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OBRIGADO, CRONENBERG!

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Que bom que ainda existe gente como David Cronenberg pra bagunçar um pouco o coreto. Só ele e um seleto grupo – Paul Thomas Anderson, os Coen, os Dardenne, Ferrara, Von Trier, Haneke – ainda fazem a experiência de ir ao cinema valer a pena, nesses tempos em que Nolan e “Birdman” são vistos como grandes rebeldes e inovadores.

O último de Cronenberg, “Mapas para as Estrelas”, certamente vai desagradar à maioria. É um filme perverso, feio, imoral e sem nenhum tipo de redenção ou explicação. Os personagens não precisam sair voando pelos céus para mostrar seu desequilíbrio psicológico ou justificar sua loucura. Eles são o que são: pessoas perturbadas, maquiavélicas, doentes em sua obsessão pela fama e grana, habitando um mundo em que essas características não são repelidas, mas celebradas e invejadas.

“Mapas” começa com a chegada de uma menina estranha, Agatha (Mia Wasikowska), a Hollywood. Ela contrata uma limusine para um passeio pelas mansões dos ricos e famosos. O motorista da limo é Jerome, interpretado por Robert Pattinson, galã de “Crepúsculo” (que, justiça seja feita, tem trilhado uma carreira brilhante em filmes como “Cosmópolis” e “The Rover”). Jerome, a exemplo de tantos outros motoristas, garçons e modelos, está só fazendo um bico enquanto tenta uma carreira de ator.

Agatha consegue um emprego de assistente de Havana Segrand (Julianne Moore), uma atriz decadente que tenta reerguer a carreira refilmando um antigo sucesso estrelado pela mãe, uma famosa atriz que submetera Havana a torturas psicológicas terríveis na infância e morrera em um incêndio misterioso.

Havana se trata com o Dr. Stafford Weiss, o “psicólogo das estrelas”, um guru de autoajuda e celebridade televisiva, interpretado com veneno reptílico por John Cusack. Weiss é casado com Christina (Olivia Williams), agente do filho do casal, Benjie (Evan Bird), um superastro mimado e arrogante, claramente inspirado em Macaulay Culkin.

A vida de todos esses personagens muda drasticamente com a chegada de Agatha. Não conto mais para não estragar a surpresa.

Em “Mapas”, a insanidade é tanta e os personagens, tão perversos e desumanos, que alguém pode se perguntar se não está vendo um mundo de faz de conta. Há uma cena envolvendo um incêndio e uma piscina, em que Cronenberg exagera o efeito visual para dar uma dimensão irreal à imagem, talvez para dizer que o mundo daquelas pessoas não é o nosso, que não é habitamos a mesma “realidade”.

Digo “talvez” porque Cronenberg não é daqueles cineastas que entrega tudo mastigado, que espanca o público com significado e impõe sua visão. Cronenberg é um criador de sensações, e essas podem atingir diferentes pessoas de diferentes maneiras. De minha parte, posso dizer que fiquei perplexo e fascinado com o filme e o achei parecido, em tom, com "O Anjo Exterminador", de Buñuel, que também trazia os mundos paralelos de "ricos" e "pobres".

“Mapas” pode ser visto como uma crítica à indústria do cinema e ao culto a celebridades, mas limitá-lo a isso parece superficial. O filme pode se aplicar a qualquer área contemporânea: substitua os atores e diretores da história por políticos ou CEOs de grandes empresas de tecnologia, e o centro da história continuará o mesmo: que mundo é este que criamos, em que o poder está tão concentrado em tão poucos que cria um universo paralelo, onde as regras não se aplicam a todos?

O roteiro é de Bruce Wagner, um autor e roteirista com uma visão particularmente mórbida da indústria do entretenimento. Wagner escreveu a série “Wild Palms”, de Oliver Stone, e o estranhíssimo romance “The Chrysantemum Palace”, sátira sobre a vida de três atores, filhos de astros de Hollywood. Também foi membro, com o nome “Lorenzo Drake”, do círculo íntimo do escritor Carlos Castaneda (1925-1998) nos últimos anos da vida do místico.

Não era de se esperar que dois sujeitos desse naipe fizessem um filme "normal", e eles não decepcionaram. E Cronenberg faz seu quinto filme espetacular em sequência - "Mapas", "Cosmópolis", "Um Método Perigoso", "Senhores do Crime" e "Marcas da Violência". Obrigado por manter o cinema estranho, David.

ALLAN SIEBER NA ÁREA

cartaz bolha web1 OBRIGADO, CRONENBERG!

Meu amigo Allan Sieber abre hoje uma exposição no Rio. Quem não for é maluco. Bom fim de semana a todos.

 

 

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