Muito triste com a morte do músico Lincoln Olivetti, aos 60 anos.
Um dos maiores arranjadores do pop brasileiro, Olivetti era um tipo recluso, que não gostava de dar entrevistas e se mantinha longe de jornalistas. Levei quase nove meses para conseguir falar com ele para meu livro “Pavões Misteriosos – 1974-1983: a Explosão da Música Pop no Brasil”. Ele só aceitou falar por 20 minutos e pelo telefone.
Olivetti não gostava de jornalistas porque ainda se considerava injustiçado pela avalanche de críticas que recebeu, especialmente no fim dos anos 70, quando foi acusado de “pasteurizar” a música brasileira e torná-la mais comercial.
Seu currículo é impressionante: ele tocou e fez arranjos de metais em Rita Lee, lp que tinha “Lança perfume”, “Baila comigo” e “Caso sério”; fez os arranjos de “Festa do interior” e “Meu bem, meu mal” para Gal Costa, de “Não chore mais” e “Palco” para Gilberto Gil, e de “Eu e você, você e eu” e “Acenda o farol”, para Tim Maia. Trabalhou em centenas de discos de sucesso.
Como a notícia da morte de Olivetti pegou todo mundo de surpresa, resolvi publicar aqui, sob risco de parecer cabotino, mas já me desculpando antecipadamente, outro trecho de “Pavões Misteriosos”, que conta um pouco da vida e carreira desse música excepcional. Aqui vai:
Dos arranjadores e produtores que despontaram no fim da década de 1970, um dos mais polêmicos, influentes e talentosos foi Lincoln Olivetti. Personagem enigmático e recluso, avesso a entrevistas e a marketing pessoal, Olivetti foi, por muito tempo, malhado pela crítica e acusado de “pasteurizar” a música brasileira e torná-la excessivamente comercial. Seus pares, no entanto, o consideram uma sumidade. Perguntei a oito músicos o que achavam dele, e seis usaram a mesma palavra para defini-lo: “gênio”. Lulu Santos o chamou de “mestre dos mestres”; Pepeu Gomes o considera “um músico sempre à frente do seu tempo, fora de série, com um ouvido absoluto”.
Lincoln Olivetti nasceu em 1954 em Nilópolis, na Baixada Fluminense. O pai, Milton, era advogado e trabalhava em cartório, mas também compunha e tocava vários instrumentos. Lincoln começou a estudar piano ainda criança e logo se interessou por gravação e mixagem. Aos catorze anos, era dono de uma mesa de som Tascam e tocava teclados em bailes e festas. No fim dos anos 1960, montou um conjunto de baile que reinou em clubes como Nilopolitano, Ideal, Pavunense, Mesquita, Vasquinho de Morro Agudo e Esportivo da Penha, onde dividia o palco com A Bolha, Os Devaneios e Lafayette [tecladista de Roberto Carlos e da Jovem Guarda]. O repertório era o mais variado. “Eu tocava Jethro Tull, Humble Pie e Iron Butterfly, e emendava Emerson, Lake & Palmer com ‘Aquele abraço’, do Gil”, ele conta.
No início dos anos 1970, Olivetti já era uma lenda no subúrbio e tinha o melhor grupo de baile da cidade. “Eles tocavam Santana, Deep Purple, e eu ficava louco com aquilo”, lembra o compositor Paulo Massadas. Um dia, Massadas e um amigo foram à casa de Lincoln e encontraram o tecladista de pijama, na varanda. Lincoln os convidou para entrar. Massadas viu um piano na sala e começou a tocar “Love”, de John Lennon [“Love is real/ real is love/ love is feeling/ feeling love”]. Lincoln pediu para tocar. “Mas continua cantando, vai”, disse a Massadas. Depois de alguns minutos, Lincoln perguntou:
— Quer tocar comigo?
— Tocar ou cantar?
— Cantor eu já tenho, preciso de um contrabaixista. Quer tocar baixo?
— Mas eu não sei tocar baixo.
— Não tem problema, eu te ensino.
Para Massadas, que não se considerava um músico à altura de tocar com Olivetti, aquilo foi um desafio e uma honra: “Foi como se Paul McCartney me chamasse pra tocar”. Em um mês, ele estava tocando Led Zeppelin, Deep Purple e Humble Pie. Pouco depois, Massadas foi promovido a cantor da banda. “O Lincoln sacou que minha voz era boa pra cantar rock, que não tinha muita voz assim no Brasil, meio rasgada.”
