O desgaste da floresta Amazônica está chegando a um “ponto de não retorno”, em que a floresta começa a falhar em seu papel de regulação do clima da América do Sul. A consequência disso será um “efeito dominó”, o início de uma reação em cadeia que terminará com o sistema da região “brutalmente desequilibrado”.
Quem diz isso não é nenhum milenialista alucinado ou ambientalista fanático que vive numa caverna e abraça tartarugas, mas o biogeoquímico Antonio Donato Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Nobre acaba de publicar um relatório, “O Futuro Climático da Amazônia”, em que reúne dados de mais de 200 estudos sobre a região. O documento é curto – 40 páginas – mais assustador que qualquer filme-catástrofe de Michael Bay, e pode ser baixado de graça aqui.Deveria ser leitura obrigatória em casas, repartições públicas, igrejas e escolas. E no Planalto também, claro (mas ninguém ali pareceu se interessar pelo assunto nas últimas décadas, e não vai ser agora).
Segundo o estudo, 20% da floresta foram desmatadas e outros 20% estariam degradadas. O total – 40% - é o limite, segundo alguns pesquisadores, para que a floresta não consiga garantir a própria umidade.
“A floresta oceano-verde é muito úmida para queimar, mesmo durante a época ‘seca’. No entanto, quando nenhuma chuva cai na estação seca – algo que não costumava acontecer, mas agora está se tornando cada vez mais comum – o material orgânico no chão da floresta acaba secando além do limite em que se torna inflamável. O fogo entra na mata, queima raízes superficiais e mata árvores grandes. Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se.”
Segundo Nobre, o desmatamento acumulado chega a 762.979 km2, equivalente a duas Alemanhas ou três estados de São Paulo. A área desmatada corresponderia a 184 milhões de campos de futebol.
“Até 2013, a área total degradada por ter alcançado 1.255.100 km2. Somando com a área mensurada de corte raso, o impacto cumulativo no bioma pela ocupação humana pode ter atingido 2.018.079 km2. Dentre mais de 200 países no mundo, somente 13 têm área maior que essa.”
O estudo sugere que a seca no Sudeste já pode ser resultado desse processo de “savanização” da Amazônia. Para reverter a situação, a solução seria parar o desmatamento – não reduzir, parar mesmo - e iniciar um amplo processo de reflorestamento.
Levante o braço quem acredita que o governo vai fazer alguma coisa. Eu não. Nem os dados sobre o desmatamento o governo divulga mais. O último relatório foi divulgado em agosto. O próximo foi convenientemente empurrado com a barriga para depois das eleições e está prometido para o meio de novembro.
Ano passado, publiquei no blog uma reportagem sobre as condições de trabalho de vigilantes ambientais em todo o país (leia aqui) e concluí que o governo cortou a verba de vigilância em 38% desde 2010.
Um exemplo das humilhantes condições de trabalho de nossos ambientalistas: a Unidade de Conservação (UC) da Floresta Nacional de Tefé, no interior do Amazonas, é responsável pela vigilância de uma área de mais de um milhão de hectares, ou 10 mil km2, quase sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo. E para fiscalizar toda essa região, a UC de Tefé conta com o assombroso quadro de dois analistas ambientais e três técnicos.
Em seu relatório, Nobre afirma:
“Em 2008, quando estourou a bolha financeira de Wall Street, governos mundo afora precisarem de apenas 15 dias para decidir usar trilhões de dólares de recursos públicos na salvação de bancos privados e evitar o que ameaçava tornar-se um colapso do sistema financeiro. A crise climática tem o potencial de ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira, não obstante, as elites governantes vêm procrastinando por mais de 15 anos tomar decisões efetivas que desviem a humanidade do desastre climático.”
Minha sugestão? Declarar a Amazônia área de interesse mundial e doá-la para quem tiver a competência de preservá-la, já que nós não temos.
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