Após a sessão, na mesa do restaurante, a questão era uma só: por que o cinema brasileiro não consegue fazer um “Relatos Selvagens”?
Na teoria, o filme poderia tranquilamente se passar no Brasil. Afinal, os temas são nossos velhos conhecidos: tensão social, preconceito de classe, burocracia, corrupção, violência, rivalidade entre pobres e ricos...
Mas “Relatos Selvagens” é o tipo de filme que raramente vemos por aqui: aquele que consegue respeito da crítica e sucesso de público.
Não acho que nosso problema seja falta de talento. Apesar de considerar o cinema argentino, na média, mais bem escrito e bem acabado que o nosso, temos muita gente talentosa fazendo cinema e TV no Brasil. Acho que o que nos impede de ter filmes bons e populares é a forma esquizofrênica como nosso cinema é financiado.
Digamos que um cineasta ousado tivesse uma ideia genial para fazer uma comédia negra como “Relatos Selvagens”. Quem iria financiá-lo? Mais importante: quem iria assistir ao filme?
A primeira pergunta é fácil responder: ninguém.
Hoje, quem manda no cinema brasileiro são diretores de marketing de grandes empresas privadas, que usam o nosso dinheiro para divulgar suas marcas. É uma situação ridícula e revoltante.
Para quem não sabe como funcionam as leis de incentivo, aqui vai uma rápida explicação: o governo permite que empresas usem uma parte do imposto devido – ou seja, dinheiro público - em projetos culturais. Só que as empresas podem escolher os projetos em que desejam colocar o nosso dinheiro. Resumindo: O financiamento é público, mas a seleção de projetos é privada.
E que empresa vai querer associar sua marca a um filme perverso e sombrio como “Relatos Selvagens”? Nenhuma. Até porque muitas delas já produzem seus próprios projetos – shows, festivais, concursos, filmes, etc. – usando essa boiada. E tome Rock in Rio, Cirque de Soleil, Claudia Leitte e Maria Bethânia recebendo verba pública para projetos privados.
A segunda pergunta – “Quem vai assistir ao filme?” – também é crucial.
Na Argentina, que tem uma população cinco vezes menor que a do Brasil, “Relatos Selvagens” vendeu 3,4 milhões de ingressos. Foi o filme mais visto de 2014 e é, junto com “Titanic”, o único filme que não é desenho animado a superar os 3 milhões de espectadores.
No Brasil, dos dez filmes nacionais mais vistos de 2013, oito eram comédias deprimentes como “Minha Mãe é uma Peça”, com Paulo Gustavo, “Meu Passado me Condena”, com Fábio Porchat, e “De Pernas Pro Ar 2”, com Ingrid Guimarães. Os outros dois eram filmes da grife Legião Urbana: “Somos Tão Jovens” e “Faroeste Caboclo”. Não é lá uma situação muito otimista.
Dos 20 filmes mais vistos no país no primeiro semestre de 2014, o único que não era feito para crianças e adolescentes, uma comédia estilo “Zorra Total” ou filme de tema religioso foi “O Lobo de Wall Street”, em 20º lugar.
Ou seja: mesmo que algum brasileiro fizesse um filme adulto e importante como “Relatos Selvagens”, haveria alguém para assisti-lo?
Ano passado, Kleber Mendonça Filho dirigiu o elogiadíssimo “O Som ao Redor”, um filme que, estilisticamente, não tem nada a ver com “Relatos Selvagens”, mas trata de temas semelhantes e tem uma abordagem igualmente crítica. Não estou comparando os filmes - aliás, gostei dos dois - mas acho que vale colocar os números de bilheteria lado a lado para termos uma ideia do abismo que parece existir entre os públicos argentino e brasileiro.
Os 3,4 milhões de ingressos vendidos na Argentina equivaleriam, numa população de 200 milhões como a brasileira, a 17 milhões de ingressos. E “O Som ao Redor” fez pouco mais de 94 mil ingressos, ou seja, 0,55% da bilheteria de “Relatos Selvagens”. Uia.
“Relatos Selvagens” não foi concebido para ser um “blockbuster”. Não é um filme de ação, como "Cidade de Deus" ou "Tropa de Elite" - só para citar dois filmes brasileiros adultos e de muito sucesso - e poderia muito bem ter atraído só um pequeno público ligado em filmes mais alternativos. Mas o público argentino abraçou o filme de tal maneira que o tornou um fenômeno.
No Brasil, filmes menos comerciais são relegados a poucas salas e quase sempre morrem no parto. O que leva à pergunta: o que aconteceria com “Relatos Selvagens” se fosse uma produção brasileira?
Posso estar enganado, mas acho que faria 100 mil espectadores e sairia de cartaz para abrir espaço para as 1300 cópias de “Jogos Vorazes”.
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