Braba essa época de Oscar. É muito filme ruim junto.
Estou com a caixa de 4 DVDs do Samuel Fuller parada na estante há uns dez dias, enquanto preciso assistir a uma penca de filmes por obrigação profissional.
O mais recente martírio foi “Selma”. É outro daqueles filmes “edificantes”, uma verdadeira lição de história em forma de cinema. Ou melhor, em forma de telefilme, que é o que lembra.
“Selma” conta a história da famosa marcha entre as cidades de Selma e Montgomery, no Alabama, liderada por Martin Luther King em 1965. Foi um episódio capital da luta pela igualdade de direitos civis nos Estados Unidos e contra o racismo institucionalizado no sul do país.
Se o tema é ótimo e importante, o filme é uma pasmaceira só. O roteiro é professoral e didático; os personagens sempre têm o cuidado de falar explicitamente por que estão agindo de certa forma, para não deixar o espectador boiando.
Assim, num encontro entre o presidente norte-americano Lyndon Johnson (Tom Wilkinson) e Martin Luther King (David Oyelowo), Johnson diz: “Martin, acabar com a segregação foi o momento mais orgulhoso de minha vida, quando assinei aquela Lei em 1964.” Só faltava o presidente virar pra câmera e contar o que foi a Lei dos Direitos Civis de 1964.
O filme confia tão pouco na inteligência do espectador que se sente na obrigação de detalhar tudo: em algumas cenas, chega a usar textos tirados de relatórios do FBI sobre Luther King para explicar o que está acontecendo: “9h03: Luther King chega a Selma com agitadores; 30% são caucasianos”.
A narrativa é previsível: se a câmera demora um tempo a mais no rosto de um manifestante que vê King discursando antes de um protesto, você tem certeza que ele vai morrer – ou pelo menos ser brutalmente espancado – na cena seguinte.
E tome sequências em câmera lenta de cidadãos indefesos atacados pela polícia racista, pessoas ouvindo os discursos lindos de King e levantando os punhos, subitamente tomadas de determinação, e políticos pró-segregação reunidos em salas sombrias e luxuosas, decidindo o que fazer para derrubar King e os seus.
Não é à toa que novelas de TV fazem sucesso. A narrativa usada é a mais medíocre possível e não deixa margem a qualquer tipo de interpretação ou subjetividade. “Selma” faz o mesmo.
É uma pena que um personagem tão rico e complexo quanto Martin Luther King tenha merecido um filme assim, que mais parece uma encenação histórica de um History Channel da vida.
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