Essa semana, a HBO começou a exibir “O Ato de Matar” (“The Act of Killing”), de Joshua Oppenheimer (veja horários aqui). Foi o melhor filme que vi em 2013. Para dizer a verdade, não vi outro filme melhor desde então.
Uma maneira simplória de resumir “O Ato de Matar” seria dizer que é um documentário sobre os esquadrões da morte indonésios que aniquilaram cerca de um milhão de pessoas depois do golpe de Estado de 1965, que pôs na Presidência o sádico Suharto.
Mas o filme é bem mais que isso. A maneira que Oppenheimer imaginou para relatar a barbárie foi das mais inventivas: ele convenceu alguns dos membros desses esquadrões da morte a reencenar, em forma de musical, faroeste e filme de aventura, algumas das atrocidades que cometeram. Não há uma cena de arquivo ou violência real no filme; tudo é estilizado.
O resultado é um delírio tecnicolor sobre a banalidade do mal, um filme em que a ficção consegue ser mais chocante que a realidade, ao deixar os personagens mitificarem suas próprias “façanhas”.
“O Ato de Matar” acompanha dois velhinhos simpáticos, Anwar Congo e Ady Zulkadry. Eles aparecem brincando com os netos, dançando e passeando por um shopping com a família. É só quando começam a contar suas trajetórias que descobrimos que são dois assassinos em massa. Anwar diz ter matado mais de mil pessoas, a maioria por estrangulamento com uma forca de arame.
Os dois eram bandidinhos comuns e viviam de pequenos golpes, quando Suharto tomou o poder e começou a arregimentar grupos paramilitares para exterminar comunistas – na verdade, qualquer um que se opunha ao regime. Anwar e Ady viraram astros da nova máquina de matar do Estado indonésio, liderando ataques a aldeias, escolas, fazendas, universidades, enfim, a qualquer lugar sob “ameaça” comunista. Até hoje, dão autógrafos na rua e entrevistas na TV.
Oppenheimer não julga nenhum dos entrevistados, mas simplesmente mostra como “o ato de matar” tornou-se tão corriqueiro para essas pessoas. É assustador ver amigos sessentões se reunindo para jogar conversa fora, relembrar os bons tempos e reencenar estupros e chacinas.
Os “filmes” que resultam desses encontros são bizarros ao extremo: coloridíssimos, exagerados e com atuações grotescas. Parecem obra de colegiais refilmando cenas de zumbis de George Romero. As imagens são mais assustadoras que qualquer “thriller”, porque refletem a visão de monstros reais e dão forma aos delírios psicopatas de cidadãos comuns que, amparados pelo Estado, puderam liberar seus instintos selvagens. Que filme!
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