A melhor maneira de atestar as mudanças na paisagem de um bairro é ficar um bom tempo sem passar por ele e, de repente, voltar ao local. Foi o que aconteceu esses dias, quando passei em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, onde morei.
Fazia uns cinco anos que não andava pelo bairro. A sensação foi estranha. Esquinas não pareciam as mesmas. Prédios de vidro, quase todos com nomes franceses ou italianos - "Residence", "Spazio" - ocupavam os lugares de sobrados. O barbeiro tinha mudado do bairro há dois anos. Seu ponto foi ocupado por uma pequena "coffee shop" que, a julgar pelo preço de um cafezinho, deve servir um grão importado da Malásia e moído artesanalmente por pigmeus albinos de Sumatra.
Quando recordam seus bairros, as pessoas costumam descrevê-los em versões lúdicas e idealizadas. Em nossos delírios proustianos, nosso cafofo era um lugar com ares de interior, em que vizinhos davam bom dia, pássaros gorjeavam em árvores frondosas e o padeiro sabia o nome de todos os clientes.
Não farei o mesmo com Pinheiros. O lugar que conheci estava longe de ser perfeito. Era um típico bairro de classe média, sem grandes luxos e com os mesmos problemas de qualquer esquina de São Paulo: trânsito, sujeira e especulação imobiliária. Mas a região de Pinheiros que mais frequentei, um quadrilátero formado pelas ruas Pinheiros/Cardeal Arcoverde e Pedroso de Moraes/Francisco Leitão, tinha um certo charme, com vendedores de rua que estavam no lugar há décadas e pequenos comércios - barbeiros, botecos, lojas de material de construção, floristas - atendendo a antigos moradores.
Por isso, foi um choque voltar à rua dos Pinheiros, olhar para uma esquina e imaginar que eu estava na Vila Olímpia.
Por todo o bairro, abundam lojinhas bacanudas. Nas vitrines, palavras como "orgânico", "lounge", "vegan", "handmade", "sommelier", "vintage" (quase sempre pronunciado "vin-têi-je"), "stylist", "street" e, claro, a maldita "gourmet", um carimbo pestilento que transforma picolé em paleta, tilápia em Saint Peter, kombi do dog em food truck e bolinho em cupcake.
Andando pelo bairro, passei por um "Bike Cafe". Que diabos é um bike cafe? Um lugar onde você pode tomar seu espresso enquanto pedala? Uma loja que vende capacetes com uma máquina de cappuccino embutida?
A padaria, a exemplo de tantas outras em São Paulo, mudou de layout, botou piso e mobília de saguão de aeroporto, instalou catracas e meia dúzia de TVs de plasma e vestiu as coitadas das funcionárias como mucamas de "E o Vento Levou".
E a ótica, que virou "Eyewear"? E a loja de bombons, que se define como "Chocommelier"? Não está longe o tempo em que gastroenterologistas exigirão ser chamados de cocommeliers.
Quando uma cidade deixa um prédio de 30 andares ocupar o lugar de seis ou sete sobrados, não causa só os problemas mais óbvios, como trânsito, falta de vagas para automóveis e aumento no preço de aluguéis, mas desfigura também o comércio local. O bairro passa a ter uma habitação transitória, e o comércio muda completamente de figura. O boteco que servia 30 PFs por dia é substituído por um restaurante a quilo que serve 300; a casa da Dona Maria é demolida e vira estacionamento; o alfaiate perde todos os fregueses e vende o ponto para uma temakeria. Os lojistas não têm uma história com o local e a alma do bairro se vai, enquanto os preços triplicam.
Os frequentadores do bairro, claro, também mudam. No caso da rua Pinheiros, virou uma sucursal do Brooklyn (o de Nova York, não de SP), só que com oito ou dez anos de atraso. É um pessoal descoladex, que anda de bike, adora pandas, gasta 400 mangos em sessões de meditação e tem na varanda do apê de 40 metros um vaso de cenouras orgânicas.
O bairro acabou. Já era. Passa pro próximo. Engula um panini de tofu e conforme-se, que esse fenômeno não tem volta.
Só uma coisa me deixa curioso: quanto tempo a Tubolândia Materiais de Construção resistirá, ilhada nesse oceano de hipsterismo?
Boa sorte pra ela.
P.S.: Estarei fora o dia todo e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.
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