A chance de ver esse filme em circuito comercial no Bananão é quase nula. Por isso, recomendo: baixe, compre na gringa, faça o que precisar, mas assista a “20,000 Days on Earth”, sobre Nick Cave. É um dos melhores filmes do ano. Talvez o melhor.
Chamá-lo de “documentário” não é correto. “Filme-ensaio biográfico” chega mais perto da verdade.
Dirigido por Jane Pollard e Iain Forsyth, um casal talentoso que já colaborou em projetos audiovisuais com Gill Scott-Heron, Scott Walker e Jason Pierce (Spiritualized), o filme tenta captar a essência do que é ser Nick Cave. O resultado é fascinante - e aterrador.
Nem sinal daquelas entrevistas posadas em que amigos, parentes e especialistas falam, com voz de Deus, sobre Nick Cave e sua obra. As conversas do filme são realizadas em ambientes inusitados: o próprio Cave é mostrado em sessões com um psicanalista, em que lembra a infância, fala das inspirações para suas músicas, de seus problemas com heroína, da família e de suas mulheres.
Cave conta ao doutor que um de seus passatempos prediletos de infância em Wangaratta, sudeste da Austrália, era correr com amiguinhos em uma ponte sobre um rio e pular segundos antes de ser atropelado por um trem. “As crianças de hoje não experimentam mais o perigo, e acho isso muito ruim.” Logo depois, Cave aparece com os dois filhos pequenos assistindo a “Scarface”, de Brian De Palma.
O próprio cantor “entrevista” alguns amigos e colaboradores, como o ator Ray Winstone, a popstar Kylie Minogue e o músico Blixa Bargeld (Einstürzende Neubauten), seu ex-parceiro por 20 anos no Bad Seeds. Esses papos são antológicos. Cave aproveita a conversa com Blixa para resolver uma questão que o atormenta há anos: “Blixa, por que você deixou o Bad Seeds?” Blixa responde que não se sentia capaz de manter o “casamento” com duas bandas e optou pelo Neubauten, mas aproveita para dar uma cutucada em Cave: “No último disco que fiz com vocês (“Nocturama”, 2003), senti que já não havia aquela colaboração intensa de antes. Você chegou com ideias pré-definidas sobre como seria o álbum.” Cave faz um mea culpa e depois diz: “Sabe, às vezes ouço os discos que fizemos juntos (foram 12) e penso como teria sido bom ter alguém para editar as músicas, que cortasse as canções de seis para quatro minutos, alguém que editasse nosso trabalho. Hoje em dia, sou obcecado por edição e concisão.” É muito raro ver dois grandes artistas se expondo dessa maneira.
Visualmente, “20,000 Days on Earth” não poderia ser mais bonito. Uma sequência que mostra Cave visitando seu parceiro musical Warren Ellis em uma mansão à beira de um penhasco no sul da França é impressionante, assim como imagens dos Bad Seeds gravando o disco “Push The Sky Away” e algumas cenas de shows, incluindo uma arrebatadora versão de “Jubilee Street” filmada na Austrália. Veja e chore:
"No fim das contas, não me interesso por aquilo que compreendo totalmente". Lindo.
Nossa única esperança de ver esse filme por aqui é em algum festival como o In-Edit. Enquanto isso não acontece, dê um jeito de assistir, mesmo que você não conheça a obra de Nick Cave. O filme é inventivo, informativo, e mostra como o cinema documental pode surpreender, sem apelar a clichês televisivos.
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