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“BOYHOOD”: A VIDA COMO ELA É

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O cinema moderno vive numa bolha, onde o risco é proibido e a palavra de ordem é dar ao público exatamente o que ele quer. E tome roteiros formulaicos, tramas repetitivas e histórias sem nenhuma surpresa. O público cinéfilo é tão complacente que aceita qualquer coisa que vê na tela (poder-se-ia chamá-lo de "bovino", se o adjetivo não causasse tamanha comoção hoje em dia).

Por isso, é uma surpresa quando pinta um filme como “Boyhood”, de Richard Linklater, que vai contra essa mesmice.

Na teoria, o filme é parecido com muitos outros que vimos: um filme coming of age, sobre a transformação de um menino em adulto. Mas a forma como foi realizado e a qualidade de sua realização o separam da manada.

“Boyhood” foi filmado num período de mais de 11 anos - de maio de 2002 a outubro de 2013 - com os mesmos atores. Você vê as crianças virando adultos e os adultos virando velhos.

O personagem central é Mason (Ellas Coltrane), um menino de seis anos que mora em Houston, no Texas, com a mãe, Olivia (Patricia Arquette) e a irmã, Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). O pai das crianças é Mason Sr. (Ethan Hawke), um sujeito irresponsável, que some por longos períodos para trabalhar em outras cidades e tenta compensar a ausência com passeios e saídas esporádicas com os filhos.

“Boyhood” acompanha 11 anos da vida da família. Nesse período, Olivia casa e descasa algumas vezes e se mete com amantes alcoólatras e violentos, sempre arrastando os filhos para outras cidades e outras realidades.

Mason é uma criança tímida e sonhadora, um menino sensível que não gosta de esportes e tem uma alma lúdica. No filme, ele se torna adulto, passando por todas as fases da vida de uma criança: o senso de deslocamento e inadequação na escola, o bullying, os primeiros amores, o sexo, as drogas e a insegurança quanto ao futuro.

“Boyhood” é longo – tem 2h45 – e, em certas partes, muito lento. Mas se a ideia de Linklater era justamente tirar o espectador desse torpor estético a que ele se acostumou, nada mais inteligente do que desacelerar a narrativa, por mais paradoxal que isso possa parecer. É como se o diretor dissesse: “A vida não é um filme e não precisa ser corrida. Permita-se apreciar essa história de uma maneira calma e contemplativa”. E quem embarcar na ideia vai sair recompensado.

Usar os mesmos atores por um longo período de tempo não é novidade no cinema. O francês François Truffaut fez, num período de 20 anos, cinco filmes autobiográficos com o personagem Antoine Doinel, começando com “Os Incompreendidos” (1959) e terminando com “O Amor em Fuga” (1979). Em todos, Antoine foi interpretado pelo mesmo ator, Jean-Pierre Léaud.

Outro caso marcante de repetição de personagens é o da série “Up”, do britânico Michael Apted. Mas “Up” é diferente: os personagens são reais. Começando em 1964, a BBC entrevistou um grupo de crianças de sete anos de idade sobre suas vidas e sonhos. A cada sete anos, Apted voltou a entrevistar as mesmas pessoas. Em 2012, a série já estava no oitavo capítulo, “56 Up”, em que as “crianças” eram cinquentões.

Se você vão viu a série “Up”, dê um jeito de assistir. É um marco do cinema documental e um dos trabalhos mais bonitos e emocionantes da história do cinema. Veja um trailer:

 

 

Voltando a “Boyhood”: o que é inédito no filme – pelo menos eu não consigo lembrar nada parecido - é que a transformação dos personagens se dá na mesma história e, por isso, é ainda mais impressionante. Ver Mason passando de uma criança a um adolescente e, por fim, a quase um adulto, é uma experiência e tanto.

Richard Linklater sempre foi interessado em dois temas: os ritos de passagem geracional, como em “Jovens, Loucos e Rebeldes” (1993), e a ação do tempo sobre personagens, como experimentou tão bem na série “Antes do Amanhecer”, em que acompanhou, por 18 anos e três longas, o romance de Ethan Hawke E Julie Delpy.

Em “Boyhood”, ele junta os dois temas e faz um filme diferente de tudo que o cinema tem oferecido ultimamente. Vá e veja.

P.S.: Estarei sem acesso à Internet até o meio da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o se comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.

 

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