Apesar de dominar técnicas de gravação e mixagem, Olivetti não pretendia trabalhar com produção de discos. Queria mesmo era alugar seus teclados, como fazia José Roberto Bertrami, tecladista do Azymuth: “Isso dava uma boa grana”. Em 1973, foi a São Paulo com o amigo Papi – que depois integraria o grupo Painel de Controle – mostrar músicas para Antonio Marcos, que estava gravando O homem de Nazaré. Lincoln foi à casa Del Vecchio, comprou um violão de doze cordas e acabou tocando violão e teclados nesse disco de Antonio Marcos, que teve arranjo do maestro Chiquinho de Moraes. “O Chico virou pra mim e disse: ‘Em cinco anos, você vai ser o melhor arranjador do Brasil’. Eu disse que não queria fazer arranjo, que isso dava um trabalho fodido.”
Em 1976, Olivetti conheceu o músico Robson Jorge durante a gravação de “Fim de tarde”, balada soul que Robson e Mauro Motta fizeram para a cantora Claudia Telles, filha de Sylvinha Telles, pioneira da Bossa Nova. “Essa foi a primeira grande música pop brasileira que ouvi”, lembra Massadas. “Era uma coisa nova no Brasil, com um arranjo supermoderno. Essa música marcou demais e influenciou muita gente.” Certamente marcou Olivetti, que iniciou uma parceria de sucesso com Robson Jorge. A colaboração culminou no disco instrumental Robson Jorge e Lincoln Olivetti, uma joia da soul music brasileira, lançado em 1982.
Olivetti participou, como músico ou arranjador, de muitos discos de sucesso na passagem dos anos 1970 para os 1980. Tocou e fez arranjos de metais em Rita Lee, lp que tinha “Lança perfume”, “Baila comigo” e “Caso sério”. Fez os arranjos de “Festa do interior” e “Meu bem, meu mal” para Gal Costa. Trabalhou com Jorge Ben em “Salve simpatia”, fez arranjos para Gilberto Gil em “Não chore mais” e “Palco”, e para Tim Maia em “Eu e você, você e eu” e “Acenda o farol”. Olivetti se especializou em arranjos festivos e dançantes, que alavancavam a vendagem dos discos, mas que nem sempre tinham os elogios da crítica. “Fui acusado de pasteurizar a mpb, mas eu só estava fazendo o que julgava melhor para os artistas.”
Roberto de Carvalho, marido e parceiro de Rita Lee, diz que contar com Olivetti e sua turma, no estúdio, representava um tremendo upgrade musical: “As gravações eram orgânicas, no primeiro take já estava tudo lá, sem muito playback. De um bom gosto a toda prova”. Lulu Santos lembra a reação negativa da crítica musical quando Gal Costa gravou o arranjo de Olivetti para “Festa do interior”, de Moraes Moreira: “Acho a gravação de Gal um glorioso monumento à melhor mpb. Foi um estouro sem tamanho. A reação da crítica foi de escárnio e fobia. Lembra o ‘Narciso às avessas’ do Nelson Rodrigues, uma incapacidade de lidar com o prazer da realização e a vitória”. Olivetti minimiza sua contribuição em “Festa do interior”, dizendo que a batida que há no começo da música foi uma ideia de Moraes Moreira e já tinha sido aprovada pelo público na temporada que Gal fizera no Canecão. As rusgas de Olivetti com a imprensa aumentaram por causa de seu temperamento fechado: “Sempre caguei e andei pra entrevista, só me preocupava com meu trabalho, não ligava pra festa nem autopromoção”. Seus hábitos de trabalho eram peculiares: ele costumava gravar só de madrugada. Pepeu Gomes apelidou o estúdio de Olivetti de “Morcegão”: “Eu ligava: ‘Aí, Lincoln, hoje tem Morcegão?’. E sabia que ia rolar sessão a noite toda”.
P.S.: Estarei fora até o meio da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado e respondido, peço desculpas e um pouco de paciência. Obrigado.
The post ADEUS, LINCOLN OLIVETTI, “MESTRE DOS MESTRES” appeared first on Andre Barcinski.