Alguns documentários musicais são tão bons que você não precisa nem gostar da música dos artistas para se interessar.
Acho que nunca ouvi um disco inteiro do grupo canadense de metal Anvil, mas o filme "The Story of Anvil" (2008), de Sacha Gervasi, é um dos melhores documentários que já vi. Perdi o interesse na música do Metallica no início dos anos 90, mas adoro "Some Kind of Monster" (2004), de Joe Berlingner e Bruce Sinofsky, sobre as gravações do disco "St. Anger" e a fricção interna da banda.
Dia desses, vi um filme sobre uma banda que nunca me interessou: "Don't Stop Believin': Everymans's Journey", de Ramona Diaz, sobre o grupo americano Journey. O filme está passando no canal Sundance (aliás, que ótima adição ao repertório de nossa TV a cabo, não?) e merece ser visto (sugiro checar a programação; a próxima exibição está marcada para quinta, mas não consegui descobrir o horário).
O documentário conta a história de Arnel Pineda, um cantor filipino que ganhava a vida se apresentando em boates vagabundas de Manila, quando foi visto no Youtube pelo guitarrista do Journey, Neal Schon, e convidado a participar de uma audição para a banda. Pineda acaba contratado como novo vocalista do Journey.
O filme tinha tudo para virar um desses contos de fadas moderno - rapaz pobre do Terceiro Mundo realiza o sonho de virar popstar milionário - mas, felizmente, é muito mais que isso: é um relato informativo e bem feito sobre os bastidores de uma famosa banda pop e sua politicagem interna.
O Journey é um dos grandes expoentes do rock comercial da virada dos anos 70 para os 80 - chamado por alguns de soft rock - junto a nomes como Foreigner, Styx, REO Speedwagon, Chicago, Kansas, Toto e outros.
No filme, o próprio Neal Schon conta que o Journey - formado por alguns membros da banda de Santana - começou como um grupo de longas jams instrumentais, na linha do Grateful Dead, mas resolveu mudar de estilo por imposição da gravadora. "A CBS nos deu um ultimato: ou vocês começam a fazer música comercial, com ênfase nos vocais, temas 'pra cima' e apelo radiofônico, ou serão demitidos".
Schon e cia. não pensaram duas vezes: abandonaram qualquer pretensão artística mais séria e se dedicaram a fazer a música mais inócua, apelativa e inofensiva possível. E tome tecladinhos "futuristas", refrães bombásticos, a voz aguda e irritante de Steve Perry e letras sobre superação pessoal, que viraram hinos na América careta de Reagan. A definição imortal de Ezequiel Neves para o rock progressivo - "som de penteadeira de bicha" - cairia como uma luva no Journey.
E que ninguém pense que essa guinada ultracomercial do rock foi um fenômeno espontâneo. Na verdade, foi a culminação de um processo de "profissionalização" das gravadoras, iniciado em meados dos anos 70, que resultou no fenômeno da discoteca, do soft rock, e culminou nos superastros da "Era Michael Jackson". A música acompanhou a onda conservadora e corporativista que varreu os Estados Unidos e Europa no início dos 80.
Voltando ao filme, ele motra como a chegada de Pineda causou estranheza nos fãs do Journey - 99% brancos (aliás, não vi um negro sequer na plateia de nenhum dos shows mostrados). Uma fã, entrevistada na entrada de um concerto, diz que "preferia ver um americano cantando".
Também fica claro que a contratação dele foi uma estratégia de marketing para atrair novos fãs asiáticos. "É impressionante a quantidade de filipinos e asiáticos que têm vindo a nossos shows", diz Schon, empolgado. "Não sabia que havia tantos filipinos nos Estados Unidos".
Mas o melhor do filme são as cenas de bastidores: o tecladista Jonathan Cain e Pineda aquecendo as vozes na "sala de preparação vocal"; o empresário da banda contando como o Journey estava batendo as bilheterias de pesos-pesados como Jonas Brothers e The Police; Pineda quase chorando ao encontrar, nos camarins, Jason Scheff, baixista e cantor da banda Chicago.
São instantâneos da vida na estrada e que mostram um pouco dos bastidores de uma banda grande e comercial.
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