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“VÍCIO INERENTE”: O SONHO ACABOU

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Pra começo de conversa: se você achou “O Mestre”, de Paul Thomas Anderson, “chato”, “parado” e reclamou que “não acontece nada no filme”, sugiro manter distância de “Vício Inerente”, seu novo filme, baseado no livro homônimo de Thomas Pynchon.

Já se você, a exemplo de muitos, acha Paul Thomas Anderson o maior talento surgido no cinema norte-americano nos últimos 20 anos, pode ir sem medo. É mais um filme instigante e surpreendente desse cara que não faz concessões.

A história se passa em Los Angeles, em 1970. Um detetive particular, Doc Sportello (Joaquin Phoenix), recebe a visita de uma ex-namorada, Shasta (Katherine Waterston). Shasta conta que vive um romance proibido com um misterioso magnata da construção civil, Mickey Wolfmann (o excelente e sumido Eric Roberts, irmão de Julia) e pede ajuda de Doc para evitar que a esposa de Wolfmann o interne num manicômio.

Logo depois, Doc é procurado por Tariq Ali (Michael K. Williams), membro de uma gangue negra, a Família de Guerrilheiros Negros. Tariq pede que o detetive encontre um ex-companheiro de cela, membro de um grupo neonazista.

Nesse meio tempo, Shasta desaparece. Doc começa a procurá-la e cruza com diversos personagens esquisitos e misteriosos, como dentistas traficantes (Martin Short, engraçadíssimo), gueixas prostitutas, um policial barra pesada (Josh Brolin), um músico/informante do FBI (Owen Wilson) e uma procissão de malucos e paranoicos que são típico Pynchon.

Parece confuso, e é mesmo. A história é tão rocambolesca e cheia de reviravoltas que não é difícil perder-se na trama. Mas o que importa, aqui, é justamente a confusão e o caos. “Vício Inerente” não é uma simples história policial, mas a radiografia de um período cinza, confuso e fascinante da história americana, a era pós-hippie e pós-Manson, em que o sonho contracultural de paz, amor e LSD já tinha sido substituído por paranoia, conflitos e lutas que desembocariam em Watergate e, depois, na guinada à direita da era Reagan.

Analisando a filmografia de Anderson, percebe-se que ele tem um assunto preferido: a Califórnia. A maioria de seus filmes foi rodada na Califórnia e vários deles têm o lugar como tema. Vejo “Vício Inerente” como o terceiro de uma trilogia californiana, que inclui “Boogie Nights”, sobre a cena pornô da virada dos 70 para os 80 em Hollywood, e “Magnólia”, filme claramente inspirado no cinema de Robert Altman e que conta a vida de vários personagens do Vale de San Fernando, em Los Angeles.

Em “Vício Inerente”, o que parece importar para Anderson não são tanto os personagens, que lembram arquétipos do início dos anos 70 – os malucos, os traficas, os policiais, etc. – mas dar um panorama geral da época e recriar a atmosfera daqueles tempos. Não é tão lisérgico e divertido quanto “Medo e Delírio”, o filme de Terry Gilliam baseado na história autobiográfica de Hunter Thompson, mas são obras sobre a mesma época e com abordagens semelhantes – e pessimistas - sobre o fim da era hippie.

Boa Páscoa a todos. O blog volta segunda-feira.

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