inglês perfeitamente, dá para acompanhar o filme numa boa, com legendas em inglês. As cenas de arquivo são impressionantes e dizem mais que qualquer narração. Você pode acessar o site do filme (aqui) e vê-lo no Netflix gringo (o Netflix nacional, essa porcaria que não tem uma fração do catálogo gringo, ainda não oferece o filme).
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