Chegou às lojas “The Endless River”, o 15º - e, segundo relatos, último - disco de estúdio do Pink Floyd. Ou melhor: do que restou do Pink Floyd.
Na verdade, o disco é um apanhado de sobras de estúdio de “The Division Bell” (1994), o último LP em que integrantes do Floyd efetivamente se juntaram para gravar.
David Gilmour (guitarra/voz) e Nick Mason (bateria) vasculharam mais de 20 horas de gravações e contaram com a ajuda dos produtores Phil Manzanera (ex-Roxy Music), Youth (Killing Joke) e Andy Jackson para chegar às 18 canções – 17 delas instrumentais – que compõem o novo disco, uma homenagem ao tecladista da banda, Rick Wright, morto em 2008. Veja o clipe da única canção com vocais, “Louder than Words”:
“The Endless River” é bonito e etéreo, uma coleção de sons “ambient” que não faria feio na trilha sonora de um filme de Sofia Coppola. Mas será que alguém vai ouvir o disco daqui a um ou dois anos? Aposto que não. Porque o Pink Floyd, de verdade, acabou há muito tempo.
Quando alguém me pergunta se gosto do Floyd, sempre respondo: “Depende. De qual deles?”
Para mim, a banda teve quatro encarnações distintas. A primeira durou de 1965 a 1968, quando Syd Barrett reinava e o Floyd lançou uma obra-prima da lisergia, “The Piper at the Gates of Dawn” (1967), gravado no mesmo estúdio em que outra bandinha talentosa criava um tal de “Sgt. Pepper’s” (Macca até dividiu um baseado com Syd enquanto ouvia, maravilhado, “Astronomy Domine” e “Lucifer Sam”).
Mas Syd não segurou a onda, e sua psique frágil despedaçou sob montanhas de ácido e pilhas de Mandrax (o nosso Mandrix) que ele esmagava, misturava a creme capilar e besuntava na cabeça para ser mais rapidamente absorvida pelo cérebro sob a luz forte dos refletores dos shows (só para ter uma ideia da loucura, é um remédio semelhante ao que deixa Leonardo DiCaprio catatônico em "O Lobo de Wall Street"),
Sem Barrett, o Floyd perdeu qualquer traço de humor, alegria e concisão. Dali em diante, o mundo deles foi uma escuridão só. E nenhuma banda foi tão grande cantando sobre temas tão lúgubres como paranoia, ganância, isolamento, esquizofrenia, alienação, solidão e morte.
A segunda fase do Floyd durou até mais ou menos 1975 e é, para mim, o auge deles. A sequência de “Meddle” (1971), “The Dark Side of the Moon” (1973) e “Wish You Were Here” (1975) é matadora. Foi a única fase em que o Floyd foi, de fato, uma “banda”, dividindo créditos, deixando os egos de lado e trabalhando em conjunto.
Hoje, “The Dark Side of the Moon” é um ícone do rock de arena, um disco tão marcante e poderoso que simboliza o gigantismo e a pretensão do pop, contra os quais o punk se insurgiria logo depois. Mas é preciso lembrar que, em 1973, ninguém achava que um disco tão sombrio e triste poderia ser um sucesso. Concebido como um experimento temático, sonoro e estético, TDSOTM surpreendeu até a própria banda, que não esperava um colosso daqueles.
O álbum seguinte, “Wish You Were Here”, foi o momento sublime do Floyd. É um disco atípico de uma banda que nunca tinha aberto seu coração daquela maneira. O LP é um tributo a Barrett e tem as duas peças mais comoventes gravadas pela banda, “Shine On You Crazy Diamond” e “Wish You Were Here” – esta acaba com meu dia toda vez que ouço, e está no meu top 5 da música pop em todos os tempos...
Durante a gravação de “Shine on You Crazy Diamond”, um sujeito gordo, careca e sem sobrancelhas entrou no estúdio de Abbey Road, onde o Floyd gravava. O tecladista Rick Wright perguntou quem era. “Sou o Syd!”. Ninguém o reconhecera. Syd passou alguns minutos no estúdio, falando frases sem sentido, e foi embora. Nenhum dos integrantes do Pink Floyd o viu de novo. Syd Barrett morreu em 2006.
Logo depois do triunfo de “Wish You Were Here”, David Gilmour começou a perder interesse na banda e gravou um disco solo, deixando o terreno livre para que Roger Waters tomasse conta da bagaça. E Waters transformou a maior banda do mundo em seu projeto pessoal, lançando três discos ambiciosos, panfletários e autoindulgentes: “Animals” (1977), “The Wall (1979) e “The Final Cut” (1983), em que destilava uma visão orwelliana e cinza do Ocidente. As vendas foram monstruosas, os shows viraram Las Vegas, e o Floyd, “a” banda da contracultura londrina, se transformou no establishment, em mais um tijolo na parede. Foi a terceira encarnação do grupo: a do ditador Waters.
Mas a vingança de David Gilmour não tardaria: no meio dos anos 80, Waters deixou a banda e processou seus ex-companheiros para que não usassem o nome Pink Floyd. Não deu certo. Foi a vez de Gilmour tomar as rédeas e fazer do Floyd sua banda de apoio, lançando três discos nos últimos 30 anos – “A Momentary Lapse of Reason” (1987), “The Division Bell” (1994) e este “The Endless River”. Mas, a essa altura, o Pink Floyd, que sempre foi mais que a soma de suas partes, já estava morto e enterrado.
P.S.: Estarei sem acesso à Internet até o fim da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o se comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.
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